"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/04/2018

Jurisprudência (824)

 
Locação financeira; providência cautelar;
antecipação da decisão

 
1. O sumário de RL 30/11/2017 (7582-13.5TBCSC.L1-8) é o seguinte:
 
– Não se deve confundir a antecipação da decisão final com a inversão do contencioso.
 
– No regime de antecipação o juiz pode, numa providência cautelar, antecipar a decisão final se se verificar o seguinte: a. Estiverem alegados e tiverem sido objecto de prova os factos principais relativos ao direito alegado; b. Estiverem preenchidos os requisitos para o deferimento da providência cautelar; c. As partes tenham sido ouvidas.
 
– A hipótese prevista no n.º 7 do artigo 21.º, do DL 30/2008 de 25.02 [
sic], é um caso de antecipação da decisão.
 
– Se se mostrarem verificados aqueles pressupostos deve ser julgada em definitivo a causa, não bastando que a requerida intente uma qualquer acção declarativa contra a requerente, após a comunicação da resolução do contrato de locação financeira, para ser indeferida a requerida antecipação.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 
 
"Dispunha o artigo 16.º do DL n.º 108/2006, de 8 de Junho: ‘’Quando tenham sido trazidos ao procedimento cautelar os elementos necessários à resolução definitiva do caso, o tribunal pode, ouvidas as partes, antecipar o juízo sobre a causa principal’’.
 
Como é sabido este normativo tem seu antecedente no artigo 121 CPTA, com a seguinte redacção: ‘’Quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso , atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes por 10 dias antecipar, o juízo sobre a causa final’’
 
Na sequência destas soluções legislativas, o Decreto-lei n.º 39/2008, de 25 de Fevereiro, [...], passou a permitir ‘’ao juiz decidir a causa principal após decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.º 265/97, de 2 de Outubro, e 285/2001, de 3 de Novembro. Evita-se assim a existência de duas acções judiciais – uma providência cautelar e uma acção principal – que materialmente têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado’’
 
O n.º 7 ao artigo 21.º do referido DL n.º 39/2008 passou a ter a seguinte redacção: ‘’Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso’’.
 
Relativamente ao regime consagrado neste procedimento cautelar especificado de entrega judicial da coisa locada é importante destacar, pelo menos, dois pontos:
 
1.º– Como refere Paulo Ramos de Faria, ‘’nestes casos, a providência requerida não coincide – antecipando-o – com o pedido formulado na acção declarativa principal. O requerente não se limita a pedir que seja reconhecido o seu direito à restituição , e a condenação do requerido a satisfazê-lo – sendo este conteúdo do pedido formulado na acção declarativa principal. A providência concretamente requerida é a efectiva entrega judicial do bem anteriormente alugado. Quando, no âmbito do procedimento cautelar, o tribunal, após deferir o requerido, promove as diligências necessárias à entrega do bem ao requerente, não está a executar a providência (previamente concedida): está a concedê-la.’’(Regime Processual Civil Experimental Comentado, 2010:231/232; acrescenta o autor que a antecipação do juízo sobre a causa principal prevista naquele artigo 21.º não se confunde com o mecanismo previsto no artigo 16.º do RPE, por um lado porque só tem sentido quando tenha sido dispensada a audiência do requerido e, por outro, porque só se aplica em caso de procedência da pretensão do demandante).
 
2.º– Não se deve confundir a antecipação da decisão final com a inversão do contencioso, previsto nos artigos 369.º e 371.º do CPC.
 
Na verdade, a inversão do contencioso depende da iniciativa do requerente; o juiz do procedimento cautelar, neste caso, não julga a causa principal, mas decreta uma providência que pode convolar-se numa decisão definitiva; esta convolação fica dependente da não propositura da acção principal pelo requerido (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Anotado, Vol 2.º , 3.ª ed., 2017:45/46).

Em contraposição, no regime de antecipação o juiz pode, numa providência cautelar, antecipar a decisão final se se verificar o seguinte:
 
a.- Estiverem alegados e tiverem sido objecto de prova os factos principais relativos ao direito alegado;
 
b.- Estiverem preenchidos os requisitos para o deferimento da providência cautelar;
 
c.- As partes tenham sido ouvidas."
 
3. [Comentário] O acórdão merece apenas uma correcção: onde se fala do art. 21.º do DL 30/2008 ou do DL 39/2008 deve falar-se do art. 21.º do DL 149/95, de 24/6. O DL 30/2008, de 25/2, deu nova redacção ao art. 21.º DL 149/95.
 
[MTS]