"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/04/2018

Jurisprudência 2018 (4)


Embargos de executado;
efeito preclusivo


1. O sumário de RL 16/1/2018 (1301/12.0TVLSB.L1-1) é o seguinte:
 

I. – A não utilização dos meios de defesa na execução (designadamente a oposição) não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e, quando utilizados tais meios de defesa, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.

II. – Não releva para a apreciação da subsidiariedade do enriquecimento sem causa a possibilidade de aproveitamento dos trâmites de natureza processual da execução (e. g. oposição à execução e reclamação), que não podem ser tidos como meios específicos de desfazer uma ilegítima deslocação patrimonial. Essa deslocação patrimonial, ademais, só se concretiza no momento em que ao exequente foi facultada a disponibilidade das quantias obtidas na execução (ou quando muito quando tais quantias são disponibilizadas na execução), pelo que só nesse momento haverá de aferir-se da subsidiariedade do enriquecimento sem causa; e nesse momento é por demais evidente que que o executado não tem qualquer outro meio para desfazer aquela deslocação patrimonial. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"Denota-se [...] uma tendência para considerar a inexistência de ónus de concentração em processo executivo e, consequentemente, efeito preclusivo quanto à possibilidade de discutir em acção posterior as questões que não foram objectadas na execução.

E nesse sentido segue a jurisprudência conhecida.

Com efeito a Relação do Porto em acórdão de 20ABR2009 (proc. 2842/06.4TBVLG.P1 [...]) considerou que “a não dedução de oposição à execução apenas preclude, no âmbito de tal execução, o exercício do direito processual (em que a oposição se traduz), não impedindo a invocação, do que podia ter sido fundamento de oposição, noutro processo”, e a Relação de Coimbra em acórdão de 30NOV2010 [...] (proc. 50182-D/2000.C1) considerou que “não deve entender-se que a não observância desse mecanismo [oposição à execução] apresenta um efeito cominatório”.

Na esteira dessas posições, e pelos argumentos aí expendidos, também nós adoptamos o entendimento de que a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.

E aplicando tal entendimento ao caso concreto em apreço conclui-se, porque não foi proferida na execução qualquer decisão de mérito apreciando a liquidação dos juros na sua vertente de anatocismo [...], por não estar precludida a possibilidade de em acção posterior se discutir se foram ou não pagos juros em excesso e o consequente direito à repetição do indevido."


3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, não se acompanha a solução defendida no acórdão, que, no fundo, se traduz em qualificar a dedução de embargos de executado, não como um ónus desta parte, mas antes como uma faculdade dessa mesma parte, sem qualquer efeito preclusivo quanto à discussão posterior de qualquer fundamento de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da obrigação exequenda.

Aliás, a orientação contrária àquela que fez vencimento no acórdão resulta do seguinte trecho transcrito no próprio acórdão:

"Teixeira de Sousa [Preclusão e Caso Julgado em http://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016), 2016, pgs.14 e 15] deixa expresso que “Deste regime [art. 732º, n.º 5, do CPC] decorre que, se o executado invocar, por exemplo, que a obrigação exequenda se encontra prescrita (…) e se o tribunal considerar os embargos improcedentes com este fundamento, o executado não pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra acção, nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é inválida ou é inexigível.” E isso porquanto “na oposição à execução (…), o embargante (…) tem o ónus de concentrar na petição (…) todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado."

Como argumento a favor desta orientação pode invocar-se o seguinte: nos termos do art. 716.º, n.º 4, CPC, o executado é citado para contestar a liquidação em oposição à execução, com a cominação de que, na falta da dedução dessa oposição, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo; seria muito estranho que, por falta de dedução desses embargos, a quantia ficasse liquidada no montante indicado no requerimento executivo e que, uma vez finda a execução, o exequente pudesse vir a argumentar que a dívida exequenda nem sequer existe. O efeito cominatório da liquidação só é compreensível se a não oposição à execução (com fundamento, por exemplo, na inexistência, invalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda) tiver um efeito preclusivo.

A inexistência do referido efeito preclusivo também não é facilmente compatível com a fixação de um prazo peremptório para a dedução de embargos de executado com base em factos supervenientes (cf. art. 728.º, n.º 2, CPC). Se a omissão da oposição à execução não tem nenhum efeito preclusivo, cabe perguntar o que justifica que se fixe um prazo peremptório para a apresentação dessa oposição com fundamento num facto superveniente. Se o facto é superveniente e se o prazo fixado para a oposição com base neste facto é peremptório, isto só pode significar que fica precludida a invocação pelo executado desse fundamento superveniente de oposição à execução em qualquer acção posterior. Sem este efeito preclusivo não se compreende o regime estabelecido na lei para a oposição à execução baseada num facto superveniente.

b) Importa ainda acrescentar que esta orientação não impede que, após uma execução, se possa pedir a repetição do indevido com base no disposto no art. 476.º, n.º 1, CC. Isso pode suceder, não porque se não deduziu a devida oposição à execução, mas porque, por imposição da lei, essa oposição não pode ser deduzida. É o que acontece quando, por exemplo, o pagamento da dívida não tiver sido invocada no processo declarativo; no processo executivo, não é possível deduzir oposição à execução com base nesse pagamento (cf. art. 729.º, al. g), CPC); tendo o devedor pago duas vezes a mesma dívida, pode, naturalmente, pedir a repetição do indevido.

Isto é coisa completamente diferente de, numa execução para pagamento de quantia certa, o executado não ter deduzido oposição à execução e, depois, vir, num processo autónomo, pedir a repetição do indevido.

c) Recomenda-se a consideração desta versão mais recente do texto acima referido: https://www.academia.edu/24956415/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_05.2016_

MTS