"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/04/2018

Jurisprudência 2018 (9)


Massa insolvente;
meação nos bens comuns


1. O sumário de RL 11/1/2018 (6549-16.6T8LSB-A.L1-6) é o seguinte:
 
Tendo sido apreendido para a massa insolvente o direito da insolvente à meação nos bens comuns do casal e não tendo sido requerida a separação de bens, não pode ser considerada a garantia hipotecária constituída sobre um imóvel que integre a meação. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O crédito reclamado pelo ora recorrente foi indicado como crédito garantido, por gozar de hipotecas sobre o imóvel descrito no ponto 4 dos factos e foi classificado nessa qualidade na lista de credores apresentada pela Administradora Judicial.

Estatuindo o artigo 686º do CC que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, são coisas imóveis as descritas no artigo 204º do CC e são coisas móveis, segundo o artigo 205º do mesmo código, todas as não compreendidas no artigo anterior.

Porém, nos presentes autos, apenas se mostra apreendido, ao abrigo do artigo 149º do CIRE, o direito à meação da insolvente nos bens comuns do casal, direito este que constitui um bem móvel, de acordo com a classificação constante nos referidos artigos, não estando apreendido o imóvel referido no ponto 4 dos factos.

Não foi, assim, apreendido o bem sobre o qual recaem as hipotecas invocadas, sendo indiferente que esse imóvel objecto da hipoteca integre a meação apreendida, pois o direito à meação não confere o direito aos bens concretos que integram a comunhão conjugal e sendo certo que, não podendo a meação ser objecto de hipoteca por força do artigo 690º do CC, não poderia agora permitir-se que aquilo que este artigo proíbe.

Alega o recorrente estar dependente da iniciativa da insolvente ou do cônjuge meeiro em promover a separação de bens, não podendo a sua legítima expectativa de se fazer pagar com preferência sobre os outros credores ser frustrada por tal separação não ter sido requerida por quem teria legitimidade para o efeito.

A separação de bens, forma de alterar o regime de comunhão de bens, geral ou de adquiridos, opera nos termos do artigo 1715º nº1, alíneas b), c) e d) do CC, nomeadamente, em sede de insolvência, mediante a separação a que se refere o artigo 141º nº 1 b) e nº3 do CIRE.

No caso dos autos, ao não ser promovida a separação por qualquer das referidas formas, o direito do recorrente às garantias hipotecárias e a expectativa daí decorrente não ficam prejudicados, uma vez que, face ao direito de sequela inerente a este direito, a respectiva garantia mantém-se se o bem for transmitido, independentemente de quem, a final, vier a ser o adquirente do imóvel, não se mostrando violados os direitos constitucionais invocados pelo recorrente, cuja garantia hipotecária não se extingue e continua a vigorar sobre o imóvel.

Deste modo, não tendo sido efectuada a separação de bens, não poderia ser atendida a garantia de hipoteca, cujo objecto é um bem que não se encontra apreendido, não tendo o recorrente prioridade ver satisfeitos os seus créditos através do direito à meação dos bens comuns do casal, efectivamente apreendido (cfr neste sentido os acs RL 24/09/2013, p. 2448/13, RP de 29/04/2014, p. 378/12, RC de 24/09/2013, p. 1260/12 e 14/02/2012, p. 88/11, RG 30/10/2008, p. 2007/08, todos em www.dgsi.pt).

O facto invocado nas alegações de que foi o ora recorrente quem, em sede de um processo de execução, adquiriu a outra meação e de que veio a adquirir a meação da insolvente destes autos (o recorrente refere-se à aquisição da meação do imóvel, mas o que consta nos factos provados é a apreensão da meação dos bens comuns do casal) não está demonstrado nos presentes autos.

De qualquer forma tal não obstaria ao supra exposto, desde logo porque, sendo o bem vendido diferente daquele sobre o qual recai a hipoteca, podendo eventualmente incluir outros bens para além do imóvel hipotecado e ter um valor diferente do valor do imóvel, não pode cumprir a função de garantia inerente a este último; por outro lado, a confirmar-se o alegado pelo recorrente, de aquisição das duas meações dos bens comuns do casal, cessaria a comunhão do património do casal e os bens concretos que o integram, incluindo o imóvel em causa, passariam a pertencer-lhe, podendo o recorrente aliená-los à sua vontade e fazer-se pagar pelo produto da sua venda.
 
[MTS]