"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/04/2018

Jurisprudência 2018 (11)


Rol de testemunhas;
tutela jurisdicional efectiva


1. O sumário de RL 11/1/2018 (2137-13.7TVLSB-C.L1-6) é o seguinte:

– Para aquilatar da justificabilidade da apresentação de articulado superveniente, é fundamental ponderar os contornos do pedido e da causa de pedir da acção, reveladores do direito que se pretenda exercer em sede jurisdicional;
 
– Resulta da combinação do disposto na al. d) do art. 572.º do Código de Processo Civil com o estabelecido no art. 598.º do mesmo Código que: a) o rol de testemunhas e os demais requerimentos instrutórios têm que ser apresentados na contestação; b) caso tenha apresentado requerimento instrutório na contestação, a parte demandada pode pode alterar esse requerimento na audiência prévia; c) o rol de testemunhas apresentado (e unicamente este) pode ser «aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias»;
 
– O art. 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva, em coerência com proclamações paralelas feitas ao nível do Direito Internacional Pactício e do Direito da União Europeia, referindo a necessidade de disponibilização de mecanismos de pleno acesso dos cidadãos e das empresas à Justiça e aos Tribunais. Não incide, por não ser o seu objecto, sobre os contextos em que são as próprias partes a prescindir do exercício dos seus direitos e dos mecanismos colocados à sua disposição com vista à respectiva demonstração e protecção;
 
– Por constituir mera indicação de regras, processos e mecanismos de exercício de carácter veicular e viabilizador e não criação de estruturas de bloqueio e obstaculização, a produção de normas processuais que estabeleça termos, prazos e consequências do não exercício de direitos de dimensão adjectiva não viola o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e menos o faz o reconhecimento judicial dessas preclusões emergentes do desrespeito dos comandos normativos;
 
– Não é tecnicamente defensável, a qualquer luz interpretativa, que o rol de testemunhas possa ser apresentado à margem das regras definidas na lei processual, ultrapassando todos os descuidos e inépcias, pelo simples facto de as partes terem inalienável direito ao pleno exercício do contraditório, nem este implica a possibilidade de criação de regras adjectivas privativas; 
 
– São as partes quem mais deve zelar pela possibilidade de plenamente exercerem os seus direitos e faculdades aparecendo a exercitá-los sob as condições pré-definidas na lei e nos prazos legais, não sendo admitida a criação de novas normas ou a integração analógica (aliás proscrita no processo civil) com o fito de as proteger a todo o custo da sua própria incúria ou inércia.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"1.– As decisões impugnadas violaram o disposto no n.º 4 do art. 588.º e no n.º 1 do art. 599.º, ambos do Código de Processo Civil?

Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 588.º do Código de Processo Civil, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito brandido em juízo e que se mostrem supervenientes «podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão».

Para aquilatar da justificabilidade da alegação posterior é, pois, fundamental, ponderar os contornos do pedido e da causa de pedir da acção, reveladores do direito que se pretenda exercer em sede jurisdicional.

No caso em apreço, confrontamo-nos com uma causa de pedir complexa que integra a celebração de um contrato de concessão de incentivos financeiros, a prestação, ao IAPMEI, de uma garantia bancária «on first demand», a alegada realização integral do investimento e a consequente caducidade da garantia. Quanto ao pedido, temos que o mesmo corresponde à pretensão de obtenção de declaração judicial de verificação dessa caducidade.

Já o articulado superveniente pretende levar-nos, em acção iniciada em 18.12.2013, para facto reportado ao início do ano de 2017 (decisão unilateral do IAPMEI de rescisão do contrato de concessão de incentivos), narra a notificação e ausência de reacção da Recorrida, o seu pedido de pagamento de «€ 117.269,81, acrescido de juros no prazo de trinta dias úteis» e a sua intenção de interpelar a «Caixa Geral de Depósitos para pagamento do montante assegurado pela garantia bancária com fundamento na não conclusão do investimento na data constante do contrato, nem posteriormente».

Se exceptuarmos a unidade objectiva – pactos negociais e garantia – não há, na realidade, zonas de confluência entre os factos ulteriores e o thema decidendum da acção.

Quanto às relações recíprocas temos que, caso a acção proceda, perderá objecto a intenção anunciada no articulado rejeitado e tudo o aí dito se tornará irrelevante. Se improceder, nada poderá ser decidido quanto a essa matéria, na acção em que se gerou o recurso, por se extravasar o pedido e a causa de pedir acima enunciados. Acresce que a discrepância que desloca os factos do tempo do pedido para um quadro unilateral e intencional de referente temporal irrelevante inutiliza também a arguição para os efeitos da acção apreciada pelo Tribunal «a quo», sendo irrelevante o que decidiu agora a parte interessada no destino do processo e que nada carreia quanto aos factos que cumpre avaliar.

Flui do exposto, com linear nitidez, não se preencherem as condições de admissibilidade superveniente enunciadas no preceito supra-apontado.

Sendo manifesto que os factos não interessavam à boa decisão da causa, deu o Tribunal «a quo» bom cumprimento ao estabelecido no n.º 4 do artigo referenciado ao rejeitar o articulado que os continha.

Quanto à prova testemunhal rejeitada, certamente que o Recorrente invocou por lapso o art. 599.º do Código de Processo Civil como tendo sido violado, já que se trata de preceito que refere que «A audiência final decorre perante juiz singular, determinado de acordo com as leis de organização judiciária», logo sem relação com a temática em apreço. Terá, certamente, face às alegações anteriores sobre a matéria, querido referir o art. 598.º do mesmo Código.

A este respeito, importa referir que, desejando produzir prova, o Recorrente estava obrigado a cumprir as regras processuais relativas à instrução da acção. Avultava, entre os comandos adjectivos inafastáveis e geradores de preclusões a al. d) do art. 572.º do Código de Processo Civil que lhe impunha que apresentasse o rol de testemunhas e requeresse outros meios de prova na contestação.

O referido art. 598.º é um preceito complementar deste. Não tem, nem poderia ter, atentas as regras interpretativas aplicáveis, autonomia ou efeitos derrogatórios – cf. art. 9.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, há que atender ao que resulta, com cristalino suporte literal, da combinação desses dois preceitos, ou seja, que:

a)- O rol de testemunhas e os demais requerimentos instrutórios têm que ser apresentados na contestação;

b)- Caso tenha apresentado requerimento instrutório na contestação, a parte Demandada pode alterar esse requerimento na audiência prévia;

c)- O rol de testemunhas apresentado (e unicamente este) pode ser «aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias».

É este o regime legal aplicável. Não se vislumbram nem se mostram indicadas outras normas adjectivas que possam intervir no percurso interpretativo e sejam suceptíveis de nos desviar deste resultado. Eram estas as regras que os Ex.mos profissionais do foro envolvidos tinham necessidade imperativa de respeitar com vista a poder desempenhar com eficácia os seus poderes de representação, sob pena de os seus representados não exercerem em plenitude os seus direitos.

É claramente negativa a resposta às duas vertentes da questão proposta.

2.– A interpretação do art. 598.º do Código de Processo Civil no sentido de que o interveniente principal que não contestou e só posteriormente interveio nos autos não pode arrolar testemunhas na audiência prévia é inconstitucional por violação do art. 20.º da Constituição da República?

O art. 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva, em coerência com proclamações paralelas feitas ao nível do Direito internacional pactício e do Direito da União Europeia que seria ocioso referenciar a este nível. O que aí se dispõe refere a necessidade de disponibilização de mecanismos de pleno acesso dos cidadãos e das empresas à Justiça e aos Tribunais. Não incide, por não ser o seu objecto, sobre os contextos em que são as próprias partes a prescindir do exercício dos seus direitos e dos mecanismos colocados à sua disposição com vista à respectiva demonstração e protecção.

Por constituir mera indicação de regras, processos e mecanismos de exercício de carácter veicular e viabilizador e não criação de estruturas de bloqueio e obstaculização, a produção de normas processuais que estabeleça termos, prazos e consequências do não exercício de direitos de dimensão adjectiva não viola o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e menos o faz o reconhecimento judicial dessas preclusões emergentes do desrespeito dos comandos normativos.

Não é tecnicamente defensável, a qualquer luz interpretativa, que o rol de testemunhas possa ser apresentado à margem das regras definidas na lei processual, ultrapassando todos os descuidos e inépcias, pelo simples facto de as partes terem inalienável direito ao pleno exercício do contraditório, nem este implica a possibilidade de criação de regras adjectivas privativas, se necessário. Tal não tem qualquer suporte legal nem enquadramento no sistema vigente não representando colisão com o travejamento constitucional a imposição de regras processuais cogentes que definam momentos, termos, prazos e consequências do não exercício dos direitos. Aliás, são as partes quem mais deve zelar pela possibilidade de plenamente exercerem os seus direitos e faculdades aparecendo a exercitá-los sob as condições pré-definidas na lei e nos prazos legais, não sendo admitida a criação de novas normas ou a integração analógica (aliás proscrita no processo civil) com o fito de as proteger a todo o custo da sua própria incúria ou inércia. Mal estaríamos, aliás, se estas, omitindo o cumprimento dos seus deveres, pudessem culpabilizar o sistema de administração de justiça pelos seus próprios erros e omissões ou invocar inconstitucionalidades ao primeiro esquecimento. Dificilmente os processos alguma vez chegariam ao seu termo.

Quanto aos mecanismos de tutela, temos que, caso o não cumprimento de regra processual que mandava apresentar o rol de testemunhas na contestação resulte de instruções da parte representada, a mesma só a si própria se poderá culpar. Se o não exercício de direito de relevo processual brotar de opção assumida, esquecimento, erro ou inépcia dos seus representantes, sempre a parte tem ao seu dispor os mecanismos de responsabilização que resultam do Direito constituído. O que não pode é exportar culpas e responsabilidades próprias e confundir o travejamento constitucional protector com a tutela das suas omissões e opções deslocadas.

É também negativa a resposta a esta questão."
 
[MTS]