"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/04/2018

Jurisprudência (831)

Decisão de facto; poderes da Relação;
controlo do STJ
 
1. O sumário de STJ 2/11/2017 (62/09.5TBLGS.E1.S1) é o seguinte: 

I. No âmbito da reapreciação da decisão de facto, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

II. Os fatores de imediação colhidos pela 1.ª instância na produção da prova que sejam relevantes para a formação do juízo probatório devem ser objetivados na fundamentação da decisão de facto, de modo a serem suscetíves de discussão racional, para evitar os riscos da arbitrariedade.

III. Não cabe ao tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização deste critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] conforme preceitua o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, à Relação é cometida a competência para, em sede de apreciação da decisão de facto impugnada, alterar tal decisão, se os factos tidos como assentes e a prova produzida constantes dos autos impuserem decisão diversa.

No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.

Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade.

Sucede que, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, o erro na apreciação das provas não é sindicável perante o tribunal de revista, salvo nas hipóteses ali ressalvadas, nelas se incluindo, segundo jurisprudência corrente neste Supremo, ainda que não de todo pacífica, a sindicância das presunções judiciais quando se verifica através delas ofensa de disposição legal ou manifesta ilogicidade.

Não compete pois ao tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do citado normativo, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.

Ora, no caso vertente e no confronto entre a fundamentação do tribunal da 1.ª instância e a do Tribunal da Relação, não se depreende que, na apreciação dos pontos de facto [...], o tribunal a quo tenha infringido qualquer norma legal probatória expressa nem incorrido em raciocínio presuntivo manifestamente ilógico.

É certo que no auto de inspeção ao local de fls. 926, foi consigando que:

«Para efeitos do disposto nos artigos 490° e 493.° do Código de Processo Civil, que se consigna os seguintes elementos a propósito da inspeção ao local:

1. O tribunal constatou a concreta configuração dos prédios dos autores e dos réus, tendo por referência os marcos implantados no terreno e que procedem à respetiva delimitação;

2. Comprovou-se o estado de uma edificação situada no prédio dos autores, tendo comprovado a composição interna do referido imóvel, que na atualidade se apresenta em ruínas, que é ladeada, a nascente, por um imóvel pertencente a FF e, a poente, por um depósito de pedras proveniente de uma construção mais antiga.

3. O levantamento destes elementos é completado e melhor enquadrado pela reportagem fotográfica que fica inserida na presente ata.»

Além disso, foram juntas as fotografias de fls. 928 a 939.

No entanto desses elementos, mormente do teor do auto de inspeção não se colhem dados de perceção precisos a que possa ser atribuída força probatória [...] por virtude de verificação judicial.

De resto, a ponderação feita pelo tribunal a quo quanto à área do prédio em causa teve por base a incongruência detetada entre as medições do relatório pericial e as confrontações do prédio reconhecidas na sentença de 15/10/2007.

Não se divisa, pois, que a apreciação do tribunal a quo colida com qualquer elemento concreto e específico resultante da imediação do juiz da 1.ª instância.

Em suma, não resta senão a este tribunal de revista acatar os factos fixados pela Relação, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC."


[MTS]