Competência internacional; Reg. 1215/2012;
pedido subsidiário*
1. O sumário de RP 27/9/2018 (13688/16.1T8PRT.P1) é o seguinte:
I - Na ordem jurídica portuguesa, vigoram em simultâneo dois regimes de competência internacional, o regime comunitário e o regime interno, sendo que, quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, este prevalece sobre o regime interno, por ser de fonte hierarquicamente superior, face ao princípio do primado do direito europeu.
II - O regime comunitário consta do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que substituiu o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, aplicável às acções judiciais intentadas até 10 de Janeiro de 2015.
III - Em matéria civil e comercial, o regime regra para fixação da competência internacional e critério fundamental de conexão é o do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), independentemente da nacionalidade deste.
IV - No entanto, são enumerados nas secções 2 a 7 (artigos 7º a 26º) desse regulamento um conjunto de critérios especiais, nomeadamente o relativo à fixação convencional da jurisdição, prevista no artigo 25º, nº 1.
V - Dispôs ex novo este preceito, já que tal não constava do correspondente artigo 23º, nº 1, do Regulamento 44/2001, que a validade substancial do pacto de jurisdição será conhecida nos termos da lei do Estado-Membro do tribunal nele designado como competente para a resolução do litígio.
VI - No caso em apreço, sendo francês o tribunal cuja competência foi convencionalmente designada, não colhe a invocação da nulidade da cláusula pactuada, por violação do disposto no artigo 94º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Civil, ou dos artigos 5º, 6º e 8º do DL 446/85, de 25 de Outubro, posto que não existe na lei processual civil francesa preceito idêntico àquele, nem as normas do Code de la Consommation correspondentes a estes últimos são in casu aplicáveis, dado que os autores não intervieram no contrato na qualidade de consumidores.
VII - Não constando do contrato celebrado pelos autores com uma das rés, também com domicílio em Portugal, nenhum pacto de jurisdição, nada impede que essa ré seja demandada perante tribunal português, excepto no que concerne ao pedido absolutamente dependente de pedido formulado contra outra ré, com a qual os autores convencionaram a competência exclusiva de tribunal francês.
VIII - Não havendo litisconsórcio necessário passivo, nada obsta ao conhecimento de um pedido subsidiário para o qual os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes, mesmo que subsequente ao afastamento da competência destes quanto ao pedido principal, do qual aquele não seja dependente, não cabendo em tal caso recurso à regra do nº 3 do artigo 82º do Código de Processo Civil, apenas válida no âmbito da competência em razão do território.
IX - A possibilidade conferida pelo artigo 8º, nº 1, do Regulamento n.º 1215/2012, de que «uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente», não será de admitir se contender com regras que envolvam atribuição de competência exclusiva, como a que pode resultar de pacto atributivo de jurisdição, nos termos previstos no artigo 25º, nº 1, daquele regulamento.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"3. Referem estes [recorrentes], todavia, que do contrato por eles celebrado com a ré L… não consta nenhuma cláusula com pacto atributivo de jurisdição. Pelo que nada impedirá que a mesma seja demandada perante tribunal português. Até porque tem domicílio em Portugal.
E, na verdade, na ausência dessa convenção, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, atentos os elementos de conexão in casu relevantes – domicílio da ré e local de cumprimento -, por força do disposto nos artigos 59º, 62º, alínea a), e 71º, nº 1, do Código de Processo Civil. Sendo certo que, como preceitua o nº 1 do artigo 5º do Regulamento 1215/2012, «as pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo». Não sendo aplicável o artigo 25º, como visto, dada a ausência de estipulação convencional que imponha a competência exclusiva desse outro Estado-Membro. Nem tampouco o artigo 7º, que admite a mera possibilidade de, em matéria contratual, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro poderem ser demandadas noutro Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. Nada o impondo, portanto, como sucede quando há convenção sobre a jurisdição.
Contrapõem as recorridas a absoluta dependência do pedido contra esta ré formulado do pedido deduzido contra a ré N…. Assistindo-lhe razão quanto ao enunciado sob b., de anulação do contrato. Mas já não quanto ao pedido subsidiário referido em d., de resolução do contrato com a ré L…, por incumprimento. Nem no que concerne ao aludido em e., relativo à consequente indemnização. Tampouco lhes valendo a por si invocada regra consagrada no nº 3 do artigo 82º do CPC, de que se houver uma relação de subsidiariedade entre os pedidos a acção deverá ser proposta no tribunal competente para a apreciação do pedido principal. A qual só se aplica especificamente no âmbito da competência em razão do território. Nada impedindo, portanto, o conhecimento de um pedido subsidiário para o qual os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes mesmo que subsequente ao afastamento da competência destes quanto ao pedido principal.
Anote-se que os réus não são demandados em litisconsórcio necessário, pelo que, nos termos do artigo 35º do CPC, estamos perante uma simples acumulação de acções, perfeitamente autonomizáveis, como expressamente se admite no nº 1, in fine, do artigo 32º desse código.
Pelo exposto, entendemos ser o tribunal internacionalmente competente para conhecer dos pedidos deduzidos contra a ré L… sob d. e e..
4. Pretendem os recorrentes que, por força do preceito do artigo 8º, nº 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, as restantes rés pudessem ser demandadas conjuntamente com a ré L….
Dispõe aquela norma que «uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente». Nos termos da qual, não obstante a existência de pactos de jurisdição, o tribunal seria sempre competente para apreciar os pedidos formulados contras as rés N… e M…, pela sua conexão com os deduzidos contra a ré L….
Sem razão, parece-nos. Na verdade, tal norma não será aplicável se contender com regras que envolvam atribuição de competência exclusiva. Ou melhor, apenas poderá valer relativamente à pretensão de que esse julgamento simultâneo ocorra no tribunal com competência exclusiva. Reserva que não poderá ser sacrificada à álea da conexão com outro pedido relativamente ao qual não se verifique essa exclusividade. Ora, no presente caso, há um pacto atributivo de jurisdição, que implica competência exclusiva se, como sucede, tal não for afastado por acordo das partes – cfr. o referido artigo 25º, nº 1 (com disciplina nesse particular idêntica à consagrada no artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Civil).
De qualquer modo, como já supra anotámos, in casu, tal nexo apenas se verifica relativamente ao pedido deduzido contra a ré L… sob b.. Para conhecimento do qual, face a essa estreita dependência, será competente o tribunal francês com competência exclusiva para conhecer do pedido sob a. formulado contra a ré N…."
*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, o acórdão padece de um equívoco manifesto.
O pedido subsidiário é aquele que é deduzido para o caso de o pedido principal não ser julgado procedente (art. 554.º, n.º 1 2.ª parte, CPC). Não há, por isso, pedidos subsidiários formulados para o caso de pedidos principais não serem considerados admissíveis pela falta do preenchimento, quanto a eles, de pressupostos processuais. Por exemplo: não é admissível formular o pedido x contra a parte a e, para o caso de esta parte ser considerada ilegítima em relação a esse pedido, formular contra ela o pedido y.
Assim, não é possível formular um pedido principal e, para o caso de o tribunal não ser competente para apreciar esse pedido, formular um pedido subsidiário. Portanto, se os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para a apreciação do pedido principal formulado pelo autor, também não podem ser competentes para a apreciação de um pedido subsidiário.
Aliás, cabe perguntar que sentido tem atribuir competência internacional para a apreciação de um pedido subsidiário antes de se conhecer a pronúncia do tribunal competente quanto ao pedido principal. A resposta só pode ser esta: não faz nenhum sentido, dado que, se o tribunal competente vier a considerar o pedido principal procedente, a pronúncia sobre o pedido subsidiário por um outro tribunal foi totalmente inútil.
Em concreto, ao contrário do que se entendeu no acórdão, nunca os tribunais portugueses podem ser considerados competentes para a apreciação isolada e autónoma do pedido subsidiário formulado em d.
Aliás, cabe perguntar que sentido tem atribuir competência internacional para a apreciação de um pedido subsidiário antes de se conhecer a pronúncia do tribunal competente quanto ao pedido principal. A resposta só pode ser esta: não faz nenhum sentido, dado que, se o tribunal competente vier a considerar o pedido principal procedente, a pronúncia sobre o pedido subsidiário por um outro tribunal foi totalmente inútil.
Em concreto, ao contrário do que se entendeu no acórdão, nunca os tribunais portugueses podem ser considerados competentes para a apreciação isolada e autónoma do pedido subsidiário formulado em d.
b) Quanto ao pedido e., ainda que reduzido à Ré L, faltam elementos no acórdão para se poder concluir pela competência dos tribunais portugueses para a sua apreciação.
O que é dito no acórdão também não é muito claro. O que se pode dizer é que os tribunais portugueses seriam internacionalmente competentes se essa Ré tiver a sua sede em Portugal (art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012) ou se o incumprimento contratual ou o facto ilícito tiver ocorrido em Portugal (art. 5.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1 e 2, Reg. 1215/2012). Tendo, muito provavelmente a Ré L sede num Estado-Membro (se não mesmo em Portugal), qualquer referência ao disposto nos art. 59.º, 62.º, n.º 1, al. a), e 71.º, n.º 1, CPC é deslocada.
MTS