"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/02/2023

Jurisprudência 2022 (117)


Reg. 1896/2006;
injunção europeia; oposição


1. O sumário de RL 12/5/2022 (6698/20.6T8LSB-A.L1-2) é o seguinte:

I. Os embargos a execução que tenha como título executivo uma injunção de pagamento europeia devem sujeitar-se ao regime previsto no Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento.

II. Nos termos do art.º 19.º do Regulamento, a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento.

III. O requerido deverá suscitar perante o tribunal do Estado-Membro de origem, e não perante o tribunal do Estado-Membro da execução, questões atinentes à tempestividade da declaração de oposição de injunção e à preterição de tribunal arbitral.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A apelante deduziu embargos à execução considerando que a sua oposição integrava as previsões constantes dos artigos 729.º, alíneas a) e d) e n.º 3 do art.º 857.º do CPC, e bem assim o art.º 14.º-A do Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9. [...]

Por sua vez a alínea d) do art.º 729.º, ao mencionar as situações previstas na al. e) do art.º 696.º, tem em vista situações de revelia absoluta, em que o réu não interveio na ação declarativa porque faltou a citação ou a citação feita é nula (subalínea i)), ou o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável (subalínea ii)) ou o réu não pôde apresentar a contestação por motivo de força maior (subalínea iii)).

Estas normas são aplicáveis às execuções que tenham por fundamento requerimento de injunção, conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 857.º. [...]

A injunção a que se reporta a presente execução rege-se pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento.

Conforme consta no considerando n.º 9 do Regulamento, este tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento, e permitir a livre circulação das injunções de pagamento europeias em todos os Estados-Membros, através do estabelecimento de normas mínimas cuja observância torne desnecessário qualquer procedimento intermédio no Estado-Membro de execução anterior ao reconhecimento e à execução.

O procedimento tem por base, tanto quanto possível, a utilização de formulários normalizados para todas as comunicações entre o tribunal e as partes, a fim de facilitar a sua administração e permitir o recurso ao tratamento automático de dados (considerando n.º 11 e artigos 7.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 16.º, 18.º do Regulamento).

No requerimento de injunção de pagamento europeia o requerente deverá fornecer informações suficientes para identificar e fundamentar claramente o pedido de modo a permitir ao requerido optar, com conhecimento de causa, entre deduzir oposição ou não contestar o crédito (considerando 13 e art.º 7.º).

O tribunal analisará o requerimento, bem como a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário de requerimento, o que deverá permitir-lhe apreciar prima facie o mérito do pedido e, nomeadamente, excluir pedidos manifestamente infundados ou requerimentos inadmissíveis (considerando 16 e art.º 11.º).

A injunção de pagamento europeia deverá informar o requerido das opções ao seu dispor, ou seja, pagar ao requerente o montante fixado ou apresentar uma declaração de oposição no prazo de 30 dias, caso pretenda contestar o crédito. Para além das informações completas sobre o crédito fornecidas pelo requerente, o requerido deverá ser informado do alcance jurídico da injunção de pagamento europeia e, em especial, dos efeitos da não contestação do crédito (considerando 18 e art.º 12.º).

O requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente (considerando 23 e art.º 16.º).

Uma declaração de oposição apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a passagem automática da ação para uma forma de processo civil comum (nos tribunais competentes do Estado de origem), a não ser que o requerente tenha solicitado expressamente o termo do processo nessa eventualidade (considerando 24 e art.º 17.º).

Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido terá, em certos casos excecionais, o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia (perante o Estado-Membro de origem). A reapreciação em casos excecionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excecionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excecionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento (considerando 25 e art.º 20.º).

Se no prazo de 30 dias suprarreferido não for apresentada ao tribunal de origem uma declaração de oposição, este declara imediatamente executória a injunção de pagamento europeia, para tal utilizando o formulário normalizado G, constante do Anexo VII, devendo para o efeito o tribunal verificar a data da citação ou notificação (art.º 18.º n.º 1). Nessa sequência o tribunal enviará ao requerente a injunção de pagamento europeia executória (art.º 18.º n.º 3).

Uma injunção de pagamento europeia emitida num Estado-Membro e que tenha adquirido força executiva deverá ser considerada, para efeitos de execução, como se tivesse sido emitida no Estado-Membro no qual se requer a execução. A confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros justifica que o tribunal de um Estado-Membro considere preenchidos todos os requisitos de emissão de uma injunção de pagamento europeia, a fim de permitir a execução da injunção em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada (considerando 27 e art.º 21.º). Nos termos do art.º 19.º do Regulamento, a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento.

Acresce que o mérito da injunção não pode ser reapreciado no Estado-Membro da execução (art.º 22.º n.º 3).

O Regulamento prevê duas situações em que o tribunal do Estado-Membro da execução poderá, a pedido do requerido, recusar a execução:

- Se a injunção for incompatível com uma decisão anteriormente proferida em qualquer Estado-Membro ou país terceiro, desde que a decisão anterior diga respeito à mesma causa de pedir e às mesmas partes, a decisão anterior reúna as condições necessárias ao seu reconhecimento no Estado-Membro de execução e não tenha sido possível alegar a incompatibilidade durante a ação judicial no Estado-Membro de origem (art.º 22.º n.º 1);

- Se e na medida em que o requerido tiver pago ao requerente o montante reconhecido na injunção de pagamento europeia (art.º 22.º n.º 2).

O Regulamento também admite que o tribunal da execução limite o processo de execução a providências cautelares, ou subordine a execução à constituição de uma garantia, ou suspenda a execução, caso o requerido tenha pedido a reapreciação da injunção no Estado-Membro de origem, nos termos do art.º 20.º do Regulamento.

O Regulamento é um ato jurídico da União. Tem caráter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros (art.º 288.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia). É, pois, diretamente aplicável na ordem interna portuguesa (art.º 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).

Face ao exposto, a oposição à execução de injunção europeia será regida pelo art.º 729.º do CPC na medida em que não contrarie o regime do Regulamento (CE) 1896/2006 (neste sentido, cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, p. 875).

A executada invoca a falta de título executivo. Alega que deduziu tempestivamente oposição à injunção, pelo que não deveria ter ocorrido a declaração de executoriedade.

Vejamos.

Está documentado nos autos que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa citou/notificou a requerida para os termos do procedimento de injunção europeia em 29.01.2019. Por sua vez a requerida enviou a sua declaração de oposição ao tribunal belga em 25.02.2019, tendo-a este recebido em 26.02.2019 – pelo que dir-se-ia que a oposição foi deduzida tempestivamente.

Contudo, no título executivo (declaração de executoriedade emitida pelo tribunal belga) certifica-se que a injunção foi notificada em 22.01.2019. Ora, se a requerida foi notificada da injunção em 22.01.2019, então a sua declaração de oposição foi apresentada extemporaneamente.

Como já foi referido acima, está documentado que a citação/notificação da injunção à requerida foi tentada por dois meios: por solicitação dirigida ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e por carta registada com aviso de receção dirigida diretamente à requerida – tudo isso em 16.01.2019 (cfr. tradução da certidão emitida pelo oficial de justiça belga, que acompanhou o requerimento de embargos de executado, fls 7 v.º e 8 dos autos em papel). Não é difícil admitir que a carta registada com aviso de receção enviada diretamente à requerida tenha chegado à sua destinatária antes da comunicação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – provavelmente em 22.01.2019. Tendo sido esta a data tomada em consideração pelo tribunal belga para a contagem do prazo de oposição à injunção.

Trata-se de questão que deveria ter sido dirimida perante o tribunal belga.

Em suma, a executoriedade da injunção mostra-se declarada por um tribunal belga, na sequência de requerimento de injunção europeia requerida pela ora exequente nos termos do apontado Regulamento, para o qual a executada foi citada, como reconheceu. Se a executada entende que a declaração de executoriedade foi indevidamente emitida, porque a executada terá apresentado a sua oposição tempestiva e validamente, tal questão deveria ter sido suscitada perante o tribunal de origem, conforme decorre do disposto no art.º 20.º do Regulamento.

Quanto à ora invocada preterição de tribunal arbitral, trata-se de matéria que não é de conhecimento oficioso (artigos 96.º al. b) e 97.º n.º 1 do CPC) e que deveria ter sido suscitada pela requerida no Estado-Membro de origem, porventura no âmbito da forma de processo civil comum que deveria seguir-se, se fosse o caso, à oposição deduzida.

Em resumo, as questões suscitadas pela executada colocam-se a montante da emissão do título executivo, devendo ter sido apresentadas no tribunal do Estado-Membro de origem, sobre quem recai a competência para a sua apreciação.

Ora, não se mostrando que a executada se dirigiu aos tribunais belgas para a resolução dessas questões, não há sequer que ponderar a suspensão da execução nos termos previstos no art.º 23.º do Regulamento (CE) 1896/2006."

[MTS]