"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/02/2023

Jurisprudência 2022 (122)


Apoio judiciário;
recurso de revista; admissibilidade



1. O sumário de STJ 11/5/2022 (400/11.0TBCVL-I.C1.S1) é o seguinte:

I - A norma do art. 28.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29-06, não é materialmente inconstitucional.

II - Retomando o art. 671.º, n.º l, do novo CPC a solução do anterior art. 721.º do CPC de 1961, antes da reforma de 2007, o que releva para a admissibilidade da revista é o acórdão da Relação e já não o que tenha sido decidido pela 1.ª instância.

III - Não é legalmente admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, em conferência, julga improcedente uma reclamação contra despacho do relator que não admite recurso de apelação, por não ser um acórdão que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"2.1. – A decisão singular do Relator contém a seguinte fundamentação:

“Problematiza-se na reclamação, não a reapreciação do mérito do acórdão a ela subjacente, mas tão somente a admissibilidade do recurso de revista interposto pelo Reclamante do acórdão da Relação de 11/1/2022, decidido em conferência.

O despacho reclamado rejeitou o recurso de revista por considerar ser legalmente inadmissível, dado que não tem apoio no art. 671 nº 1 CPC (“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”).

Em contrapartida, objecta o Recorrente/Reclamante dizendo que o pressuposto do art. 671 nº 1 CPC é no sentido de que a exigência de “por termo ao processo” tanto se reporta à decisão da 1ª instância como à da Relação.

O art.652 nº 5 do CPC estatui na alínea b), que do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada “recorrer nos termos gerais”.

Significa que a admissão da revista terá que ter o apoio dos arts.629 nº2 a), b), c), d) e art.671 CPC.

Não estamos aqui perante uma situação em que “é sempre admissível recurso”, nos termos do art.629 nº2 a), b), c), d) CPC.

Resta apurar da pertinência do art.671 nº1 CPC, ou seja, se a admissibilidade da revista é justificada por esta norma.

A interpretação do Reclamante da norma do art. 671 nº 1 CPC não tem qualquer fundamento.

Com efeito, retomando o art. 671 nº 1 CPC a solução do anterior art. 721 CPC/1961, antes da reforma de 2007, o que releva para a admissibilidade da revista é o acórdão da Relação e já não o que tenha sido decidido pela 1ª instância.

Como escreve Abrantes Geraldes - “Resulta agora inequívoco que o ponto de referência para a admissibilidade da revista é o teor do acórdão da Relação e não o que tenha decidido a 1ª Instância” (Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág.396). Também o Ac STJ de 28/1/2016 (proc. nº 1006/12), em www dgsi, para quem “A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art.671 nº1 do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art.721 nº1 do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação”.

Ora, o acórdão da Relação de 11/1/2022 não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo, pelo que não é admissível recurso de revista.

Neste sentido:

Ac STJ de 19/2/2015 (proc. nº 3175/07), disponível em www dgsi.pt (“Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º 1 do art. 671.º do NCPC (2013)).”,

Ac STJ de 19/12/2021 (proc. nº 2290/09), em www dgsi.pt (“Da decisão de não admissão do recurso de apelação proferida no Tribunal de 1.ª instância cabe reclamação para o Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, e, depois, da decisão sobre esta reclamação cabe reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC. Do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível”).

A Reclamação é manifestamente improcedente.”

2.2. - O Reclamante fundamenta agora a sua pretensão impugnatória em dois tópicos:

a) A norma do nº 5 do artigo 28° da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, impedindo o recurso da decisão em causa, viola as normas dos artigos 13°; 18°, nºs. 2 e 3; 20°, nºs.1, 4 e 5; 202, nºs.1 e 2; 204° e 208º da Constituição da República Portuguesa;

b) O acórdão da Relação de 11/1/2022 não pôs termo ao processo, pelo que é admissível recurso de revista e a decisão violou as normas dos artigos 671 nº1 CPC e 13°; 18°, nºs. 2 e 3; 20°, nºs.1, 4 e 5; 202, nºs.1 e 2; 204° e 208º da Constituição da República Portuguesa.

Verifica-se, pois, que o Reclamante coloca a questão da inconstitucionalidade, tanto da norma do art. 28 nº 5 da Lei nº 34/2004 de 29/7, como da do art. 671 nº1 CPC.

É sabido que o controlo da constitucionalidade tem natureza estritamente normativa e no tocante à fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional admite a possibilidade de os respectivos recursos poderem incidir sobre normas, como reportarem-se a determinadas interpretações normativas, “em que a norma é tomada, não com o sentido genérico e objectivo plasmado no preceito (ou fonte) que a contem, mas em função do modo como foi perspectivada e aplicada à dirimição de certo caso concreto pelo julgador” ( cf. Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional“, Jurisprudência Constitucional nº 3, Julho/Setembro 2004, pág. 7).

Com o devido respeito, parece que, a coberto da arguição de inconstitucionalidade, o reclamante impugna o acto de julgamento, ou seja, a concreta aplicação da decisão singular ao rejeitar o recurso de revista.

Importa observar, antes de mais, que a decisão reclamada nem sequer utilizou, na sua ratio decidendi, a norma do art. 28 nº 5 da Lei nº34/2004 de 29/6, mas antes e tão só a inadmissibilidade da revista a coberto do art. 671 nº1 CPC.

Não obstante, a jurisprudência do Tribunal Constitucional é no sentido de não considerar inconstitucional a norma do art. 28 nº 5 da Lei nº 34/2004.

Como ilustração, o acórdão nº 43/2008, que adoptou a fundamentação do proc. n.º 651/2007 (acórdão n.º 40/2008) incidindo ambos sobre a versão do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004 anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, que lhe acrescentou o n.º 5, e que decidiu - “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, interpretado no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial que julgue improcedente a impugnação da decisão administrativa que indeferiu pedido de concessão de apoio judiciário”.

Também o acórdão n.º 362/2010, de 6 de Outubro de 2010, decidiu manter “a decisão reclamada, que não julgou inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, com o sentido de que não é passível de recurso a decisão do tribunal de comarca que aprecie a impugnação judicial de indeferimento do pedido de apoio judiciário pela Segurança Social, negando-lhe provimento”.

No mesmo sentido, o Ac STJ de 31/3/2022 ( proc nº 12/21), em www dgsi.pt – “É irrecorrível a decisão proferida sobre a impugnação judicial da decisão sobre o pedido de protecção jurídica (n.º 5 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho)”, porquanto “Não resulta da Constituição a imposição da possibilidade de recurso de uma decisão judicial que, julgando a impugnação de uma decisão administrativa de negação de um pedido de apoio judiciário, a julgue improcedente, por falta de verificação dos pressupostos de concessão da modalidade de apoio requerida”.

Foi, de resto, este percurso de argumentação que trilhou o Ac. da Relação de 11/1/2022, quando decidiu não julgar inconstitucional a norma do art. 28 nº 5 da Lei nº34/2004 de 29/6, rejeitando o recurso.

Quanto ao segundo tópico, é evidente que o art. 671 nº 1 CPC só admite recurso de revista das decisões que conheçam do mérito da causa ou que ponham termo ao processo.

Como se justificou na decisão singular, agora impugnada, o acórdão da Relação de 11/1/2022 não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo, pelo que não é admissível recurso de revista, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal (cf., por ex., Ac STJ de 19/2/2015 (proc. nº 3175/07), Ac STJ de 19/12/2021 (proc. nº 2290/09), Ac STJ de 21/2/2019 (proc nº 27417/16), disponíveis em www dgsi.pt).

Neste contexto, o acórdão da Relação que julga improcedente uma reclamação contra despacho do Relator que não admite recurso de apelação, não é um acórdão que conheça do mérito da causa, e também não é um acórdão que ponha termo ao processo, ou seja, que julgue extinta a instância ou absolva da instância.

A norma do art. 671 nº 1 do CPC não é materialmente inconstitucional, por violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (arts.13 e 20 CRP).

Desde logo, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a Constituição não consagra do direito irrestrito ao recurso em processo civil, pelo que existe uma margem de conformação legislativa.

A ratio legis do art. 671 nº 1 CPC radica na limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, reservando a sua jurisdição para uma fase do processo em que o objecto tenha sido definitivamente decidido, ou seja, quando se está perante uma decisão final, de natureza material ou processual dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

Como elucida Lopes do Rego (“O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 764), as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.

Tanto o Tribunal Constitucional, como o Supremo Tribunal de Justiça têm jurisprudência consolidada no sentido de que “a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de actos jurisdicionais”, pelo que “o legislador dispõe de ampla margem de conformação do regime de recursos” ( cf., por todos ,Acórdão nº 361/2018 )."

[MTS]