"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/02/2019

Jurisprudência 2018 (186)


Competência material;
questão administrativa; questão prejudicial*

 
I. O sumário de RC 23/10/2018 (458/17.9T8GRD.C1) é o seguinte:

1. A competência material do tribunal afere-se em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida e da natureza das normas que disciplinam a relação jurídica que está na base do litígio.
 
2. No processo declarativo comum, a regra é no sentido de que o tribunal competente para a acção também o é para as questões da competência do tribunal administrativo cuja apreciação se revele essencial para o conhecimento do objecto da acção, caso em que pode o juiz conhecer da questão prejudicial com efeitos circunscritos ao processo ou sobrestar na decisão, até que o tribunal competente - tribunal administrativo - se pronuncie, no prazo e termos do art.º 92, n.ºs 1 e 2 do CPC.
 
3. Se o A. cingiu a eficácia da decisão sobre os pedidos de declaração de invalidade dos actos administrativos à acção que intentou e as questões de índole administrativa conexas apresentam uma incindível ligação de prejudicialidade com o pedido impugnativo que formula, é de considerar que estamos perante questões incidentais de natureza administrativa para cuja apreciação é competente o tribunal comum (n.o 1 do art.º 91º do CPC), cabendo, pois, ao julgador trilhar um dos caminhos apontados pelo art.º 92º do CPC para as solucionar.
 
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"3. Sob o capítulo IV (com a epígrafe “Da extensão e modificação da competência”), do Título IV (“Do Tribunal”) do Livro I (“Da Acção, das Partes e do Tribunal”), prevê-se nos art.ºs 91º e 92º da actual lei civil adjectiva (CPC), relativamente à competência do tribunal em relação às questões incidentais e questões prejudiciais, respectivamente:

O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa (art.º 91º, n.º 1). A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia (n.º 2).

Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie(art.º 92º, n.º 1). A suspensão fica sem efeito se a acção penal ou a acção administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da acção decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida (n.º 2).

4. Sabemos que a competência material do tribunal se afere em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 91 e 95 e os Acórdãos do STJ de 12.01.1994, 22.01.1997, 20.5.1998 e 26.6.2001, in CJ-STJ, II, 1, 38 e V, 1, 65; BMJ, 477º, 389 e CJ-STJ, IX, 2, 129, respectivamente. e que o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (i. é, o pedido) se encontra necessariamente correlacionado com o facto concreto que lhe serve de fundamento/causa de pedir.

Assim, ao determinar o tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da lide, temos de atentar, sobretudo, na alegação do A. e no efeito jurídico pretendido, sabendo-se, como decorre do exposto, que a competência dos tribunais judiciais é uma competência residual, dado que são da sua competência todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional, nomeadamente à administrativa. [...]

7. Na actualidade, partindo dos citados art.ºs 212°, n.° 3, da CRP Comentando o n.º 3 do art.º 212º da CRP, dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 2º volume, 4ª edição, págs. 566 e seguinte: «Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); 2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal»., e 1°, n.° 1, do ETAF, a competência dos tribunais administrativos e fiscais dependerá da ponderação sobre se se está, ou não, perante pleitos derivados de relações jurídicas administrativas (e fiscais), sendo que só no primeiro caso tal competência se verificará. 

Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, pois, a existência de uma relação jurídica administrativa. 

Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração Vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 518.; devem ser consideradas relações jurídicas administrativas aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actua com vista à realização de um interesse público legalmente definido. Vide J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa - Lições, 3ª edição, 2000, pág. 79. 

8. In casu, em rigor, em causa está tão só aferir se, em razão do pedido deduzido na acção pela apelante e da causa petendi que o alicerça/sustenta, deve a decisão apelada manter-se.

É em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição (quid disputatum/quid decidendum em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para o conhecimento de determinada acção, sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente à viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. Vide Manuel de Andrade, ob. cit., Coimbra Editora, pág. 91, citando Redenti; A. Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, pág. 379 e, ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 09.7.2014-processo 934/05.6TBMFR.L1.S1, publicado no “site” da dgsi.

9. Assim, e considerado o demais enquadramento normativo aludido em II. 2. e 3., supra, face ao disposto no art.º 92º do CPC, nada impede/obsta a que em sede de tribunal comum seja a questão prejudicial conhecida e decidida - o juiz tem apenas a faculdade de sobrestar na decisão, suspendendo a instância até que tal questão seja decidida pelo tribunal competente (n.º 1), mas estando obrigado a apreciá-la ele mesmo caso se verifique a situação prevista no n.º 2, ainda que, nessa parte, a decisão não produza efeitos fora do processo (cf. n.º 2, in fine, do mesmo art.º).

Ou seja, v. g., se em acção intentada em tribunal comum ou judicial, o conhecimento do respectivo objecto depender de uma questão que seja da competência do tribunal administrativo (como a nulidade de um acto administrativo, sendo que consubstancia também um acto administrativo a concessão pelas Câmaras Municipais de licenças para construção, reedificação ou conservação, bem como para aprovar os respectivos projectos, nos termos da lei - cf. al. a) do n.º 5, do art. 64º, da Lei das Autarquias Locais, aprovada pela Lei n.º 169/99, de 18.9, aplicável à data da prática dos actos Depois alterada, designadamente, pelas Leis n.ºs 75/2013, de 12.9 e 7-A/2016, de 30.3.), inquestionável é que pode o tribunal comum apreciar tal questão (v. g., desconsiderar um acto administrativo, porque nulo), não estando obrigado a remeter as partes para a jurisdição administrativa, e ainda que, forçosamente, a decisão proferida na referida parte se restrinja às partes do processo, não produzindo efeitos fora do processo. O que significa que, se a questão incidental ou prejudicial for da competência do foro administrativo ou criminal, não é possível requerer o seu julgamento com a amplitude da constituição de caso julgado material, pelo que a sua decisão no foro comum apenas tem força obrigatória dentro do processo, remetendo-se para o foro próprio a sua decisão com força de caso julgado material (Cf. também o n.º 2 do art.º 92º do CPC).

A questão incidental (ou prejudicial, porque constitui pressuposto necessário da decisão de mérito) é objecto apenas de conhecimento “incidentaliter tantum” e não “principaliter”, podendo ser objecto de nova acção, embora sem prejuízo da anterior, e, a decisão do juiz e a que alude o n.º 1, do art.º 92º, do CPC, em rigor, está sujeita ao seu prudente arbítrio, integrando um seu poder discricionário. Anotando ou comentando disposição similar dos CPC de 1939 e 1961, vide, entre outros, A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, 1982, pág. 45; Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, 1960, pág. 288; J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 170 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 29.3.2007-processo 07B764 e de 06.12.2016-processso 886/15.4T8SXL.L1.S1, publicados no “site” da dgsi.

10. Na situação em análise, a causa petendi dos pedidos deduzidos pela A./apelante contra as Rés (nenhuma delas um órgão da Administração e que, ao abrigo de normas de direito público, são autores/agentes de actos administrativos que produzem efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, como v. g. uma Câmara Municipal), e por via principal, apenas demanda a apreciação - pelo julgador - e a aplicação de normas do direito privado, que não público ou de natureza jurídica administrativa.

Ao analisarmos o quid disputatum/quid decidendum da acção intentada pela A., e outrossim os pedidos deduzidos, é evidente que o julgamento do objecto da acção implica a valoração e a aplicação de normas do direito privado, atinentes às circunstâncias e efeitos decorrentes da celebração dos contratos de compra e venda dos autos cuja nulidade se pretende ver declarada - neste enquadramento, o desiderato da acção não envolve a resolução de um litígio emergente de uma relação jurídico administrativa, envolvendo, sim, contratos cujos efeitos jurídicos relacionam-se com a criação/extinção de relação jurídica de natureza real, confinada ao direito civil lato sensu, impondo-se a sua qualificação como sendo de direito privado, que não, de todo, contratos administrativos. O já revogado Código do Procedimento Administrativo/CPA (aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11), no respectivo art.º 178º, n.º 1, caracterizava o contrato administrativo como sendo o acordo de vontades pela qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
Já o actual CPA (aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07.01) define os actos administrativos como as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (art.º 148º) e refere que Os órgãos da Administração Pública podem celebrar contratos administrativos, sujeitos a um regime substantivo de direito administrativo, ou contratos submetidos a um regime de direito privado(art.º 200º, n.º 1). São contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial (n.º 2). Na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer (n.º 3).

A pretensão da A. reveste natureza civil, pois assenta num litígio travado entre particulares, emergente de contratos de compra e venda de bem imóvel regulados pelo direito privado, e cujo remédio deve ser equacionado, conforme peticionado, à luz do ordenamento de direito privado, sendo que a requerida declaração de nulidade, que implica a aplicação de normas do direito privado, atenta a impossibilidade legal do objecto (art.ºs 280º, 286º e 289º, n.º 1, do CC), relaciona-se com a extinção das relações jurídicas objecto dos mencionados contratos de compra e venda de 09.6.2005 e 19.3.2008, impondo-se qualificá-los como de direito privado e não como contratos administrativos, e a A. alegou, entre o mais, a nulidade da deliberação da CMG de 31.3.2004, que nasce e insere-se no contexto de um litígio de direito civil.

Ademais, a relação jurídica administrativa é vista como uma relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) regulada/disciplinada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Vide, designadamente, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9ª Edição, Almedina, pág. 55, (quando considera que na falta de definição legal expressa, prudente é qualificar-se a “relação jurídica administrativa” partindo-se do entendimento do correspondente conceito constitucional, ou seja, no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração) e, de entre vários, o acórdão o do Tribunal de Conflitos de 15.5.2013-processo 024/13, publicado no “site” da dgsi.

11. Assim, em razão da causa petendi invocada pela apelante e que suporta os pedidos que formula na acção, não existe qualquer fundamento pertinente que justifique considerar que o litígio a dirimir na acção intentada se reporta a uma relação jurídica administrativa; acresce que a A./apelante não formula, por via principal, o pedido de declaração de nulidade de quaisquer actos administrativos [v. g., da deliberação da CMG de 31.3.2004, dita, designadamente, em II. 1. i) e ss), supra, e subsequente processo de licenciamento e fraccionamento (destaque) do prédio objecto dos autos], e, coerentemente, não demandou também a autora do acto em causa (como obrigada estava, caso tivesse deduzido um tal pedido) E, como bem se refere na “alegação” de recurso, “a circunstância de ter sido suscitada a intervenção do Município da Guarda não altera o que vem de ser dito, não apenas porque essa intervenção não se alicerçou em qualquer facto que se insira ao conceito de relação jurídico-administrativa, como não foi formulado qualquer pedido contra a chamada que tivesse de alguma forma alterado o objecto privatístico da causa tal como definido pela A. na sua p. i.”., pelo que não existe obstáculo adjectivo a que a questão - porque em rigor incidental e prejudicial do objecto da acção - da nulidade do acto administrativo em causa possa ser apreciada e julgada no Tribunal comum, nos termos do art.º 92º, do CPC, e em razão do disposto no art.º 4º, n.º 1, alínea b), do ETAF. De resto, diz o n.º 1 do art.º 133º do CPA, então em vigor (aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11), que são nulos os actos a que falta qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

Nos termos do art.º 134º, n.º 2 do mesmo diploma, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou qualquer tribunal, devendo entender-se, como se refere na “alegação” de recurso, que a norma do n.º 2 do art.º 134º do CPA não pode ser interpretada no sentido de dar a qualquer órgão administrativo ou a qualquer tribunal a competência para declarar ´erga omnes` a nulidade de um acto administrativo, mas sim no sentido de que o legislador administrativo pretendeu estender a competência do tribunal comum quando o acto administrativo se apresente como questão incidental, ou seja, quando caia no âmbito da previsão dos art.ºs 91º e 92º do CPC

Estando a decisão a que alude o n.º 1 do art.º 92º, do CPC, sujeita ao prudente arbítrio do juiz, integrando, como vimos, um seu poder discricionário, e sendo que a problemática da nulidade de actos administrativos consubstancia apenas parte da causa petendi do pedido da A., e, de resto, apenas do pedido principal deduzido, e dado que, reafirma-se, a competência dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual ou por exclusão de partes (não existindo disposição de lei que submeta a acção à competência intentada pelos AA. a algum tribunal especial, cai ela inevitavelmente sob a alçada de um tribunal judicial), e, por último, porque a questão prejudicial, ainda que da competência do tribunal administrativo, pode ser conhecida/decidida pelo juiz titular da acção (art.º 92º, do CPC), inevitável é concluir-se que o litígio que opõe apelante e apeladas há-de forçosamente ser dirimido (apreciado e julgado) em tribunal judicial ou tribunal comum. Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 09.01.2003, 09.3.2004-processo 04A117 [tendo-se sumariado, nomeadamente: «III – (…) sendo o tribunal da comarca competente, em razão da matéria, para conhecimento da questão principal, será também ele competente para conhecimento das questões conexas, incidentais ou prejudiciais, ainda que para estas, quando isoladamente consideradas, fosse competente o foro administrativo. IV - A decisão dessas questões prejudiciais ou incidentais constitui apenas caso julgado formal.»], 09.7.2014-processo 934/05.6TBMFR.L1.S1 e 06.12.2016-processso 886/15.4T8SXL.L1.S1 [constando da respectiva fundamentação, nomeadamente: «Não é defeso ao demandante, que pretende ver apreciada determinada questão da competência dos tribunais comuns, invocar fundamentos que se relacionam com a competência de outros tribunais. (…) Diferente é saber se, quando essoutros fundamentos são invocados nos tribunais comuns, como no caso, como se atribui essa competência. A resposta deve ser encontrada no art.º 92º do Código de Processo Civil que regula as ´questões prejudiciais` e no art.º 91º que versa sobre a competência do tribunal em relação a ´questões incidentais`.»], da RL de 07.6.2011-processo 5338/09.9TBCSC-A.L1-1, 21.5.2013-processo 117/12.9TVLSB-A.L1-2 e 06.9.2018-processo 4730/16.7T8LSB.L1-2 e da RG de 17.12.2015-processo 1078/14.5T8VCT.G1, publicados, o primeiro, na CJ-STJ, XI, 1, 14 e, os restantes, no “site” da dgsi [sendo que o segundo foi também publicado na CJ-STJ, XII, 1, 110].

12. Assim, porque a A. cingiu a eficácia da decisão sobre os pedidos de declaração de invalidade do(s) acto(s) administrativo(s) à acção que intentou e as questões de índole administrativa apresentam uma incindível ligação de prejudicialidade com o pedido impugnativo que formula, é de considerar que estamos perante questões incidentais de natureza administrativa para cuja apreciação é competente o tribunal comum (n.o 1 do art.º 91º do CPC), cabendo, pois, ao julgador trilhar um dos caminhos apontados pelo art.º 92º do CPC para as solucionar (conhecer da questão prejudicial com efeitos circunscritos ao processo ou sobrestar na decisão, até que o tribunal competente - tribunal administrativo - se pronuncie, no prazo e termos do art.º 92, n.ºs 1 e 2 do CPC). Cf., ainda, designadamente, Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. I, cit., págs. 282 e 287 a 289 e J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, cit., págs. 170 e seguintes e 174 e seguintes e o cit. acórdão do STJ de 06.12.2016-processso 886/15.4T8SXL.L1.S1.

13. Sem quebra do devido respeito por diferente entendimento, existe, pois, uma questão prejudicial de natureza administrativa que tem de ser enfrentada nos termos do art.º 92º do CPC."
 
*III. [Comentário] a) A RC decidiu bem, embora deva ser evitada a confusão entre a extensão da competência para uma questão incidental (regulada no art. 91.º CPC) e a extensão da competência para uma questão prejudicial (regulada no art. 92.º CPC). Questões incidentais e questões prejudiciais são duas coisas completamente diferentes:
 
-- Uma questão incidental é, como o próprio nome indica, algo que não condiciona necessariamente a apreciação do objecto da causa e que, por isso, pode verificar-se numa certa acção e não ocorrer noutra acção; por exemplo: o incidente de habilitação ou o incidente de intervenção de terceiros pode ocorrer numa acção cujo objecto é a condenação na satisfação de um direito de crédito e não ocorrer numa outra acção cujo objecto seja a condenação na satisfação de um outro direito de crédito igual, em espécie e categoria, ao direito da primeira acção;
 
-- Uma questão prejudicial é uma questão que condiciona necessariamente a apreciação de uma questão em qualquer acção que tenha como objecto esta questão dependente; por exemplo: em qualquer acção de alimentos a prestar por um dos progenitores a um filho é questão prejudicial a existência de uma relação de paternidade ou de maternidade entre o demandado e o demandante.

Disto resulta que não há que transpor o que se encontra estabelecido no art. 91.º CPC para as questões incidentais para o que se dispõe no art. 92.º CPC para as questões prejudiciais. 
 
b) O que que se estabelece no art. 92.º CPC, ao estatuir que, em última análise, o tribunal cível pode conhecer de questões prejudicais administrativas ou criminais, mostra que esse tribunal é, na ordem jurídica portuguesa, o tribunal com competência-regra. É isto que justifica que o tribunal cível possa conhecer, em certas condições, de questão prejudiciais administrativas e criminais.

MTS