Pretensão infundada; omissão do dever de cooperação;
litigância de má fé
1. O sumário de RL 12/5/2022 (980/08.8TCSNT-A.L1-2) é o seguinte:
I)– Litiga de má fé – prosseguindo, de forma infundada, demanda executiva e omitindo, de forma grave, o dever de cooperação que lhe era exigível - o exequente que:
a)- Em 2008 instaura execução para pagamento de quantia certa, fundada no incumprimento, pelos executados, de cinco contratos de mútuo (outorgados em junho de 2005), liquidando a obrigação exequenda em € 181.378,17 (€164.075,99, a título de capital, e € 17.302,18, a título de juros de mora);b)- Em fevereiro de 2009 outorga com aqueles, novo contrato de mútuo, em que a quantia mutuada (de € 22.040,00) traduz o montante que, de acordo com o exequente, se encontrava em débito nessa data (fevereiro de 2009) e referente aos cinco contratos de mútuo objeto da execução;c)- Em 2012 instaura nova ação executiva, para pagamento de quantia certa, contra os mutuários, com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo titulado pela escritura outorgada em fevereiro de 2009, liquidando a obrigação exequenda em €22.619,98, acrescida de juros de mora;d)- Perante a alegação de tais factos pelos embargantes, nega que o contrato de 2009 tenha correlação com os cinco contratos de mútuo celebrados em 2005, prosseguindo as pretensões executivas sem nelas fazer qualquer alteração.
II)–De facto, sabendo que o título gerado ulteriormente – respeitante à escritura pública de 2009 – e que foi dado executar na execução subsequentemente instaurada, comportava ou continha valores que eram já objeto de execução na execução primeiramente instaurada, nada fez, nem naqueles autos (por exemplo, reduzindo o montante da quantia exequenda ou desistindo de tal execução), nem nestes (indicando, por hipótese, para tal efeito, a pendência da outra execução), permitindo que, desde, pelo menos, 2009, a execução instaurada em 2008 prosseguisse os seus termos com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda nos termos liquidados no requerimento executivo, do que resulta que o valor em divida relativamente ao contrato de mútuo titulado pela escritura pública outorgada em fevereiro de 2009 fosse reclamado, simultaneamente, em ambas as execuções.
III)–Ponderando o longo tempo (mais de dez anos) perante o qual a situação de prosseguimento da lide, nos moldes referenciados, se verificou, a situação económica do embargado (uma instituição de crédito, que deve assegurar, a todo o tempo, de níveis adequados de liquidez e de solvabilidade - cfr. artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e o reduzido impacto que a sanção terá no conjunto patrimonial atinente, mostra-se adequada a condenação do embargado, como litigante de má fé, na multa de 20 UC’s e na indemnização de € 5.000,00.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se deverá subsistir a decisão que condenou o embargado como litigante de má fé, na multa de 20 UC’s e no pagamento aos executados/embargantes da indemnização de € 5.000,00, ou se, ao invés, tal decisão deverá ser revogada. [...]
[...] contesta o embargado/recorrente a decisão recorrida, invocando, em síntese, a seguinte argumentação:
1.º–O recorrente instaurou duas ações executivas distintas peticionando em cada uma delas, responsabilidades diferentes (na primeira, intentada em 21.08.2008, peticionou o valor devido pelo incumprimento de cinco contratos de mútuo com hipoteca e fiança, os quais se encontravam resolvidos por incumprimento e, na segunda, intentada em 22.02.2012, peticionou a quantia devida por um outro contrato de mútuo, diferente dos acima referidos, que referiu incumprido pelos recorridos);2.º–Por essa razão - refere o recorrente - afirmou que, stricto sensu, o contrato em causa não é relacionado com os demais porque se trata de uma nova responsabilidade contraída posteriormente;3.º–Embora o crédito mutuado pelo contrato celebrado em 26.02.2009 possa ter servido para amortizar o valor em divida referente aos contratos celebrados em 06/06/2005, o mesmo foi incumprido pelos Recorridos, e o Recorrente nunca omitiu a celebração do contrato sub judice;4.º–A questão de não ter sido comunicada na acção executiva a que estes autos são apensos, de que foi contraído um novo mútuo para liquidação do valor devido a título de incumprimento dos cinco contratos em execução, prende-se com o facto dos Embargantes, terem voltado novamente a uma situação de incumprimento, não só dos contratos em execução, como do novo mútuo;5.º–O facto de não ter sido actualizada a quantia exequenda, em virtude da celebração de um novo contrato de mútuo, não configura em si qualquer atitude susceptível de ser qualificada como litigância de má fé, mas tão só um lapso perfeitamente desculpável;6.º–A não extinção dos presentes autos, à data, não altera em nada o desfecho dos mesmos, porquanto, o Recorrente teria sempre a possibilidade de fazer uso do instituto da renovação da instância nos termos do disposto no artigo 850.º n.º 1 do CPC, tendo como resultado prático o prosseguimento dos autos;7.º–O Recorrente não teve, assim, qualquer intenção maliciosa ao não comunicar a redução da quantia exequenda nos autos;
8.º–O Recorrente não tinha consciência de não ter razão, porquanto a divida dos seis contratos existe, sendo que apenas carecia e carece de actualização;9.º–A condenação do Recorrente em litigante de má fé, para além de carecer de fundamento é premiar os Executados relapsos que se mantém numa situação de incumprimento reiterado das suas responsabilidades até à data de hoje.
Ora, não obstante a laboriosa construção do recorrente, certo é que, não se alcança fundamento para a procedência da mesma.
É que, conforme bem relembram os recorridos (em sede de contra-alegações), foi invocado na petição de embargos pelos embargantes, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 17.- Mas tal conduta do exte. é agravada com uma outra acção, que deliberadamente omite, qual seja a de ter celebrado com os agora embargantes, em 26.02.2009, para reestruturação de todo o crédito, uma escritura de mútuo com hipoteca e mandato, pelo montante de € 22.040,00, com prestações a ser pagas nos dias 30 de cada mês (cfr. doc. 2 que se junta e aqui se dá por reproduzido).18.- E isto apesar de no dia 12.10.2007, cerca de 2 anos antes, ter alegadamente denunciado os anteriores 5 contratos que deu à execução nestes autos. (…)20.- A quantia mutuada no dia 26.02.2009 traduz o montante que, segundo o exte., se encontrava em débito nessa data e referente aos 5 contratos de mútuo que são objecto de execução nestes autos, mencionando-se ali expressamente que se destinava a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente (sic).21.- Essa quantia titulada na escritura que constitui o doc. 2 não chegou sequer a ingressar na conta bancária dos ora embargantes. (…)23.- Estando contudo ciente de que o montante em débito é afinal menor do que aquele que reclama, mercê da consignação da quantia mutuada em 26.02.2009 a crédito dos embargantes, como foi ajustado.24.- O exte. propôs uma execução para cobrança dessa quantia mutuada em 26.02.2009 (cfr. consta do processo de execução n. …/…, que tramita neste mesmo Juízo de Execução e Juiz 2), querendo assim receber duas vezes a mesma quantia – o que denota de forma clara o seu apetite voraz e avassalador.25.- Só que o exte. omite dolosamente esse facto, sabendo da sua relevância na decisão a proferir nestes autos.26.- O exte. actua e litiga assim com manifesta má fé (…)”. [...]
Ora, verifica-se que o embargado, na sequência da invocação dos embargantes - no sentido de que existia uma “duplicação” da exigência de valores em ambas as execuções pendentes - em vez de vir “atualizar” os valores da quantia exequenda dos presentes autos, ou, em vez de manifestar (nestes autos ou naqueles que penderam primeiro sob o n.º …/…) qual a consequência para os presentes autos da pendência de outra uma execução, fundada em título que abrangia a dívida em execução nos presentes autos, singelamente, referenciou que a escritura celebrada a 26-02-2009 dizia respeito a um “contrato independente”, o qual – precisou – não ter correlação com os cinco contratos de mútuo dados à execução com os presentes autos, visando, claramente, autonomizar a exigibilidade das quantias peticionadas em ambas as execuções: “a escritura aludida pelos Embargantes é objecto de um processo independente, devendo a sua apreciação ser realizada nesses autos”.
Ora, conforme resultou do elenco dos factos provados, submetidos que foram a julgamento, “o empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi concedido no âmbito de um processo de reestruturação com vista à liquidação/pagamento das quantias vencidas, àquela data, respeitantes aos mútuos titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados” (cfr. facto provado n.º 41) e a que respeitam os títulos dados à execução dos presentes autos (os autos de execução instaurados com base no requerimento executivo apresentado em 21-08-2008).
Mais se apurou que “a quantia mutuada no âmbito do empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 foi diretamente imputada aos valores vencidos, à data de 26/02/2009, por força do incumprimento dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificada nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados” (cfr. facto provado n.º 42), elemento que demonstra, ao invés do invocado pelo embargado, a correlação existente entre tal título assim formado e a dívida exequenda objeto da execução dos presentes autos, fundada em escrituras de empréstimo/mútuo outorgadas anteriormente (em 06-06-2005).
E ficou ainda demonstrada a ausência de comunicação à execução n.º980/08.8TCSNT a imputação da referida quantia à dívida exequenda (cfr. facto provado n.º 43).
Perante estes elementos, ponderados na decisão recorrida, verifica-se que a censurabilidade da conduta da exequente e ora recorrente prende-se com a circunstância de, sabendo que o título gerado ulteriormente – respeitante à escritura pública de 26-02-2009 – e que foi dado executar na execução que seguiu termos sob o n.º …/… (atual apenso B) comportava ou continha valores que eram já objeto de execução nos autos de processo n.º 980/08.8TCSNT, nada fez, nem naqueles autos (por exemplo, reduzindo o montante da quantia exequenda ou desistindo de tal execução), nem nestes (indicando, por hipótese, para tal efeito, a pendência da outra execução), alegando, pelo contrário e para que assim não houvesse interferência decisória, nem de valores entre ambos os processos, que os contratos de mútuo nenhuma correlação tinham entre si, alegação – stricto sensu - condicente com o teor literal constante da escritura de 26-02-2009, mas que, materialmente e de acordo com o que veio a ser apurado, em sede de julgamento, na sequência, aliás, de labor “defensivo” da contraparte, tinha a obrigação de saber que não correspondia à verdade.
Convoque-se, por consubstanciar um juízo inteiramente acertado, o que ficou expendido na decisão recorrida: Ao não comunicar aos presentes autos – com o n.º 980/08.8TCSNT – que a quantia mutuada no âmbito do empréstimo/mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26-02-2009 foi diretamente imputada aos valores vencidos, à data de 26-02-2009, por força do incumprimento dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005 e que, nessa base foi deduzida execução com o n.º …/…, “[c]om isso, o exequente permitiu, desde, pelo menos, 2009, que a execução n.º980/08.8TCSNT prosseguisse os seus termos com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda nos termos liquidados no requerimento executivo, do que resulta que o valor em divida relativamente ao contrato de mútuo titulado pela escritura pública outorgada em 26/02/2009 esteja a ser reclamado, simultaneamente, em ambas as execuções, bem sabendo o exequente que o valor deste último mútuo havia sido destinado a pagar os valores (de capital e juros) vencidos até 2009 relativos aos incumprimentos dos contratos de mútuo titulados pelas escrituras realizadas/outorgadas em 2005, identificadas nos pontos 2, 9, 16, 22 e 28 dos factos provados”.
O prosseguimento da demanda – com integral exigência das quantias exequendas peticionadas – em ambas as execuções, sem qualquer “correcção” da posição expressa em sede de contestação aos embargos, traduz, por parte do embargado, um comportamento de má fé na litigância, podendo concluir-se, que, concomitantemente, foi omitido, de forma grave, o dever de cooperação exigível ao embargado, sendo que, este poderia e deveria ter atuado de outro modo.
Assim e, em síntese, litiga de má fé – prosseguindo, de forma infundada, demanda executiva e omitindo, de forma grave, o dever de cooperação que lhe era exigível - o exequente que:
a)-Em 2008 instaura execução para pagamento de quantia certa, fundada no incumprimento, pelos executados, de cinco contratos de mútuo (outorgados em junho de 2005), liquidando a obrigação exequenda em € 181.378,17 (€164.075,99, a título de capital, e € 17.302,18, a título de juros de mora);b)-Em fevereiro de 2009 outorga com aqueles, novo contrato de mútuo, em que a quantia mutuada (de € 22.040,00) traduz o montante que, de acordo com o exequente, se encontrava em débito nessa data (fevereiro de 2009) e referente aos cinco contratos de mútuo objeto da execução;c)-Em 2012 instaura nova ação executiva, para pagamento de quantia certa, contra os mutuários, com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo titulado pela escritura outorgada em fevereiro de 2009, liquidando a obrigação exequenda em €22.619,98, acrescida de juros de mora;d)-Perante a alegação de tais factos pelos embargantes, nega que o contrato de 2009 tenha correlação com os cinco contratos de mútuo celebrados em 2005, prosseguindo as pretensões executivas sem nelas fazer qualquer alteração.
Quanto ao mais, sublinhe-se que não tem razão de ser, no sentido de afastar a censurabilidade na litigância operada pelo embargado, a invocação de que a razão da “não comunicação” se relacionou com a situação de incumprimento do contrato celebrado em 26-02-2009, sendo que, nenhuma relação se alcança entre este incumprimento – que legitimaria a demanda da nova execução – e o simultâneo prosseguimento da primeira execução, onde o aludido incumprimento não era pressuposto.
Como se disse – e cumpre reafirmar – a conduta devida e conforme com a boa fé exigível, determinaria que, senão em momento contemporâneo com o de instauração da execução posterior, logo de imediato, o exequente desses autos (o mesmo que dos presentes) ali viesse reduzir a quantia porque prosseguia a execução com o n.º …/… ou desistir dessa execução, ou, em alternativa, que viesse aos presentes autos – com o n.º 980/08.8TCSNT - mencionar a existência daqueloutra execução e tirando para a mesma as consequências inerentes da simultânea pendência de dois títulos executivos, sobrepondo, pelo menos, em parte, a dívida exequenda objeto de ambas as execuções.
Dito de outro modo: Não pode conceder-se alguma relevância à situação de incumprimento do mútuo que sustentou os autos de execução n.º …/… para ilibar a conduta censurável do embargado - enquanto causa justificativa para a não comunicação de tal dupla execução -, pois, certo é que, foi precisamente tal incumprimento que determinou a instauração da mencionada execução (dado que, conforme se menciona na carta datada de 20-12-2010 e junta em audiência de discussão e julgamento, “a reestruturação ocorrida em 2009 incluiu todos os processos vencidos”, que o mesmo é dizer que, o mútuo de fevereiro de 2009, se destinou a contemplar as dívidas vencidas até então nos 5 mútuos firmados em junho de 2005), o que, só reafirma o conhecimento do embargado sobre tal situação e, de que, nesses termos, pendendo então já a presente execução (com o n.º 980/08.8TCSNT), a exigência de ambos os valores exequendos, comportava uma indevida duplicação (pelo menos, em parte, como se disse) da prestação exequenda.
Nenhum lapso se configura, pois, ter ocorrido no âmbito da esfera de atuação que era exigível ao embargado."
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