"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/02/2023

Jurisprudência 2022 (126)


Procedimento de injunção;
litisconsórcio subsidiário*


1. O sumário de RC 17/5/2022 (15167/21.6YIPRT.C1) é o seguinte:

I - Um Centro Hospitalar integrado no SNS pode recorrer a injunção apenas contra a Seguradora do veículo que provocou o acidente ou, em pluralidade subjectiva subsidiária, contra o FGA e lesante condutor desse veículo, para cobrar as despesas que suportou na assistência ao lesado, não havendo qualquer erro na forma de processo ao fazê-lo.

II - A complexidade das questões controvertidas não obsta ao procedimento especial de injunção.

II[I] - Pode ser deduzido pedido subsidiário em procedimento especial de injunção.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"O art. 1º do DL 218/19[99] (que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde), onde se estatui que:

1 - O presente diploma estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.

2 - Para efeitos do presente diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas [sic] ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.

3 - Para efeitos do número anterior, o requerimento de injunção deve conter na exposição sucinta dos factos os seguintes elementos:

a) O nome do assistido;

b) Causa da assistência;

c) No caso de acidente que envolva veículos automóveis, matrícula ou número de apólice de seguro; (…)

f) Nos restantes casos em que sejam responsáveis seguradoras, deve ser indicada a apólice de seguro.

[...] Vejamos agora cada um dos 4 argumentos invocados na decisão recorrida.

A») o pedido formulado não está em consonância com o fim para o qual foi estabelecido ou criada a forma processual do processo de injunção.

Não acolhemos tal maneira de ver o litígio. O legislador no apontado art. 1º, nº 2, do DL 218/99, não só ficcionou que a realização das prestações de saúde se consideram feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, como mandou aplicar o regime jurídico das injunções.

De sorte que o pedido do recorrente se acoberta perfeitamente aos intentos legais e regime do transcrito art. 1º do DL 269/98. No mesmo sentido podem ver-se os Acds. da Relação do Porto, de 12.1.2021, Proc. 400104/20.1YIPRT, da Relação de Guimarães, de 17.9.2020, Proc. 117403/19.3YIPRT, e desta Relação de Coimbra, de 14.1.2014, Proc.13358/13.2YIPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

O que determina a forma de processo a empregar é o pedido, pelo que a correção ou incorreção do meio processual empregue pelo A. afere-se em função da pretensão da tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir. Como é bom de ver, perante o pedido do A., e os citados artigos dos 2 mencionados DL, o pedido ajusta-se à forma do processo utilizado, pelo que inexiste o apontado erro na forma do processo. 

B») o FGA e o R. BB foram demandados com violação dos requisitos do disposto no art. 1º, nº 3, do DL 218/99. Não está certo.

Na verdade, embora o FGA e o BB não sejam seguradoras, podem ser demandados, como emana da acima referida e transcrita c), pois a lei contenta-se, em caso de acidente, com a indicação do número de apólice de seguro ou da matrícula. Ora, o A. ao demandar o FGA e BB indicou, no requerimento de injunção, a matrícula do veículo que este último conduzia. Estão reunidos, pois, os requisitos previstos no identificado diploma.

C») foram deduzidos pedidos subsidiários, o que não está previsto no procedimento de injunção. É verdade, mas não é por isso que haja barreira legal para tal dedução.

Efectivamente, o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000 € é um procedimento especial (epígrafe do art. 1º do DL 269/98).

No art. 549º, nº 1, do NCPC, que prevê as disposições sobre o processo especial, determina-se que o mesmo se regula pelas disposições próprias, depois pelas disposições gerais e comuns e seguidamente, na falta de umas e outras, pelo estabelecido no processo comum.  

Ora, no processo comum de declaração prevê-se a possibilidade de pedidos subsidiários (art. 554º do mesmo código). E nas disposições gerais e comuns prevê-se a dedução de pedido em litisconsórcio subsidiário (art. 39º, do mesmo diploma), como é o caso dos autos. Como assim, ao invés do sustentado na decisão apelada é possível deduzir pedidos subsidiários nesse tipo de procedimento especial de que é ilustrativo o nosso caso concreto.

Pode é verificarem-se circunstâncias impeditivas da subsidiariedade dos pedidos, como a lei prevê no nº 2 do mencionado art. 554º e por arrastamento na situação do art. 39º, mas essa circunstância apenas operará no estrito âmbito da procedência de uma excepção dilatória e consequente absolvição da instância (arts. 576º, nº 2, 577º, corpo e g) e 278º, nº 1, e), do NCPC). Circunstâncias eventuais essas que podem perfeitamente ser obviadas no processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias referido, já que remetida a injunção á distribuição se passa a seguir, por efeito do art. 17º do Regime Anexo, o disposto nomeadamente no art. 3º da acção declarativa, podendo o juiz ao abrigo do nº 1 deste preceito, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa (total ou parcialmente).    

Nunca, contudo, se equiparando ou importando tais hipóteses a erro na forma do processo."

*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, é muito duvidoso que a RC tenha decidido bem no que respeita à admissibilidade do litisconsórcio subsidiário no procedimento de injunção.

Na epígrafe do art. 1.º DL 269/98, de 1/9, fala-se de "procedimentos especiais". Mas estes procedimentos envolvem uma "acção declarativa" -- que é um processo -- e uma "injunção" -- que é um procedimento que não pode ser considerado um processo. É, por isso, muito discutível que se possa defender a possibilidade de aplicação ao procedimento de injunção do litisconsórcio subsidiário estabelecido no art. 39.º CPC com fundamento no disposto no art. 549.º, n.º 1, CPC, dado que este preceito regula o regime aplicável aos processos especiais (e não a procedimentos que não podem sequer ser qualificados como processos).

b) "[...] a realização [...] consideram-se feitas" que consta do art. 1.º, n.º 2, do DL 218/99, de 15/6, é uma expressão muito infeliz a vários títulos.

MTS