"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/04/2024

Jurisprudência 2023 (155)


Recurso de revisão;
documento novo


1. O sumário de STJ 11/7/2023 (20348/15.9T8LSB-D.P1.S1) é o seguinte:

I – No recurso de revisão interposto com fundamento na alínea c) do artigo 696.º do CPC, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça considera que a apresentação de documento só será admissível, quando: (i) o documento, por si só, e sem apelo a demais elementos probatórios, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente (requisito da suficiência); (ii) e quando o recorrente não tenha podido fazer uso do documento por desconhecimento da sua existência ou pela sua inexistência (requisito da novidade); iii) o documento deve visar a demonstração ou a impugnação de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo em caso algum visar a prova de factos novos (requisito da pré-alegação).

II - Um documento relativo a um processo administrativo de apoio judiciário, que podia ter sido junto ao processo principal, para demonstrar que à data da proposição desta ação ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição do direito, não reúne os requisitos da novidade, da suficiência e da pré-alegação para servir de base a um recurso extraordinário de revisão, ao abrigo da al. c) do artigo 696.º do CPC.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"8. Antes de mais, impõe-se caraterizar brevemente os autos principais.

Estes dizem respeito a uma ação de responsabilidade civil proposta pelo agora autor contra os sócios da sociedade B..., Lda., pedindo uma indemnização pelos danos causados pela decisão de destituição do cargo de gerente, que lhe foi comunicada em 13-05-2003.

Por sentença proferida em 08-03-2017, foi a ação considerada improcedente, com fundamento na prescrição do direito invocado pelo Recorrente, ou seja, três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos – nº 1 do artigo 498º do Código Civil.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28.11.2017, foi a sentença confirmada.

9. Nas conclusões do recurso de revista no processo de revisão, o autor-recorrente invoca, para além do documento do processo administrativo de apoio judiciário, que, na sua ótica, permite interromper o prazo de prescrição, quer se considere ter este prazo a duração de três anos, quer se considere ter a duração de 20 anos, que não prescinde de entender que o prazo de prescrição dos autos é de 20 anos, por estarmos perante um caso de responsabilidade contratual. Ora, desde já se tem de constatar que este Supremo Tribunal não tem de se pronunciar sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil invocada nos autos, nem sobre a duração do prazo de prescrição. No processo de revisão não pode ser re-discutida a questão de direito debatida nos autos principais, mas apenas verificar se está ou não preenchido algum dos fundamentos taxativos admitidos pela lei para justificar a admissibilidade excecional do recurso de revisão (artigo 696.º do CPC), que não se pode transformar num recurso ordinário.

10. Assim, o objeto do recurso de revisão interposto pelo autor AA traduz-se em saber se o documento por si apresentado reúne os requisitos exigidos pelo artigo 696.º, al. c), do CPC.

O Tribunal da Relação, por acórdão datado de 22-11-2022, decidiu indeferir liminarmente este recurso de revisão, por considerar, em suma, que, por referência ao documento junto pelo recorrente, não se mostram verificados os requisitos da novidade e da suficiência.

Quid iuris?

Este documento integra várias comunicações que o CDLOA fez, ao longo do tempo, ao recorrente, bem como cartas e requerimentos feitos pelo autor ao Conselho de Deontologia, pelo que apesar de se poder considerar que, na íntegra, ele não era do conhecimento do recorrente, resulta da análise do processo que o recorrente era conhecedor das comunicações que sucessivamente lhe iam sendo feitas, bem como das missivas e requerimentos que remetia ao referido processo. Ademais, sempre esteve na sua disponibilidade conhecê-lo na íntegra, pois o processo de nomeação da Ordem dos Advogados existe desde 2010.

De salientar, ainda, que o apenso B dos autos principais respeita a recurso de revisão precedente do presente, no qual o documento apresentado corresponde a parte do documento que agora apresenta na totalidade (cfr. apenso B do processo físico).

Ademais, considerando o teor da decisão do acórdão cuja revisão se pretende, a ratio decidendi desse acórdão prende-se com a prescrição do direito invocado pelo Recorrente, o qual, nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, é de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. E considerou esse acórdão que o recorrente terá tido conhecimento do direito pelo menos em maio de 2003, pelo que, tendo instaurado a ação em 17-07-2015, já o seu direito se mostrava prescrito.

Este acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação nos autos principais, para aferir da prescrição do direito do autor, considerou o pedido de apoio judiciário efetuado pelo autor/recorrente em 12-04-2011, por ter sido esse o único pedido apresentado e alegado pelo autor, ora recorrente.

O autor não invocou naqueles autos, e podia tê-lo feito, nem o pedido de apoio judiciário que agora invoca, nem a ação n.º 1728/06.7..., que terá transitado em julgado em abril de 2014, para deles extrair os efeitos processuais que pretendia (cfr. processo principal do presente apenso).

Logo à data da proposição da ação principal, em 2015, se o autor pretendia beneficiar do disposto no artigo 33.º, n,º 4, da Lei do Apoio Judiciário (LAJ), segundo o qual a ação se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, com referência ao pedido de apoio judiciário datado de 2010, que agora junta, devia tal facto ter sido desde logo alegado, por se tratar de um facto pessoal de que o autor tinha conhecimento.

O documento que sustenta este pedido, e que agora foi junto, e bem assim a cópia do pedido de apoio judiciário que lhe deu origem, servem como meio de prova documental de facto que, necessariamente, devia ter sido alegado naquela ocasião, aquando da propositura da ação onde foi proferida a decisão cuja revisão o autor pretende.

O autor devia, igualmente, ter alegado e provado a existência da ação n.º 1728/06.7..., o que também não fez, embora nessa data também tivesse conhecimento desses factos e o seu acesso fosse público.

Para além da ausência de novidade, suficiência e de pré-alegação, também em termos de direito material, considerando o regime da prescrição aplicado nos autos, a pretensão do autor, ainda que fosse atendível e se provassem os factos novos que o autor alega, também não seriam causais para permitir a procedência do pedido do autor, continuando a verificar-se a prescrição do direito que o autor invoca. Ou seja, o direito do autor sempre estaria prescrito, quer se tivesse por referência o pedido de apoio judiciário de 2010, quer o de 2011, em face da data em que o autor teve conhecimento do direito, maio de 2003.

Quanto ao trânsito em julgado da ação n.º 1728/06.7..., que também agora o autor usa como argumento para sustentar a interrupção do prazo de prescrição, este facto não foi invocado na ação cuja revisão se pretende.

O autor, ora recorrente, não poderia, pois, beneficiar do prazo legal de dois meses previsto no artigo 327.º, n.º 3, do Código Civil, pois para além de ter conhecimento do seu direito desde 2003, bem como das pessoas que alegadamente praticaram os atos cuja responsabilidade o autor reclama, a verdade é que autor não alegou nos autos principais os factos atinentes ao proc. n.º 1728/06.7... e que já eram do seu conhecimento. E, para que o autor pudesse beneficiar da sucessão de factos que agora alega, devia tê-los invocado na ação principal, pois deles tinha prévio conhecimento.

11. Assim, deve entender-se que, de acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, o documento agora apresentado não reúne os requisitos para que seja admitido um recurso de revisão extraordinário interposto com fundamento na alínea c) do artigo 696.º do CPC, por três motivos:

1) o documento apresentado não é suscetível de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda, nem impõe uma decisão mais favorável ao recorrente quanto ao decurso do prazo de prescrição (requisito da suficiência);

2) o documento apresentado não é novo, no sentido exigido pela lei, pois que já podia o recorrente ter feito uso dele no processo principal na medida em que conhecia (ou podia facilmente conhecer) a sua existência (requisito da novidade);

3) o documento apresentado visa obter a prova de factos novos, não discutidos nem alegados no processo principal, e que não se revestem de essencialidade para a decisão de mérito colocada em crise (requisito da pré-alegação).

12. Concluímos, pois, que a pretensão do recorrente deverá improceder em face da ausência de novidade, suficiência e pré-alegação do documento apresentado."

[MTS]