Procedimento cautelar; indeferimento liminar;
caducidade
1. O sumário de RL 10/11/2018 (2420/18.5T8FNC.L1-8) é o seguinte:
Proposta acção num Tribunal de Comércio que conheceu da mesma, indeferindo-a liminarmente por se entender não estar alegado devidamente o pressuposto do dano gravoso e de difícil reparação, e tendo o Autor proposto em seguida nova acção, com propósitos idênticos e contra as mesmas partes, também no Tribunal do Comércio, veio este tribunal decidir a sua incompetência material.
Esta decisão ocorreu dois dias depois de decorrido o prazo de caducidade para o Autor propor a acção.
Não pode ser assacada ao Autor qualquer responsabilidade pelo facto de, no Tribunal do Comércio em causa, existirem perspectivas diferentes e até opostas relativamente à competência em razão da matéria para questões como a dos autos.
Nesta medida e tendo em conta que o Autor deduziu a nova acção no dia seguinte a ter sido proferida a decisão de incompetência material, deve entender-se como improcedente a excepção de caducidade, nos termos dos artigos 332º nº 2 e 327º nº 3 do Código Civil.
Esta decisão ocorreu dois dias depois de decorrido o prazo de caducidade para o Autor propor a acção.
Não pode ser assacada ao Autor qualquer responsabilidade pelo facto de, no Tribunal do Comércio em causa, existirem perspectivas diferentes e até opostas relativamente à competência em razão da matéria para questões como a dos autos.
Nesta medida e tendo em conta que o Autor deduziu a nova acção no dia seguinte a ter sido proferida a decisão de incompetência material, deve entender-se como improcedente a excepção de caducidade, nos termos dos artigos 332º nº 2 e 327º nº 3 do Código Civil.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O prazo previsto no art. 380º nº 1 do CPC é um prazo de caducidade – ver acórdão da Relação de Coimbra de 02/03/99, CJ 1999, 2º, pág. 13. Como tal, não se suspende ou interrompe senão nos casos em que a lei o determine, e começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
Nos termos do art. 331º nº 1 do Código Civil, só impede a caducidade “a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.
O ora recorrente instaurou procedimento cautelar não especificado contra os mesmos requeridos, que veio a ser liminarmente indeferido, por decisão de 11/04/2018 [...].
Deduziu procedimento cautelar específico de suspensão de deliberações sociais, contra os mesmos requeridos, deliberações essas resultantes da Assembleia da A… de 18/04/2018, sendo o mesmo liminarmente indeferido por incompetência material do Juízo de Comércio do Funchal, de 02/05/2018.
O mesmo recorrente havia deduzido um outro procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, contra os mesmos requeridos e relativa às deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária da A… de 30/08/2017. Neste procedimento foi decidida a incompetência material do Juízo de Comércio, sendo os requeridos absolvidos da instância.
Inconformado, o requerente recorreu para este tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 10/05/2018, confirmou a decisão da 1ª instância [...]. Deste acórdão recorreu o requerente para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ou seja, a respeito das deliberações a tomar ou já tomadas na Assembleia da A… de 18/04/2018, o requerente deduziu três providências cautelares.
Uma providência cautelar não especificada, indeferida liminarmente por falta do requisito do dano apreciável.
Uma providência cautelar específica de suspensão de deliberações sociais, liminarmente indeferida por incompetência material do Tribunal do Comércio.
A presente providência, na qual os requeridos foram absolvidos da instância por se entender que caducara o prazo para exercer o direito.
E anteriormente, no tocante à suspensão de deliberações sociais de uma Assembleia de 30/08/2017 havia sido decidida a incompetência material do Tribunal do Comércio, decisão posteriormente confirmada pelo tribunal da Relação de Lisboa.
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Pode ler-se no acórdão do STJ de 06/05/2003:
“Proferida decisão de absolvição da instância, com o fundamento na incompetência em razão da matéria do tribunal onde a acção foi proposta, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão.
“Contudo, a ressalva prevista no nº 2 do art. 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º nº 3 e 332º nº 2 do Código Civil).”
Esta perspectiva que viria a ser reafirmada em posterior jurisprudência do mesmo STJ, implica pois que, para que o titular do direito possa beneficiar da manutenção dos efeitos civis da primeira causa, o motivo da absolvição da instância não lhe seja imputável. Ou seja, que não resulte de um comportamento menos diligente do requerente.
No caso aqui em apreço, como vimos, o requerente interpôs três procedimentos cautelares e em todos eles vem requerer a suspensão da execução das deliberações tomadas ou a tomar na Assembleia Geral da A… de 18/04/2018.
No primeiro de tais procedimentos, intentado no Juízo de Comércio do Funchal - Juiz 1, foi proferida decisão, a 11/04/2018, que o indeferiu liminarmente por se afigurar “manifesto que não se verifica o segundo dos requisitos exigidos para o decretamento de um procedimento cautelar comum, como seja, o justo e fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação”.
No segundo procedimento cautelar, intentado no Juízo de Comércio do Funchal – Juiz 2, foi proferida decisão, a 02/05/2018, que indeferiu liminarmente o “procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais” por se considerar que o Juízo de Comércio não tem competência em razão da matéria para conhecer da causa.
Na terceira acção, agora sob recurso, estamos perante um procedimento cautelar comum, interposto no Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 1, no qual foi indeferido liminarmente o procedimento cautelar, por caducidade.
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Ou seja, antes de propor a presente acção, o requerente requereu a suspensão da execução das deliberações da Assembleia da A… de 18/04/2018 perante os juízos de comércio do Funchal, tendo um decidido o indeferimento liminar com base na omissão de circunstâncias integrantes do periculum in mora (e, portanto, implicitamente aceite a sua competência material para apreciar a causa) e tendo outro decidido existir incompetência material.
Que os procedimentos cautelares tenham sido qualificados de comum ou de procedimento específico de suspensão da execução de deliberações sociais, é aqui irrelevante já que em ambos se pede tal suspensão da execução das deliberações sociais da Assembleia da A… de 18/04/2018 e a razão de ser da incompetência material decidida numa das acções (o facto de a A… ser uma associação sem fins lucrativos) seria igualmente aplicável à outra.
Em suma, deparou-se o requerente com entendimentos diferentes, nos juízos de comércio do Funchal, quanto à competência material.
É certo que o ora requerente havia interposto um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social requerendo a suspensão das deliberações sociais tomadas na Assembleia da A… realizada em 30/08/2017, tendo sido tomada decisão julgando o Juízo de Comércio incompetente materialmente para preparar e julgar tal acção.
Tendo o requerente recorrido para este tribunal da Relação de Lisboa, veio a ser proferido acórdão que confirmou a decisão da 1ª instância, julgando o tribunal de comércio incompetente materialmente para essa acção. Todavia, o acórdão da Relação foi proferido a 10/05/2018, ou seja, já posteriormente à propositura da presente acção.
Isto não invalida o que afirmámos, ou seja, que os juizes 1 e 2 do juízo de comércio do Funchal tenham tomado decisões opostas, um conhecendo dos pressupostos da providência cautelar, nomeadamente a invocação de dano irreparável ou de difícil reparação, e outro julgando-se materialmente incompetente para tal conhecimento.
Num caso como este, em nosso entender, não pode ser assacada ao requerente qualquer responsabilidade, nem pode ser efectuado juízo de censura por menor negligência.
Repare-se que tendo proposto uma primeira providência, a qual em 11/04/2018 é liminarmente indeferida por se entender não estar alegado ou suficientemente caracterizado o periculum in mora, realizando-se a Assembleia cujas deliberações o requerente pretendia suspender em 18/4/2018, o mesmo requerente propõe novo procedimento cautelar em 27/04/2018 com vista a obter tal suspensão. Em 02/05/2018 é proferida a decisão de incompetência material.
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Assim, tendo em atenção o disposto nos artigos 332º nº 2 e e 327º nº 3 do Código Civil e tendo ainda em conta que a presente acção deu entrada no dia seguinte a ter proferida a decisão de incompetência material no processo 2296/18, não ocorre a caducidade, procedendo aqui a apelação."
[MTS]