"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/02/2023

Jurisprudência 2022 (127)


Reg. 1215/2012;
medidas provisórias; competência internacional


I. O sumário de RG 2/6/2022 (314/21.6T8BRG-A.G1) é o seguinte:

O art. 35.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, estabelece que as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro, podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa.O pressuposto é uma conexão entre os processos e os Estados-Membros e, por outro lado, que uma medida provisória determinada por um tribunal dum Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa apenas produz efeitos no território desse Estado-Membro, o que afasta a possibilidade de, nessas circunstâncias, ser determinada a aplicação duma medida provisória que seja executada ou produza os seus efeitos noutro Estado-Membro.

Os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para determinar que a requerida proceda a título provisório à regularização e manutenção do seguro de doença Techniker Krankenkasse (TKK) - Segurança Social Alemã adstrito ao contrato de trabalho que foi celebrado com o requerente, posto que esta medida não tem qualquer elemento de conexão com o território do Estado Português, designadamente porque a sua execução se efectiva necessariamente na Alemanha.

O direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais mostra-se assegurado através do tribunal alemão que internamente tenha competência para a questão, nos precisos termos estabelecidos pelo Regulamento em referência ex vi art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] o art. 35.º do Regulamento estabelece que as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, previstas na lei de um Estado-Membro, podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado-Membro, mesmo que os tribunais de outro Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa.

Como se refere na decisão recorrida, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem sublinhado que, nos termos do Regulamento, a competência dos tribunais dum Estado-Membro para determinar a aplicação duma medida provisória depende da existência de um elemento de conexão entre o objecto da medida pretendida e o território desse Estado-Membro.

De outra forma, permitir-se-ia que as medidas provisórias fossem requeridas em qualquer Estado-Membro escolhido livremente pelo requerente, o que é precisamente o inverso do visado pelo Regulamento com a regra de que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro e as excepções decorrem de critérios aí previstos de forma taxativa.

A este propósito, é bem claro o considerando (16) do Regulamento ao referir que «o foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

Por outro lado, o Regulamento assegura, nos termos do seu Capítulo III, que as decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas e eficazes nos outros Estados-Membros sem quaisquer formalidades, porém, de acordo com o art. 2.º, alínea a) do mesmo diploma, para esse efeito o termo «decisão» abrange apenas as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, decididas por um tribunal que, por força do Regulamento, é competente para conhecer do mérito da causa.

Em suma, ainda na senda da decisão recorrida, o art. 35.º do Regulamento é uma válvula de escape que, atendendo a uma situação de urgência, permite que os tribunais de um Estado-Membro que não são competentes para conhecer do mérito da causa determinem a aplicação duma medida provisória que possa ser eficaz apenas no seu território.

Assim, se o requerente pretende uma medida provisória que seja eficaz em todos os Estados-Membros, deve requerer a sua aplicação nos tribunais do Estado-Membro que são competentes para conhecer do mérito da causa; se considera suficiente uma medida provisória cuja eficácia se restringe ao território de um Estado-Membro, pode requerer a sua aplicação nesse Estado-Membro.

Esta interpretação radica ainda nos considerandos do Regulamento: no (13) afirma-se que «deverá haver uma ligação entre os processos a que o presente regulamento se aplica e o território dos Estados-Membros»; no (33) que, «se medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, forem decididas por um tribunal competente para conhecer do mérito da causa, a sua livre circulação deverá ser garantida nos termos do presente regulamento. (…) Se medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, forem decididas por um tribunal de um Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa, os seus efeitos deverão confinar-se, nos termos do presente regulamento, ao território desse Estado-Membro.»

O pressuposto é, assim, uma conexão entre os processos e os Estados-Membros e, por outro lado, que uma medida provisória determinada por um tribunal dum Estado-Membro que não seja competente para conhecer do mérito da causa apenas produz efeitos no território desse Estado-Membro, o que afasta a possibilidade de, nessas circunstâncias, ser determinada a aplicação duma medida provisória que seja executada ou produza os seus efeitos noutro Estado-Membro.

Ora, o Apelante pretende que seja determinado à Requerida que a título provisório proceda à regularização e manutenção do seguro de doença Techniker Krankenkasse (TKK) - Segurança Social Alemã adstrito ao contrato de trabalho que foi celebrado, recolocando-o na condição de beneficiário para acesso imediato aos cuidados de saúde.

O objecto desta medida não tem qualquer elemento de conexão com o território do Estado Português, designadamente porque a sua execução se efectiva necessariamente na Alemanha, logo, a mesma não pode ser determinada por um tribunal português com fundamento no art. 35.º do Regulamento.

Em face do exposto, também por esta via se conclui que o Juízo do Trabalho de Braga não é internacionalmente competente para decretar a medida cautelar e provisória requerida, sendo certo, todavia, que se mostra assegurado o direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais através do tribunal alemão que internamente tenha competência para a questão, nos precisos termos estabelecidos pelo Regulamento em referência ex vi art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa."

[MTS]