"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/04/2024

Jurisprudência 2023 (151)


Recurso; prazo; ampliação;
reapreciação de prova gravada


1. O sumário de RC 27/6/2023 (3892/12.7TBLRA-B.C1) é o seguinte:

I – A extensão em dez dias do prazo para interposição do recurso de apelação, que tenha por objeto a reapreciação de prova gravada, nos termos do disposto no art.º 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPCiv., só colhe justificação quando se tratar de uma impugnação séria, não fictícia, assente em prova pessoal gravada.

II – Se a parte recorrente invoca pretender a reapreciação de prova gravada, mas a factualidade impugnada é totalmente irrelevante para a decisão do recurso ou apenas suscetível de prova documental, não é de conceder aquela extensão de prazo, com a consequência da rejeição do recurso, por extemporaneidade.


2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido:

"Declaração de voto de vencido (art. 663.º, n.º 1, 2.ª parte do CPC)

Dissenti da decisão proferida maioritariamente por entender que, na situação sub judice, o recurso não devia ter sido rejeitado por extemporaneidade.

É sabido que, ressalvados casos especiais (processos urgentes e os previstos nos arts. 644.º, n.º 2 e 677.º do CPC), o prazo “normal” para a interposição do recurso é de 30 dias contados da notificação da decisão (art. 638.º, n.º 1 do CPC).

Todavia, nos termos do n.º 7 do aludido normativo, a esse prazo acrescem 15 [sic] dias quando o recurso “tiver por objeto a reapreciação da prova gravada”.

A questão que se coloca - e que tem propiciado alguma divergência jurisprudencial - é a de saber se este alargamento do prazo para interposição do recurso está ou não dependente do cumprimento pelo recorrente das exigências de impugnação da matéria de facto constantes do art. 640.º do CPC.

Contrariamente à visão que parece, no caso, ter feito vencimento, seguimos, a este propósito, a orientação – segundo se crê, maioritária - que vai no sentido de que a extensão do prazo em causa depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação [ - Neste sentido, v.g. acórdãos do STJ de 22.10.2015 (processo 2394/11.3TBVCT.G1.S1); 28.04.2016 (processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1); 06.06.2018 (processo 4691/16.2T8LSB.L1.S1); 06.06.2019 (processo 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1); 19.06.2019 (processo 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1); 24.10.2019 (processo 3150/13.0TBPTM.E1.S1); 21.10.2020 (processo 1779/18.9T8BRG.G1.S1) e de 14.09.2021 (processo 18853/17.1T8PRT.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.]

Desde logo por razões de hermenêutica e literalidade da norma, visto que o n.º 7 do art. 638.º apenas aponta para “a reapreciação da prova gravada” como objeto do recurso.

Depois pela inserção da norma no âmbito da admissibilidade dos recursos, em momento prévio e independente à apreciação do conteúdo ou teor da impugnação e da observância, ou falta de cumprimento, dos ónus de impugnação a que se reporta o artigo 640.º do CPC, matéria que apenas compete ao tribunal superior.

Como se refere no acórdão do TRL de 27.10.2022 (processo 7241/18.2T8LRS-A.L1.2) “Uma coisa é o prazo de recurso, e seu acréscimo; outra, a existência de condições processuais para a apreciação da impugnação da matéria de facto ou para a sua rejeição”.

O que releva nesta sede é, tão só, perante as alegações apresentadas, verificar se o recorrente pretende a impugnação da matéria de facto sustentada em prova gravada, independentemente da avaliação a efetuar ulteriormente quanto ao cumprimento das exigências constantes do art. 640.º do CPC.

Ora, no caso, deixando de lado essa avaliação, apresenta-se inequívoco que a recorrente (insolvente) pretende impugnar factos cuja prova é sustentada em prova testemunhal que foi objeto de gravação.

Foi assim designadamente quando concluiu:

- “A douta sentença proferida nos presentes autos e da qual pelo presente se recorre não considerou como provados, factos que resultam quer da prova testemunhal (…), produzida nos presentes autos” (conclusão A),

- “com relevo para a boa decisão da causa e porque resulta da prova (…) testemunhal produzida nos presente autos, relativamente aos trabalhadores que a seguir se identificam, devem ser adicionados os seguintes factos à matéria de facto assente, o que se requer a V/ Exªs: (….)” (conclusão B),

face à prova (…) testemunhal produzida nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos que se requer sejam adicionados à matéria de acto assente (…)” (conclusão F)

A prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos leva necessariamente à total procedência da impugnação dos créditos dos trabalhadores” (conclusão I).

Ora, no caso, deixando de lado essa avaliação, não sobram dúvidas em como a recorrente (insolvente) pretende impugnar factos cuja prova é sustentada em prova testemunhal que foi objeto de gravação (sessão de julgamento de 06.05.2022, sendo que nas demais apenas foram prestadas declarações de parte).

Entendo, como tal, que o recurso devia ter sido admitido e apreciadas as questões nele colocadas, no sentido, em curta síntese:

i) a impugnação da matéria de facto (com a sua rejeição por não terem sido cumpridos os ónus a que se refere o art. 640.º do CPC),

ii) a nulidade da sentença (com improcedência, por a eventual omissão de diligências probatórias prévias não implicar a nulidade da sentença)

e

iii) o erro de julgamento (com a sua procedência, na exata medida em que não se descortina em como a impugnação dos créditos efetuada pela insolvente relativamente a alguns dos trabalhadores - e não a todos consubstancie, sem fundamentação acrescida, abuso do direito (até porque quanto aos demais trabalhadores podem existir fundamentos que justifiquem esse posicionamento).

Paulo Correia"