Processo penal; princípio da adesão;
poder de cognição do tribunal
1. O sumário de RL 6/11/2018 (497/97.4PDFUN.L1-5) é o seguinte:
– No pedido de indemnização civil, deduzido ao abrigo da previsão do art.º 71º CPP, a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime, ou seja, os factos geradores da responsabilidade civil e os que justificam a responsabilidade criminal são necessariamente coincidentes.
– Tendo o Ministério Público acusado o arguido por crime de ofensa à integridade física por negligência, não podiam os demandantes invocar danos não derivados desses factos, nomeadamente danos derivados da morte da vítima, ocorrida posteriormente ao acidente, mas que o Ministério Público não imputou ao arguido ter sido causada pela sua conduta negligente.
– Em relação a estes factos, em que são alegados danos derivados da morte do sinistrado, ocorrida cerca de mês e meio depois do acidente, não imputando a acusação do Ministério Público a existência de nexo de causalidade entre o acidente e essa morte, não se verificam os pressupostos do princípio de adesão (art. 71, CPP), estando o poder de cognição do tribunal criminal limitado pelo objecto do processo, que é delineado pelos factos e sujeitos referidos na acusação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] apesar de na acusação pública o Ministério Público ter imputado ao arguido um crime de ofensa à integridade física e não ter imputado o nexo de causalidade entre a morte da vítima e o evento, os demandantes invocam esse nexo causal (nº1, do pedido civil) e alegam danos decorrentes dessa morte, não se podendo por isso dizer que o tribunal recorrido se pronunciou sobre questão que não podia conhecer, pois tais factos constam entre os alegados no articulado onde foi formulado o pedido de indemnização civil.
Coloca-se, porém, a questão de saber se a indemnização por tais danos (decorrentes da morte da vítima) podia ser enxertada neste processo-crime.
De acordo com o art.71, do CPP “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo …”.
No pedido de indemnização civil deduzido ao abrigo da previsão deste normativo, a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime, ou seja, os factos geradores da responsabilidade civil e os que justificam a responsabilidade criminal são necessariamente coincidentes [Neste sentido, Ac. de 18-10-2017, da Relação de Coimbra (Pº 68/11.4TAPNI.C1, acessível em ww.dgsi.pt) “I. No pedido de indemnização civil deduzido ao abrigo da previsão normativa do artigo 71.º do CPP, a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime. II – Dito de outro modo, os factos geradores da responsabilidade civil e os que justificam a responsabilidade criminal são necessariamente coincidentes…”].
Assim, tendo o Ministério Público acusado o arguido por crime de ofensa à integridade física por negligência, não podiam os demandantes invocar danos não derivados desses factos, nomeadamente danos derivados da morte da vítima, ocorrida posteriormente ao acidente, mas que o Ministério Público não imputou ao arguido ter sido causada pela sua conduta negligente.
Em relação a estes factos, em que são alegados danos derivados da morte do sinistrado, ocorrida cerca de mês e meio depois do acidente, não imputando a acusação do Ministério Público a existência de nexo de causalidade entre o acidente e essa morte, não se verificam os pressupostos do princípio de adesão (art. 71, CPP).
O poder de cognição do tribunal criminal é limitado pelo objecto do processo, que é delineado pelos factos e sujeitos referidos na acusação, ou seja, no caso em apreço, pelos factos descritos na acusação de fls.81 a 83, com base nos quais foi imputado ao arguido um crime de ofensa à integridade física por negligência.
Neste processo, usando o mecanismo do art. 71, do CPP, os lesados só podiam reclamar o pagamento dos danos decorrentes desses factos.
Caso discordassem do entendimento do Ministério Público, deviam ter requerido a sua constituição como assistentes, exercendo os mecanismos processuais que esse estatuto lhes conferia, tentando desse modo que o arguido fosse acusado ou pronunciado por crime de homicídio, só nessa hipótese lhes sendo permitido pedir em acção civil enxertada no processo-crime a reparação de danos decorrentes da morte da vítima do acidente de viação em causa.
O Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão nº 7/99, de 17-6-1999 (DR. n.º 179, Série I-A de 1999-08-03), decidiu que se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377, nº 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.
Contudo, não é qualquer responsabilidade extracontratual, mas só a que se funda no facto ilícito imputado na acusação, sendo sempre de respeitar o objecto do processo definido pela acusação.
Os demandantes cíveis alegam como fundamento do pedido um facto ilícito (morte da vítima na sequência do acidente de viação), mas esse facto ilícito está fora do objecto da acusação, não tendo o tribunal criminal competência para a sua apreciação nestes autos.
Assim, não se fundando os pedidos dos demandantes civis, em relação aos danos derivados da morte de JJCJ, na prática do crime imputado na acusação formulada pelo Ministério Público, o tribunal criminal carece de competência para deles conhecer, excepção de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância da demandada quanto a esses pedidos (arts. 576, nº 2, e 577, al. a, CPC).
Os demandantes, porém, não alegam apenas danos derivados da morte do JJCJ, mas também danos derivados dos factos constantes da acusação do Ministério Público, nomeadamente as lesões sofridas pelo mesmo e o período de incapacidade daí resultante para o trabalho.
O direito à reparação de tais danos entrou na esfera jurídica do JJCJ e, por morte deste, na dos seus herdeiros.
Ora, não estando demonstrado que os demandantes BJC , CJC e marido AJP, sejam os únicos e universais herdeiros do JJCJ, carecem eles de legitimidade para esse pedido, nessa parte se justificando também a absolvição da instância da demandada (arts. 576, nº 2, e 577, al. e, CPC)."
[MTS]