"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/04/2018

Jurisprudência (826)



Recurso ordinário;
valor da causa; valor da sucumbência



1. O sumário de RL 14/12/2007 (78383-15.3YIPRT-A.L1-6) é o seguinte:

– O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

– Não relevam para a determinação do valor da sucumbência os juros moratórios vencidos na pendência da acção.

– Também não deve ser levado em conta para efeitos de cálculo do valor da sucumbência, o pedido de condenação como litigante de má-fé, já que também não é considerado para aumentar o valor da acção.

 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Cumpre apreciar da questão de saber se é admissível o recurso interposto pela ora reclamante.

Relembremos o disposto no art.º 629 n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC):

“O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)”.

A admissibilidade de recurso está, assim, dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito: (a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.

Quanto ao primeiro requisito é óbvio que se verifica, como é reconhecido pela 1.ª instância.

A dúvida suscita-se em relação ao segundo requisito, ou seja, relativamente ao valor da sucumbência, que o Tribunal de 1.ª instância entende ser de € 2.392,13, inferior portanto a metade da alçada do Tribunal recorrido – que é de € 5.000,00, conforme resulta do n.º1 do art.º 44.º da Lei n.º 62/2013 de 26-08). Porém, a Reclamante entende que neste valor deverá ser tido em conta o valor dos juros vencidos desde a data da citação, até integral pagamento. Assim, adicionando ao valor da condenação de capital, o valor dos juros vencidos até à data da sentença, que a Reclamante calcula em € 149,16, obteríamos o valor de € 2.541,29, que já ultrapassaria metade do valor da alçada do Tribunal. Por conseguinte, seria admissível o recurso. 

Quid juris?

A questão está, pois, em saber se no cômputo do valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade do recurso, se deve ter em conta o valor dos juros vencidos na pendência da acção.

Com efeito, tem vindo a ser decidido pela jurisprudência, e cremos que de forma correcta, que “não relevam para a determinação do valor da sucumbência os juros moratórios vencidos na pendência da acção, como pretende a recorrente” [Vide neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, Processo 06S2573 [...]].

Com efeito, nos termos do n.º 2, segunda parte, do artigo 297.º do Código de Processo Civil, «quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos».

“Compreende-se, perfeitamente, a irrelevância do pedido de juros para a determinação do valor da causa. É que o pedido de condenação em juros não constitui o objecto próprio da acção e está fora do âmbito da controvérsia, emergindo, unicamente, como consequência da dedução do pedido principal.

Ora, se o pedido de condenação em juros não releva para a determinação do valor da causa, também não pode ser tido em conta para achar o valor do decaimento do pedido com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não.” [Idem]

E pode ler-se ainda no referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:

Tal como se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Março de 2002 (Revista n.º 4304/2001 da 2.ª Secção), «[a] não ser assim, bem podia acontecer que numa acção de valor inferior à alçada da Relação, portanto, sem recurso ordinário para o Supremo, o mesmo viesse, afinal, a ter lugar. Bastaria que em resultado do pedido acessório de juros a contar da citação, a soma destes com o valor da acção, ou com o da sucumbência, suplantasse a referida alçada.»”

Parece o reclamante pretender incluir no valor da sucumbência o seu decaimento no pedido que formulou de litigância de má-fé, em relação à Autora. O Tribunal decidiu não existir fundamento para condenação da Autora como litigante de má-fé, pelo que absolveu a Autora do pedido de condenação enquanto litigante de má-fé.

Quid juris?

Cremos que, aplicando o mesmo raciocínio elaborado supra, uma vez que o pedido de condenação como litigante de má-fé não é considerado para aumentar o valor da acção, pelo mesmo motivo não poderá ser considerado para efeitos de cálculo do valor da sucumbência.

Impõe-se concluir, por conseguinte, pelo acerto da decisão reclamada. O recurso interposto pela Reclamante não é legalmente admissível, tal como foi decidido pela Tribunal a quo."

3. [Comentário] O acórdão adopta a única solução possível em ambos os aspectos que analisa.

A propósito da não consideração do pedido de condenação da contraparte como litigante de má fé para efeitos do valor da sucumbência, por soma com o valor de outros pedidos formulados pela mesma parte, importa referir que, havendo uma cumulação simples de pedidos (cf. art. 555.º CPC), o valor da sucumbência é, naturalmente, apreciado separadamente em relação a cada um deles, não em função do valor da causa que resulta da soma de todos esses pedidos (cf. art. 297.º, n.º 2 1.ª parte, CPC). De outra forma poder-se-ia chegar ao absurdo de contar para efeitos de sucumbência o valor de um pedido cuja decisão a parte nem sequer impugnou em recurso.

[MTS]