"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/02/2023

Jurisprudência 2022 (123)


Alimentos;
incumprimento; execução


1. O sumário de RE 26/5/2022 (520/21.3T8STC.E1) é o seguinte: 

- o procedimento consagrado no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) é aplicável quando esteja em causa o incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido relativamente à situação da criança;

- em caso de incumprimento da obrigação de prestar alimentos tem já lugar o procedimento previsto no artigo 48.º do RGPTC;

- a execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC constitui um instrumento alternativo de cobrança relativamente ao consagrado no artigo 48.º do RGPTC;

- a execução pode ser instaurada com base no acordo sobre o exercício [no] Registo Civil sem que o demandante esteja provido de título que declare estarem em dívida as prestações cuja cobrança é pretendida.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 726.º do CPC, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo. [...]

Temos em mãos um acordo relativo, entre outros itens, ao exercício das responsabilidades parentais da então menor (…), ora Exequente / Recorrente. Esse acordo foi firmado entre (…) e (…), tendo sido homologado na Conservatória do Registo Civil de Sines no âmbito da atribuição e transferência de competências dos tribunais judiciais para as conservatórias de registo civil, conforme previsto no DL n.º 272/2001, de 13 de outubro.

Ora, em caso de incumprimento por um dos pais do que tiver sido acordado ou decidido relativamente à situação da criança, tem lugar a aplicação do procedimento consagrado no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).

Em caso de incumprimento da obrigação de prestar alimentos, não sendo satisfeitas as quantias em dívida, tem já lugar o procedimento previsto no artigo 48.º do RGPTC, que estipula o seguinte:

«1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;
b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las.»

Trata-se do meio de efetivação da prestação de alimentos consagrado no RGPTC, operando-se, desde logo, diligência equivalente à penhora no vencimento, ordenado, salário ou outras quantias que sejam devidas ao obrigado àquela prestação. Estando em falta a realização da prestação alimentícia, o caso não se subsume a incumprimento de deveres relativamente à situação da criança, pelo que não tem aplicação o procedimento previsto no artigo 41.º do RGPTC. [Cfr. Ac. TRP de 20/04/2009 (M. Pinto dos Santos) do qual consta, relativamente à conjugação dos artigos 181.º e 189.º da OTM (cujo regime equivale ao dos artigos 41.º e 48.º do RGPTC, respetivamente), que o incidente previsto no artigo 181.º da OTM nem sequer é aplicável quando estejam em causa prestações de alimentos; Ac. TRP de 06/12/2011 (Fernando Samões) definindo que, quando o incumprimento diz respeito apenas a alimentos, deve aplicar-se o procedimento regulado no artigo 189.º da OTM.]

Em alternativa ao procedimento estipulado no artigo 48.º do RGPTC, pode instaurar-se a execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC. [Cfr. Ac. TRL de 18/06/2009 (Fátima Galante), por referência ao artigo 189.º da OTM.]

Na verdade, não deve ser rejeitada a execução especial por alimentos com base em falta de título executivo, quando na base da mesma está uma sentença homologatória transitada em julgado do acordo alcançado pelos progenitores relativamente à prestação mensal a título de alimentos, pois tal sentença constitui título executivo suficiente para a propositura da execução para pagamento das prestações entretanto vencidas e não pagas pelo progenitor-devedor, não havendo necessidade de recurso prévio ao incidente de incumprimento para se obter decisão que reconheça o não pagamento das prestações vencidas a executar, conforme propugnado na decisão recorrida, incidente que nem sequer é aplicável quando estejam em causa prestações de alimentos. [Cfr. Ac. TRP de 20/04/2009 (M. Pinto dos Santos).]

E nem o procedimento regulado no artigo 48.º do RGPTC constitui um processo «especialíssimo» relativamente à execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC, ou “que deva ter necessária prioridade sobre a via da execução autónoma, em termos de só poder lançar-se mão desta quando não for possível obter o pagamento pelo meio ali previsto”; antes “cabe ao credor dos alimentos optar, em alternativa, por um desses meios procedimentais, em função da avaliação que realiza, em concreto, acerca do seu próprio interesse na reintegração efetiva do direito lesado com o incumprimento da obrigação.” [Ac. STJ de 08/10/2009 (Lopes do Rego), por referência ao artigo 189.º da OTM.]

Decorre do exposto que a execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC constitui um instrumento alternativo de cobrança relativamente ao consagrado no artigo 48.º do RGPTC, e que a execução pode ser instaurada sem que o demandante esteja provido de título que declare estarem em dívida as prestações cuja cobrança é pretendida.

O acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais homologado na Conservatória do Registo Civil de Sines a 20/06/2016 (cfr. fls. 9 e ss.) constitui, assim, título executivo suficiente para impulsionar a ação executiva especial por alimentos com vista à cobrança das quantias que a Exequente líquida no requerimento executivo, discriminando os meses cujo pagamento foi omitido, a quantia de capital e os juros reclamados.

O que não coloca em causa os interesses do Executado, já que terá, oportunamente, ao seu dispor a defesa decorrente da oposição mediante embargos de executado – cfr. artigo 728.º do CPC, aplicável ex vi artigo 551.º, n.º 4, do Código de Processo Civil."

[MTS]