"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/04/2018

Jurisprudência 2018 (2)


Penhora; notificação;
nulidade processual


1. O sumário de RP 8/1/2018 (80/12.6TBMAI-C.P1) é o seguinte:

I - A falta de notificação ao executado do ato de penhora, imposta pelo artigo 753º do Código de Processo Civil, consubstancia uma nulidade processual de cariz secundário, a qual é juridicamente relevante por comprometer o conhecimento da realização desse ato e a possibilidade de contra ele reagir.

II - Tratando-se de nulidade perpetrada na ausência da parte, tem esta de a arguir, sob pena de preclusão, no prazo geral de 10 dias (art. 149º, nº 1 do Código de Processo Civil), contados a partir do momento em que intervém em ato processual posterior, ou em que é notificada para ato processual posterior.
 


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"De acordo com o nº 1 do art. 785º, o executado deve apresentar o requerimento de oposição no prazo de dez dias a contar da notificação do ato da penhora.

Registe-se, desde logo, que, malgrado no ato decisório sob censura se tenha afirmado que a oposição à penhora não é o meio processual idóneo para invocar nulidade processual decorrente de ausência de notificação do ato da penhora, certo é que acabou por conhecer dessa questão para afirmar que esse vício se encontra sanado.

Efetivamente o meio processual próprio para o apelante/opoente arguir a nulidade da falta dessa notificação seria através de requerimento a apresentar no próprio processo executivo, e não por recurso ao presente incidente de oposição à penhora, posto que esse vício processual não consubstancia fundamento típico desse meio defensional.

Apesar disso, o juiz a quo entendeu dele conhecer, por considerar que nos autos existiam os necessários elementos para o efeito, posicionamento que não se nos revela desajustado à luz do princípio da adequação formal, tanto mais que, in casu, o conhecimento dessa questão assume importância determinante para aferir o momento em que se verificou o dies a quo do prazo para a apresentação da oposição à penhora.

Isto posto, facto é que os autos evidenciam a falta de notificação ao executado do ato de penhora documentado no auto datado de 22 de outubro de 2012, formalidade cujo cumprimento é imposto pelo art. 753º.

Questão que, naturalmente, se coloca é a de saber qual a natureza desse vício.

Neste conspecto, a lei adjetiva qualifica como nulidade processual qualquer desvio do formalismo prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais, sendo que, em consonância com o art. 195º, esse desvio pode consistir na prática de um ato proibido, na omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

Ainda de acordo com a regulamentação legal, as nulidades podem ser principais (encontrando-se, taxativamente, previstas nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º) ou secundárias (incluídas na previsão geral do art. 195º), sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.

Na situação sub judicio, a omissão de notificação do ato de penhora não constitui uma nulidade principal (pois não consta do elenco das nulidades previstas nos citados arts. 186º a 194º e 196º a 198º), assumindo antes natureza de nulidade de cariz secundário, caindo na previsão do art. 195º.

No entanto, nem sempre a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve infração é relevante, nem sempre produz nulidade, já que esta só surge se se verificar uma das seguintes hipóteses: quando a lei expressamente a decreta (o que não é o caso) ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Quanto a este último aspeto a lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.

No sentido de densificar o conceito, ALBERTO DOS REIS [In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 486] tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos atos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela”.

Como assim, considerando que a nulidade (secundária) cometida comprometeu o conhecimento por banda do executado da realização do ato da penhora e a possibilidade de contra ela reagir é, pois, a mesma processualmente relevante.

Contudo, para que este tipo de nulidade possa ser conhecida pelo tribunal, torna-se mister que a mesma seja tempestivamente arguida pela parte interessada.

Dispõe, a este propósito, o nº 1 do art. 199º que quanto às nulidades secundárias «[s]e a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que foram cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência».

Deste modo, tal como deriva da exegese do inciso transcrito, haverá que estabelecer um distinguo entre as nulidades que tenham sido cometidas na presença da parte e as que o não tenham sido.

Assim, no que tange às primeiras terão as mesmas de ser arguidas enquanto o ato não terminar.

Relativamente às nulidades perpetradas na ausência da parte (como é a situação vertente), tem esta de a arguir, no prazo geral de 10 dias (art. 149º, nº 1), contados a partir do momento em que:

intervém em ato processual posterior;

é notificada para ato processual posterior.

No primeiro caso, tal como salientam LEBRE DE FREITAS et alii [In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 390], embora lhe esteja subjacente a ideia de que, à data da intervenção, a parte pode ter tomado conhecimento da nulidade, a lei não atende a qualquer circunstância da qual possa resultar que esse conhecimento não deverá ter tido lugar; parte antes do princípio de que uma intervenção cuidadosa da parte implicará sempre o exame do processo e a verificação de que alguma nulidade foi cometida.

No segundo caso, há que atender às circunstâncias concretas, maxime à existência duma relação de precedência entre os dois atos, para ajuizar se é razoável presumir que o conhecimento teve lugar ou se a ele levaria uma atuação normalmente diligente.

Ora, perante o quadro factual considerado relevante para este efeito, poder-se-á razoavelmente concluir que o executado desde, pelo menos, 3 de janeiro de 2013 estaria em condições de saber que, em 22 de outubro de 2012, foi realizada a penhora do seu quinhão hereditário na herança aberta por óbito de seu pai, tanto mais que disso faz expressa referência na oposição mediante embargos de executado (art. 20º) que igualmente apresentou no âmbito do processo executório.

Acresce, por outro lado, que, como consta dos autos (cfr. informação lançada no processo em 27 de fevereiro de 2013), foi facultada cópia integral do processo à mandatária do executado em 26.02.2013, sendo que dessa cópia constava (a fls. 32) o auto de penhora do referido quinhão.

Porque assim, em conformidade com o que se estabelece no art. 199º, nº 1, ter-se-á de considerar que o prazo que o executado dispunha para suscitar essa nulidade se iniciou, pelo menos, em 3 de janeiro de 2013. Por via disso, considerando que somente veio a argui-la no requerimento de oposição à penhora apresentado em 4 de abril de 2017, resulta que nessa oportunidade temporal já há muito se havia verificado o dies ad quem, quer do prazo fixado no nº 1 do art. 149º (considerando-se, assim, sanada a irregularidade), quer do prazo perentório estabelecido no nº 1 do citado art. 785º.

Consequentemente, revela-se intempestiva a presente oposição à penhora, não se vislumbrando, pois, razão válida para divergir do sentido decisório adrede acolhido na decisão recorrida."


[MTS]