Prova pericial;
admissibilidade; objecto
1. O sumário de RG 14/9/2023 (52/20.7T8PVL-A.G1) é o seguinte:
I - A prova pericial constitui um meio de prova a realizar (a requerimento das parte ou oficiosamente) quando, para o apuramento de um facto, se torne necessário recorrer ao conhecimento especial (técnico, científico ou artístico) de outrem, o qual assume a função de perito e irá pronunciar-se sobre a questão (ou questões) de facto solicitada, percepcionando-o e valorando-o em razão daqueles conhecimentos especiais, para depois expor das suas observações e das suas impressões sobre os factos presenciados, e retirando conclusões objetivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes, sendo que, deste forma, concorre, positiva ou negativamente, para que o Tribunal forme a sua convicção sobre o facto (ou factos) em causa, atento o que julgador não detém esses conhecimentos especiais.
II - Na determinação do objecto da prova pericial há desde logo que ter presente, como supra já se explicou, que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. art. 341º do C.Civil), e que toda a prova tem incidir sobre concretos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas, relembrando-se que os temas da prova constituem apenas uma enunciação genérica das questões controvertidas (cfr. art. 410º do C.P.Civil de 2013), mas há ainda que ter presente o disposto no art. 475º do C.P.Civil de 2013.
III - Neste “quadro” legal, o objecto da prova pericial tem que recair sobre os «factos da causa», os factos essenciais (principais) alegados pelo autor para fundamentar a causa de pedir, pelo réu na contestação para fundamentar as excepções e/ou fundamentar o pedido reconvencional, e pelo Autor para fundamentar as contra-excepções que invoca contra o réu ou fundamentar as excepções que deduziu contra o pedido reconvencional (cfr. arts. 5º/1, 583º, 584º, e 3º/4 do C.P.Civil de 2013), mas também sobre os factos instrumentais e/ou complementares dos factos essenciais alegados [cfr. art. 5º/a) e b) do C.P.Civil de 2013].
IV - Mas na determinação do objecto da prova pericial temos também que considerar o disposto no art. 476º do C.P.Civil de 2013.
V - No que especificamente concerne à apreciação liminar da admissibilidade da prova pericial, como resulta do disposto no nº1 deste art. 476º, o juiz tem que verificar se a mesma se mostra impertinente e/ou dilatória, sendo que, caso conclua num desses sentidos, deverá indeferir a sua realização. O juízo será no sentido da impertinência quando a prova pericial requerida pela parte indica um objecto que não respeita aos factos essenciais da causa (nem a instrumentais ou complementares dos mesmos) ou, numa perspectiva mais ampla, não respeita a factos relevantes e condicionantes para a decisão final, e o juízo será no sentido do carácter dilatório quando, mesmo que o objecto respeite os factos essenciais (e/ou instrumentais ou complementares), o apuramento dos factos em causa não implica a realização de uma perícia já que, para o efeito, não são exigíveis os conhecimentos especiais que este meio de prova pressupõe (cfr. art. 388º do C.Civil), estando, portanto, este carácter dilatório relacionado com a desnecessidade e a inutilidade deste meio de prova para a descoberta da verdade e boa apreciação e decisão da causa (justa composição do litígio), quando a percepção ou apreciação do facto está, completa e seguramente, ao alcance do juiz.
VI - Como impõe o nº2 deste mesmo art. 476º, a determinação (fixação) final do objecto da prova pericial é feita pelo juiz, ao qual competirá, por um lado, excluir todas as questões de facto que, embora propostas pela parte (ou partes), julgue como legalmente inadmissíveis ou irrelevantes e, por outro lado, ampliá-lo com outras questões de factos que julgue necessárias para a descoberta da verdade e cujo apuramento imponha a intervenção de pessoa conhecimentos especiais (diga-se que este juízo de fixação do objecto nada tem que ver com o juízo liminar de admissibilidade ou inadmissibilidade da prova pericial previsto no nº1 do mesmo preceito).
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"[...] a prova pericial constitui um meio de prova a realizar (a requerimento das parte ou oficiosamente) quando, para o apuramento de um facto, se torne necessário recorrer ao conhecimento especial (técnico, científico ou artístico) de outrem, o qual assume a função de perito e irá pronunciar-se sobre a questão (ou questões) de facto solicitada, percepcionando-o e valorando-o em razão daqueles conhecimentos especiais, para depois expor das suas observações e das suas impressões sobre os factos presenciados, e retirando conclusões objetivas dos factos observados e daqueles que se lhes ofereçam como existentes, sendo que, deste forma, concorre, positiva ou negativamente, para que o Tribunal forme a sua convicção sobre o facto (ou factos) em causa, atento o que julgador não detém esses conhecimentos especiais [---]
Na determinação do objecto da prova pericial há desde logo que ter presente, como supra já se explicou, que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. art. 341º do C.Civil), e que toda a prova tem incidir sobre concretos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas, relembrando-se que os temas da prova constituem apenas uma enunciação genérica das questões controvertidas (cfr. art. 410º do C.P.Civil de 2013), mas há ainda que ter presente o disposto no art. 475º do C.P.Civil de 2013 (“1 - Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência. 2 - A perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária”).
Neste “quadro” legal, o objecto da prova pericial tem que recair sobre os «factos da causa», os factos essenciais (principais) alegados pelo autor para fundamentar a causa de pedir, pelo réu na contestação para fundamentar as excepções e/ou fundamentar o pedido reconvencional, e pelo Autor para fundamentar as contra-excepções que invoca contra o réu ou fundamentar as excepções que deduziu contra o pedido reconvencional (cfr. arts. 5º/1, 583º, 584º, e 3º/4 do C.P.Civil de 2013), mas também sobre os factos instrumentais e/ou complementares dos factos essenciais alegados [cfr. art. 5º/a) e b) do C.P.Civil de 2013] [Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa, in [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina], p. 582.]
Como se decidiu no Ac. desta RG de 05/12/2019 [---], “II. O objecto da perícia é constituído por questões de facto que sejam relevantes para a decisão final de mérito, segundo as várias soluções plausíveis de direito; e, por isso, a prova pericial tanto pode incidir sobre factos essenciais, como sobre factos instrumentais, desde que estes últimos sejam idóneos a conduzir à prova daqueles primeiros”.
Mas na determinação do objecto da prova pericial temos também que considerar o disposto no art. 476º do C.P.Civil de 2013: “1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. 2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
Como resulta do teor deste art. 476º, requerida a prova pericial, o juiz deve fazer um juízo liminar sobre a sua pertinência, ao qual se segue o exercício do contraditório, através da audição da parte contrária sobre o objecto proposto. Porém, como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa [in obra citada, p. 582.], “na prática, é frequente que o juiz relegue a apreciação da pertinência e do carácter dilatório da diligência requerida para o momento subsequente ao exercício do contraditório” mas “a omissão de um juízo liminar expresso sobre a pertinência da perícia, acompanhada da ordem da notificação da parte contrária para se pronunciar, não consubstancia um deferimento tácito, mas apenas o exercício deferido do controlo do pressuposto da norma (STJ 5-3-02)”.
No que especificamente concerne à apreciação liminar da admissibilidade da prova pericial, como resulta do disposto no nº1 deste art. 476º, o juiz tem que verificar se a mesma se mostra impertinente e/ou dilatória, sendo que, caso conclua num desses sentidos, deverá indeferir a sua realização. O juízo será no sentido da impertinência quando a prova pericial requerida pela parte indica um objecto que não respeita aos factos essenciais da causa (nem a instrumentais ou complementares dos mesmos) ou, numa perspectiva mais ampla, não respeita a factos relevantes e condicionantes para a decisão final, e o juízo será no sentido do carácter dilatório quando, mesmo que o objecto respeite os factos essenciais (e/ou instrumentais ou complementares), o apuramento dos factos em causa não implica a realização de uma perícia já que, para o efeito, não são exigíveis os conhecimentos especiais que este meio de prova pressupõe (cfr. art. 388º do C.Civil) [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, p. 582 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in [Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ªedição, Coimbra Editora], p. 326.], estando, portanto, este carácter dilatório relacionado com a desnecessidade e a inutilidade deste meio de prova para a descoberta da verdade e boa apreciação e decisão da causa (justa composição do litígio), quando a percepção ou apreciação do facto está, completa e seguramente, ao alcance do juiz.
Assinale-se que o juízo de impertinência não se pode fundar no entendimento de que o facto (ou factos) que se pretende provar (ou contraprovar) através da realização da perícia pode ser provado por outro meio de prova, ou de que a prova pericial não produz prova plena do facto, ou de que a execução da perícia iria fazer prolongar a duração do processo [Cfr. Ac. RG de 21/01/2021, Juiz Desembargador Jorge Teixeira, proc. nº847/20.T8BCL-C.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.]. Como se decidiu no citado Ac. desta RG de 05/12/2019 [---], “V. Para admissão da prova pericial não se exige que a mesma seja o único meio disponível para a demonstração de determinado facto (isto é, que deva ser rejeitada desde que a prova do mesmo possa ser feita por outros meios alternativos); poderá ser apenas a prova preferencial, face ao objecto do litígio”.
Como impõe o nº2 deste mesmo art. 476º, a determinação (fixação) final do objecto da prova pericial é feita pelo juiz, ao qual competirá, por um lado, excluir todas as questões de facto que, embora propostas pela parte (ou partes), julgue como legalmente inadmissíveis ou irrelevantes e, por outro lado, ampliá-lo com outras questões de factos que julgue necessárias para a descoberta da verdade e cujo apuramento imponha a intervenção de pessoa conhecimentos especiais (diga-se que este juízo de fixação do objecto nada tem que ver com o juízo liminar de admissibilidade ou inadmissibilidade da prova pericial previsto no nº1 do mesmo preceito).
Explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In obra citada, p. 326.] que “a restrição há de fundamentar-se na inadmissibilidade (por serem insuscetíveis de prova em geral ou da prova pericial em particular) ou irrelevância (para a solução do caso concreto) de pontos de facto propostos pelo requerente”.
Por último, assinale-se que a prova pericial pode incidir sobre factos passados ou futuros, competindo nestes casos ao perito tentar fazer uma reconstrução dos factos do passado e de estabelecer uma relação de causa-efeito ou, tentar fazer uma projeção dos efeitos futuros dos factos de acordo com a mesma relação causa-efeito, respetivamente [Cfr. o citado Ac. da RL de 15/09/2022, Juiz Desembargador Nelson Borges Carneiro, proc. nº 739/22.0T8PDL-A.L1-2.]."
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