"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/04/2018

Jurisprudência 2018 (10)


Acção de divisão de coisa comum;
reconvenção


1. O sumário de RL 11/1/2018 (386-15.2T8MFR.L2-8) é o seguinte:

– A acção de divisão de coisa comum segue a forma de processo especial sendo o seu escopo tão só o da divisão da coisa comum com exclusão de qualquer ouro pedido que não este, nomeadamente, créditos.

– Numa acção de divisão de coisa comum, tendo sido prolatado despacho, transitado, que ordenou o prosseguimento da acção nos termos do processo comum, a acção,
ab initio, de divisão de coisa comum convolou-se em acção de declaração comum abrangendo não só o pedido de divisão de coisa comum, como também os pedidos de crédito.

– É admissível o pedido reconvencional numa acção de divisão de coisa comum, no caso de ter sido prolatado despacho, já transitado, que ordenou o seu prosseguimento nos termos do processo comum (declarativa). 

2. Na fundamentação do acórdão alega-se o seguinte: 

Factos com interesse para a decisão constam do extractado supra

Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se os presentes autos seguem ou não o processo de divisão de coisa comum ou a forma de processo comum de declaração e, se numa acção de divisão de coisa comum, em que foi proferido despacho, já transitado, que determinou que a acção seguiria a forma de processo comum de declaração, é ou não admissível a dedução de pedido reconvencional. 

Vejamos, então.  

Todo aquele que pretende por termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas – art. 925 CPC.

Esta acção de divisão de coisa comum segue a forma de processo especial.

No caso das questões suscitadas pelo pedido de divisão não puderem ser decididas sumariamente, o juiz manda seguir os termos, subsequente à contestação, do processo comum – cfr. 926 e sgs.

Daqui se extrai que o escopo e o pedido da acção de divisão de coisa comum é, tão só, a divisão da coisa comum, com exclusão de qualquer outro pedido que não este.

In casu, a autora/requerente, alegando ser o imóvel indivisível e não querer permanecer na indivisão, pediu que se procedesse à adjudicação ou venda da coisa comum e que, na repartição do respectivo valor, fosse tido em conta um crédito que detinha sobre o réu/requerido, crédito esse proveniente do valor de rendas relativas ao imóvel que foram sendo apropriadas por este, sendo que metade desse valor é de sua pertença (autora).

Por seu turno, o réu reconveio, alegando ter créditos sobre a autora – rendas do imóvel recebidas pela autora à sua revelia e de que aquando da aquisição do imóvel, pagou/entregou mais dinheiro – pediu a entrega desses valores a título de enriquecimento sem causa.

Não obstante a acção em questão ser de divisão de coisa comum e, como tal, os pedidos de crédito formulados pelas partes não caberiam no seu âmbito, certo é que foi prolatado despacho de fls. 47, que ordenou o prosseguimento da acção nos termos do processo comum de declaração, concedendo prazo à autora para replicar.

Ora, este despacho, por não impugnado, transitou em julgado, (caso julgado formal) e, como tal, tem força obrigatória dentro do processo – art. 620 CPC.

Destarte, a acção em questão deixou de ser uma acção de divisão de coisa comum (processo especial) passando a ser uma acção de declaração (comum) que compreende não só o pedido de divisão de coisa comum, mas também outros pedidos, nomeadamente, créditos (cfr. p.i e reconvenção).

Assim, é à luz desta situação singular que se terá que aferir se a reconvenção é ou não admissível.

A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa entregue que lhe é pedida e quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor ou quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter – cfr. art. 266/2 e alíneas do CPC.

Ora do extractado supra, constata-se que a alínea c) art. citado compreende o pedido formulado pelo réu – reconhecimento de um crédito seja para obter a compensação, seja para obter o valor em que o crédito invocado excede o do autor.

Destarte, a reconvenção é admissível."

3. [Comentário] No momento em que a reconvenção foi deduzida no processo especial de divisão de coisa comum, a mesma não era admissível, dado que o art. 926.º, n.º 1 e 2, CPC não prevê a formulação de um pedido reconvencional pelo demandado. No entanto, com a convolação desse processo de divisão em processo comum (cf. art. 926.º, n,º 3, CPC), pode dizer-se que a reconvenção se tornou admissível. A vantagem em evitar um segundo processo sobre a matéria da reconvenção -- e, portanto, uma das vertentes do princípio da economia processual -- justifica esta solução. 

Contra esta orientação poder-se-ia invocar que, apesar de a tramitação seguir a forma do processo comum, o processo de divisão de coisa comum não deixa de ser um processo especial que não prevê a dedução de reconvenção. É verdade que o processo não se transforma de especial em comum, mas aquela solução seria demasiado formal, dado que daria maior relevância ao nomem do processo do que à sua tramitação concreta.

MTS