"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/04/2018

Jurisprudência 2018 (5)


Agente de execução;
remuneração adicional



1. O sumário de RP 11/1/2018 (3559/16.7T8PRT-B.P1) é o seguinte: 

I - O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, o que se verifica sempre que na sequência das diligências do agente de execução se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento.
 
II - A remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução.
 
2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"Na execução para pagamento de quantia certa que “B… e esposa C…”, residentes na Avenida …, …, …. - … Resende, instauraram contra “D…”, residente na Rua …, …, …. - … Porto, veio a agente de execução, após a extinção da execução em virtude da celebração, entre exequentes e executado, de acordo de transmissão do crédito exequendo para a sua filha E…, apresentar nota discriminativa de honorários e despesas, a qual inclui sob a epígrafe “remuneração adicional” o valor de €7.306,81 de honorários, acrescido de IVA. [...]
 
A remuneração do agente de execução encontra-se presentemente regulamentada na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que entrou em vigor em 01.09.2013, aplicando-se ao processo em apreço (artigos 63.º e 62.º, n.º 2, da Portaria).

Nos termos do n.º 1, do artigo 50.º do referido diploma, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, actos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da Portaria, os quais incluem a realização dos actos necessários com os limites nela previstos.

O n.º 5 dessa norma estabelece que nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) do valor recuperado ou garantido; b) do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.

O n.º 6 estabelece, por sua vez, que para este efeito se entende por “valor recuperado” o valor do dinheiro restituído ou entregue, do produto da venda, da adjudicação ou dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente, e por “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global. [...]

De referir que o anexo VIII da Portaria tem a seguinte redacção: “o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar”. [...]

A questão que se coloca nos autos consiste em saber se esta remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.

À partida seria muito difícil estabelecer ou determinar quando é que a recuperação da quantia teve lugar “na sequência de diligências promovidas”, para usar a expressão da exposição de motivos, sendo certo que “na sequência” não é o mesmo que “em consequência” ou “em resultado” e pode ser compatível “com a participação”, “após a intervenção”.

Instaurada a acção executiva e iniciados os actos de apreensão de bens para futura e se necessária venda coerciva dos mesmos, todo o produto que se venha a obter para satisfação do direito do credor é “sequência” da actuação do agente de execução. E ainda que para esse desfecho este possa ter contribuído mais (v.g. quando o produto resulta da venda dos bens que ele realizou depois de ter praticado todos os actos anteriores), ou menos (v. g., quando o executado para evitar a venda decide pagar voluntariamente a dívida), não parece possível afirmar que a actuação do agente de execução foi totalmente irrelevante para a obtenção do referido produto.

A nosso ver, resulta da redacção do artigo 50.º da Portaria que desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, excepto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12), caso em que a intervenção do agente de execução foi apenas para realizar a citação, acto que não é exclusivo nem específico da acção executiva, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou.

O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende (da medida) do cumprimento do acordo (n.º 8).

O legislador apenas excluiu a remuneração adicional nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efectua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, por presumir que nessa situação, não tendo ainda sido realizadas penhoras e devendo estas realizar-se apenas após a concessão de prazo para o pagamento voluntário, a actuação do agente de execução foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo.

Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º). É esse, cremos, o sentido do que se fez constar na exposição de motivos da Portaria (cf., neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 02.06.2016, in www.dgsi.pt. que aqui seguimos de perto).

Não vemos, aliás, qualquer mal no sistema misto (a qualificação é do legislador) que combina remuneração fixa com remuneração adicional variável. Se o valor da remuneração fixa não for especialmente aliciante, a remuneração variável pode constituir de facto um forte incentivo à celeridade e eficácia da intervenção do agente de execução, sendo certo que enquanto profissional obrigado a respeitar fortes condicionantes no exercício da sua actividade lhe deve ser proporcionada justa e adequada remuneração.

Por outro lado, se exigirmos que se demonstre um nexo causal entre a actividade do agente de execução e a forma de extinção da execução para se reconhecer o direito à remuneração adicional variável, estaremos a introduzir uma incerteza e insegurança na determinação da remuneração do agente de execução que seguramente o legislador procurou evitar com a criação de uma tabela de remuneração.

Nessa medida, entendemos que pese embora no caso a execução tenha sido extinta na sequência do acordo celebrado por exequente e executado, exactamente porque também nessa situação se verificam os requisitos de que depende o direito à remuneração adicional (alcance da finalidade do processo executivo e existência de valor garantido), o agente de execução podia reclamar uma remuneração adicional.

Questão diferente é a de saber se a remuneração variável concretamente reclamada pelo agente de execução é, no caso, excessiva e desproporcionada e se a nossa ordem jurídica consente que a remuneração não tenha limite máximo e possa alcançar o valor em causa.

Reportando-nos ao caso em apreço constata-se que como se vê dos factos acima elencados, os três processos aqui envolvidos - (i) acção condenatória dos Exequentes contra o Recorrente e a sua filha, (ii) a subsequente execução contra o Recorrente (sem que o mesmo tenha sido feito contra a filha), e o paralelo (iii) processo de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal com a reclamação do crédito global dos Exequentes sobre os dois inventariados foram desenvolvidos e promovidos de forma concertada e coordenada entre os Exequentes e a sua filha, E… - ambos representados pela mesma sociedade de advogados - com o propósito manifesto de assegurar que, por um lado, o Recorrente, na sequência do divórcio e da partilha dos bens comuns do ex-casal, não beneficiasse, num cêntimo que fosse, das liberalidades que aqueles haviam feito a seu favor e da sua referida filha, previamente e durante a constância do casamento de ambos, e que, por outro, a filha E… ficasse, como efectivamente aconteceu, com a quase totalidade do património comum, designadamente os dois bens imóveis que pertenciam ao ex-casal.

E se é verdade que a dívida do Recorrente aos Exequentes foi transmitida, por via dessa mesma partilha, para a filha destes, verdade é também que, como se percebe e resulta dos autos, os Exequentes abdicaram de prosseguir com a execução contra a sua filha, o que significa que, como já haviam feito antes, lhe doaram - perdoaram - o correspondente crédito exequendo que detinham sobre o Recorrente.

Dito de outro modo, os Exequentes, que tinham a recuperação do seu crédito sobre o Recorrente garantido pela penhora do imóvel, aceitaram a transferência da dívida do Recorrente para a sua filha e, simultaneamente, a adjudicação a esta do referido imóvel penhorado, abdicando da cobrança de tal crédito na esfera patrimonial da dita sua filha.

Significa isto que os Exequentes, por via do acordo de partilha dos bens do ex-casal, fizeram reflectir na esfera jurídica da sua filha E… a cobrança efectiva do seu crédito sobre o Recorrente.

Ou seja, conforme bem refere a apelada, sempre tendo em vista acautelar que o património comum do ex-casal ficasse na quase totalidade para a sua filha, os Exequentes dispunham de três formas de obter o pagamento do seu crédito:

- Pela via da venda judicial do imóvel penhorado (venda judicial, aliás, requerida pela sua própria filha quando informou a Agente de Execução, aqui Recorrida, de que não pretendia requerer a separação de patrimónios), cujo valor de venda seria seguramente suficiente para garantir a realização integral da quantia exequenda e das custas da execução, sendo que poderiam atingir tal desiderato pela aquisição directa de tal imóvel por conta do crédito exequendo ou pelo produto da sua venda a terceiros;

- Pela via do pagamento a obter no processo inventário, com a venda dos bens do activo, ou,

- Como optaram, pela ratificação de uma partilha dos bens comuns do casal que atribuísse à sua filha os dois bens imóveis do casal e a quase totalidade dos bens móveis, abdicando eles, Exequentes e Credores Reclamantes, de exigir o pagamento do seu referido crédito. [...]

Na terceira hipótese, que foi a que se veio a concretizar, os Exequentes, aceitando a transmissão da dívida do Recorrente para a sua filha, e abdicando de obter o seu pagamento no próprio processo de inventário abrindo mão da venda judicial do imóvel penhorado -, garantiram que esta ficasse com os ditos dois imóveis do casal e a quase totalidade dos bens móveis, cometendo-lhe, simultaneamente, a liberalidade decorrente da abdicação que fizeram, de cobrar à sua filha o crédito que detinham sobre o Recorrente.

Ou seja: o fim que os Exequentes intentaram obter com a instauração execução - o pagamento do seu crédito exequendo mediante a transmissão da respectiva dívida do Recorrente para a sua filha com a contrapartida de esta ficar com o activo dos bens comuns, abdicando depois de prosseguir a execução contra a sua filha para nela obterem a cobrança do aludido crédito exequendo - foi integralmente atingido.

E a melhor demonstração de que na mente dos Exequentes e Recorrente houve efectiva realização do crédito exequendo está o facto de este ter ficado como único responsável pelo pagamento das custas da execução, apesar de elas deverem ser a cargo dos Exequentes por haverem desistido da execução.

Afigura-se-nos, por isso, não subsistirem dúvidas que, por via da instauração desta execução e das penhoras dos bens nela realizadas, os Exequentes obtiveram a recuperação integral do seu crédito sobre o Executado.

E sendo assim, como efectivamente é, então a remuneração adicional devida à Agente de Execução deve ser feita sobre o valor da quantia exequenda, sendo que o seu montante se nos afigura justo e adequado."
 
[MTS]