"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/02/2019

Jurisprudência 2018 (183)


Título executivo; documento autenticado;
autenticação por advogado

1. O sumário de RC 23/10/2018 (9273/17.9T8CBR.C1) é o seguinte: 

1 - Para constituírem títulos executivos, os documentos particulares autenticados por advogado devem observar os procedimentos estabelecidos no artigo 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, no que respeita ao registo informático no sistema de «Registo Online dos Actos dos Advogados», assegurado pela Ordem dos Advogados, não podendo existir um lapso de tempo superior a 48 horas entre o ato de execução da autenticação do documento particular e o respetivo registo informático.

2 – Se esse lapso de tempo é superado, não quanto à autenticação do documento particular e respetivo registo
online, mas relativamente à autenticação de uma fotocópia representativa desse documento particular, a petição executiva não deve ser indeferia liminarmente, com fundamento na circunstância de o documento particular apresentado pela exequente não se mostrar revestido de força executiva, nos termos da al. a), do n.º 2, do artigo 726.º do Código de Processo Civil.

3 – Podendo ser elaborada nova fotocópia do título executivo, sua certificação por entidade competente e registo atempado nos termos previstos no artigo 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho, o juiz deve convidar o exequente a apresentar nova fotocópia do título executivo certificada com os requisitos mencionados, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 726.º do Código de Processo Civil.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1 - Em primeiro lugar cumpre verificar quais são os documentos que não cumprem os requisitos relativos ao registo informático, ou seja, se são os relativos à «Certificação das fotocópias», os atinentes à «Certificação da autenticação do documento particular» ou uns e outros.

Vejamos primeiro o regime do registo informático na Ordem dos Advogados.

O artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, relativo à competência para os reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias, tem a seguinte redação:

«1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março. 
 
2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. 
 
3 - Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça. 
 
4 - Enquanto o sistema informático não estiver disponível, a obrigação de registo referida no número anterior não se aplica à prática dos actos previstos nos Decretos-Leis n.os 237/2001, de 30 de Agosto, e 28/2000, de 13 de Março. 
 
5 - O montante a cobrar, pelas entidades mencionadas no n.º 3, pela prestação dos serviços referidos no n.º 1, não pode exceder o valor resultante da tabela de honorários e encargos aplicável à actividade notarial exercida ao abrigo do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro.
 
6 - As entidades referidas no n.º 1, bem como os notários, podem certificar a conformidade de documentos electrónicos com os documentos originais, em suporte de papel, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. 
 
7 - As entidades mencionadas no número anterior podem proceder à digitalização dos originais que lhes sejam apresentados para certificação ( Redação resultante da alteração feita pelo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 8/2007 de 17 de janeiro de 2007.).

Por sua vez, o preâmbulo da Portaria n.º 657-B/2006 de 29 de Junho diz o seguinte:

«O n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, estabelece a competência das câmaras de comércio e indústria, dos advogados e dos solicitadores para a prática de reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares e certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos. Todavia, o n.º 3 do mesmo artigo condiciona a validade desses actos a registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça, pelo que importa aprová-la».

Verifica-se face a estas normas que os atos que o referido Decreto-Lei e esta Portaria disciplinam são os seguintes:

- Reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança;

- Autenticação de documentos particulares;

- Certificação de documentos;

- Feitura e certificação de traduções;

- Certificação da conformidade das fotocópias com os documentos originais;

- Elaborar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação.

Verifica-se que a validade da prática destes atos depende do seu registo informático na autoridade competente, no caso dos autos a Ordem dos Advogados – artigo 1.º e al. a), do n.º 1, do artigo 2.º da referida Portaria.

O n.º 4 desta Portaria estabelece.

«1 - O registo informático é efectuado no momento da prática do acto, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto. 
 
2 - Se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do acto, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes».

Passando agora ao caso dos autos.

■ Consta do teor do documento de fls. 4 verso, que reproduz um documento relativo ao «REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS», o seguinte:

«IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO»
«Autenticação de documentos particulares»

Segue-se a identificação dos interessados e depois:
«EXECUTADO A: 2017-07-28 17:07»
«REGISTADO A: 2017-07-28 17:18»
«COM O N.º …».

Retira-se deste documento que a autenticação do documento que é apresentado como título executivo por parte da Sra. advogada foi feita (executada) e registada no sistema de «registo online dos actos dos advogados» no mesmo dia, em 28 de julho de 2017.

Por conseguinte, quanto ao título executivo em si mesmo não ocorre qualquer divergência entre a data da sua execução e a data do seu registo no sistema de «registo online dos actos dos advogados».

Vejamos agora a execução e o registo da certificação da fotocópia no sistema de «registo online dos actos dos advogados» atinente ao título executivo.

■ Consta do teor do documento de fls. 3 verso, que reproduz um documento relativo ao «REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS», o seguinte:

«IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA E ESPÉCIE DO ACTO»
«Certificação de fotocópias»

Segue-se a identificação dos interessados e depois:

«OBSERVAÇÕES:
Este registo foi efectuado em 31/07/2017, por impossibilidade do sistema em 28/07/2017
EXECUTADO A: 2017-07-31 11:04
REGISTADO A: 2017-07-31 11:06
COM O N.º …».

Verifica-se que a Sra. Advogada procurou executar e registar no referido sistema «ONLINE», no dia 28 de julho de 2017, uma certificação de fotocópias relativas ao título executivo, que fez nesse dia, mas não o conseguiu.

Esse ato de certificação de fotocópias foi executado de facto nesse dia 28 de julho de 2017, como se vê do respetivo documento com o título «CERTIFICO QUE A PRESENTE FOTOCÓPIA ESTÁ EM CONFORMIDADE COM O DOCUMENTO ORIGINAL QUE SE ENCONTRA CARIMBADO COM O MEU CARIMBO PROFISSIONAL…».

Este documento está datado efetivamente de 28 de julho de 2017.

Mas só foi registado na Ordem dos Advogados, como consta na parte inferior do próprio documento, no dia 31 desse mês.

Afigura-se que a finalidade da lei, ao exigir que não decorram mais de 48 horas entre o ato de feitura de uma certificação de fotocópias (ou outro ato para o qual o advogado tenha competência) e o seu registo no sistema de «registo online dos actos dos advogados» da Ordem dos Advogados, consiste em impedir que sejam colocados em circulação, no comércio jurídico, documentos relativamente aos quais possam existir dúvidas no sentido de terem sido emitidos por entidade competente.

Por isso, se exige o registo do ato no sistema de «registo online dos actos dos advogados» da Ordem dos Advogados como fazendo parte da autenticidade e inerente força probatória do documento assim gerado.

O registo dos atos no sistema de «registo online dos actos dos advogados» da Ordem dos Advogados assegura esta confiança e despromove a circulação fraudulenta de documentos.

Voltando ao caso e resumindo.

O documento que constitui o título executivo foi elaborado e registado no sistema de «registo online dos actos dos advogados» da Ordem dos Advogados, como «Autenticação de documentos particulares», no mesmo dia, no dia 28 de julho de 2017.

Quanto a este documento não se verifica qualquer irregularidade.

Já não sucede o mesmo com a autenticação da fotocópia relativa a este mesmo documento.

Ou seja, o título executivo tem como suporte físico uma fotocópia que não cumpre os requisitos de validade para der admitida como cópia fiel do documento original nela representado.

Cumpre passar, por isso, à questão seguinte.

2 - Em segundo lugar, cumpre ponderar qual a consequência processual para a apresente execução resultante da infração assinalada.

Um dos casos de indeferimento liminar da execução consiste na «…manifesta falta ou insuficiência do título» - al. a), do n.º 2, do artigo 726.º do Código de Processo Civil.

Não é este o caso.

Como resulta do exposto, a irregularidade não reside na formação do título, mas sim da fotocópia que constitui uma sua representação.

Ora, esta irregularidade não determina o indeferimento liminar da petição executiva porque não cabe nos casos elencados no n.º 2, do artigo 726.º do Código de Processo Civil, ou em outro ad hoc.

O caso cai então no disposto no artigo no n.º 4 deste artigo 726.º, onde se determina que «Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º».

Não fica excluído definitivamente o indeferimento, pois «Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo» - n.º 5 do mesmo artigo 726.º.

No caso, afigura-se que o vício pode ser corrigido com a realização de novo termo de autenticação e seu registo em tempo no sistema de «registo online dos actos dos advogados» da Ordem dos Advogados."

[MTS]