Decisão-surpresa;
excesso de pronúncia; nulidade
I- Não obstante o recurso não ser o lugar próprio para arguir nulidades processuais – destas apenas cabendo reclamação para o juiz –, quando em causa está a omissão da prática de um ato que foi coberta por um despacho judicial deve entender-se que o meio adequado a reagir à infração verificada é o recurso de tal decisão e não já a reclamação da omissão;
II- “O proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia”;
III- Suscitada no inventário uma questão de direito, deve o juiz, não obstante a indicação no sentido de que só era obrigatória constituição de advogado caso se suscitem ou discutam questões de direito e ainda em sede de recurso contida na citação, ordenar a notificação da parte para, em prazo concretamente fixado para o efeito, constituir advogado, com a menção expressa das consequências legais;
IV- Ainda que verificada a nulidade decorrente do excesso de pronúncia, de harmonia com o previsto no art. 660º do CPC, a segunda instância não deve dar provimento à impugnação da decisão interlocutória afetada e impugnada conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, com a consequente anulação da decisão final, quando a infração cometida não for suscetível de modificar a referida decisão final, nem o recorrente tiver aduzido argumentação tendente a demonstrar que, independentemente da decisão final, o provimento tem para ele interesse; [...].
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"- Da nulidade da decisão que incidiu sobre a questão da nulidade do testamento por excesso de pronúncia
Começa o Recorrente por dizer que pretende arguir a nulidade principal dos autos, por falta de cumprimento da notificação para constituição obrigatória de advogado, o que terá pois, por consequência a invalidade dos actos praticados após sua verificação e seu desentranhamento (artigos 1090º, 41º 195º e 196º do CPC).
Importa, desde logo, relembrar que, como se frisa no Acórdão desta Relação de 19/3/2020 (6760/19.8T8GMR-A.G1), “em princípio, das nulidades cabe reclamação e não recurso [daí o postulado tradicional: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”] e a reclamação é, também em princípio, dirigida ao Juiz do tribunal que cometeu ou onde foi cometida a nulidade.
Apesar destas duas regras básicas, o Prof. Alberto dos Reis [in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., pg. 424] ensinava que “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
Também o Prof. Manuel de Andrade [in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 183] entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».”
Igual entendimento perfilham os Profs. Antunes Varela [in Manual de Processo Civil, 1985, pg. 393] e Anselmo de Castro [in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pg. 134]. O primeiro, refere que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. O segundo, diz que “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
Isto para dizer que, não obstante o recurso não ser o lugar próprio para, como aparentemente pretende o Recorrente, arguir nulidades processuais – destas apenas cabendo reclamação para o juiz –, como, na situação em apreço, em causa está a omissão da prática de um ato que foi coberta por um despacho judicial deve entender-se que o meio adequado a reagir à infração verificada é o recurso de tal decisão e não já a reclamação da omissão. (neste sentido, veja-se o Ac. da Relação de Lisboa de 11/01/2011, proc. 286/09.5T2AMD-B.L1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl e o Ac. desta Relação do Porto de 24/04/2012, proc. 10336/11.0TBVNG-B.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, indicados no referido aresto)
Na verdade, “quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (…), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório (…)”, “depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho (…), de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. (cfr. STJ 23.06.2016 – Relator Abrantes Geraldes).
É esta também a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário a Acórdão da Relação de Évora de 10.04.14 (www.dgsi.pt), observou que uma nulidade processual, no caso conhecido no referido acórdão, por violação do princípio do contraditório, “é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10.05.2014)”.
E, de novo, em comentário ao acima citado acórdão desta Relação: “o proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC). Sobre o problema, cf. Jurisprudência 2019 (242))”.
Aplicando este entendimento à hipótese ora em apreço, é, pois, de concluir que a decisão pode ser nula por excesso de pronúncia decorrente da omissão da notificação para constituir advogado prevista no art. 41º do CPC, dado que sem a prévia notificação do interessado para constituição de advogado o tribunal não podia pronunciar-se sobre a questão de direito suscitada (admitindo-se que tampouco podia dizer que a mesma era extemporânea e, por isso, dela não iria conhecer) podendo, por essa via, ter cabimento a pretensão do Recorrente de anulação do despacho judicial proferido nas referidas condições."
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