Poderes da Relação;
modificabilidade da decisão de facto
1. O sumário de STJ 18/10/2018 (1295/11.0TBMCN.P1.S2) é o seguinte:
I – O princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.
II – Este poder-dever cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, mas estende-se igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ª instância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo.
III – Tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova.
IV – A renovação da prova terá lugar “quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”; já a produção de novos meios de prova cabimento “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”.
V – O princípio do inquisitório coexiste com outros igualmente consagrados no nosso CPC, como sejam “os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado, para de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.”
VI – Se momento do embate, o lesado, motociclista, não usava capacete de proteção e se, tendo embatido no asfalto, sofreu lesões que se situaram sobretudo no crânio, é adequado atribuir-lhe a percentagem de 30% de culpa na produção/ agravamento dos danos que sofreu, nos termos do art. 570º, nº 1 do C. Civil, com a inerente redução da indemnização.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A boa compreensão do que os recorrentes sustentam acerca desta questão reclama uma breve síntese do que se passou quanto ao facto agora descrito como provado sob o nº 43.
O Tribunal de 1ª instância consagrara como verdadeira a versão que dele haviam apresentado os autores no art. 40º da p. i., ou seja, julgara como provado na sentença que “À data do acidente, BB trabalhava para a empresa “DD”, com sede em … 9 3 DH, em Espanha, ao serviço da qual auferia uma retribuição média mensal líquida de € 1.500,00”.
No recurso de apelação que contra ela interpôs, a ré impugnou a decisão proferida sobre esse facto, sustentando que o mesmo, ao invés do considerado, devia ser julgado como não provado.
Conhecendo dessa impugnação, o acórdão recorrido, dando-lhe procedência parcial, julgou como provado apenas o que agora consta no nº 43 que, relembremos, tem o seguinte teor:
“O autor BB auferia, pelo menos, a retribuição anual de € 7.666,68”.
E é contra esta decisão que os recorrentes verdadeiramente se insurgem, o que revelam, desde logo, nas conclusões 7ª a 9ª onde atribuem erro de julgamento ao acórdão recorrido quanto a este facto. [...]
E radicam tal violação na alegada circunstância de, tendo o Tribunal da Relação ficado “com dúvidas” (sic) acerca da verdade do facto tal como fora por eles alegado, não ter determinado, contra o que seria imposto pelo princípio do inquisitório, a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para “a realização de novas diligências probatórias adequadas ao esclarecimento” desse mesmo facto.
Sem razão.
Agora integrando o Título V “Da instrução do processo”, o princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, em cujo domínio opera, como flui do art. 411º, segundo o qual “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, toda as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
Vem-se entendendo que se está, não perante um poder de exercício discricionário por parte do juiz, mas perante um poder-dever que se lhe impõe com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio. [Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 208]
Cabendo com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, o exercício do poder inquisitório estende-se igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ª instância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo.
Com efeito, tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos, o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente para evidenciar o erro de julgamento que atribui à 1ª instância, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova, nos termos previstos no art. 662º, nº 2, alíneas a) e b). [...]
O primeiro dos enunciados mecanismos terá lugar “quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”.
Já o segundo terá cabimento “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”.
A “dúvida” suscetível de justificar o uso do primeiro destes mecanismos não é a que incida sobre a prova dos factos, mas sobre a credibilidade a atribuir a certo depoente ou sobre o significado e sentido das declarações que prestou.
Por seu lado, a produção de novos meios de prova justifica-se quando a Relação “percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares.” [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 296]
Em qualquer dos casos não se está “perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à Relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objectividade (…)
Afinal, a alteração legislativa não modificou as regras de distribuição do ónus da prova que se colhem do direito material, nem aboliu os efeitos que emanam de um sistema em que predomina o princípio do dispositivo (e também o da aquisição processual, nos termos do art. 413º). Igualmente não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados só pela livre iniciativa da parte” [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 296].
A este propósito lê-se no acórdão impugnado:
I – O princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, constituindo um poder-dever que se impõe ao juiz com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.
II – Este poder-dever cabe com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, mas estende-se igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ª instância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo.
III – Tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova.
IV – A renovação da prova terá lugar “quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”; já a produção de novos meios de prova cabimento “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”.
V – O princípio do inquisitório coexiste com outros igualmente consagrados no nosso CPC, como sejam “os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado, para de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.”
VI – Se momento do embate, o lesado, motociclista, não usava capacete de proteção e se, tendo embatido no asfalto, sofreu lesões que se situaram sobretudo no crânio, é adequado atribuir-lhe a percentagem de 30% de culpa na produção/ agravamento dos danos que sofreu, nos termos do art. 570º, nº 1 do C. Civil, com a inerente redução da indemnização.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A boa compreensão do que os recorrentes sustentam acerca desta questão reclama uma breve síntese do que se passou quanto ao facto agora descrito como provado sob o nº 43.
O Tribunal de 1ª instância consagrara como verdadeira a versão que dele haviam apresentado os autores no art. 40º da p. i., ou seja, julgara como provado na sentença que “À data do acidente, BB trabalhava para a empresa “DD”, com sede em … 9 3 DH, em Espanha, ao serviço da qual auferia uma retribuição média mensal líquida de € 1.500,00”.
No recurso de apelação que contra ela interpôs, a ré impugnou a decisão proferida sobre esse facto, sustentando que o mesmo, ao invés do considerado, devia ser julgado como não provado.
Conhecendo dessa impugnação, o acórdão recorrido, dando-lhe procedência parcial, julgou como provado apenas o que agora consta no nº 43 que, relembremos, tem o seguinte teor:
“O autor BB auferia, pelo menos, a retribuição anual de € 7.666,68”.
E é contra esta decisão que os recorrentes verdadeiramente se insurgem, o que revelam, desde logo, nas conclusões 7ª a 9ª onde atribuem erro de julgamento ao acórdão recorrido quanto a este facto. [...]
E radicam tal violação na alegada circunstância de, tendo o Tribunal da Relação ficado “com dúvidas” (sic) acerca da verdade do facto tal como fora por eles alegado, não ter determinado, contra o que seria imposto pelo princípio do inquisitório, a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para “a realização de novas diligências probatórias adequadas ao esclarecimento” desse mesmo facto.
Sem razão.
Agora integrando o Título V “Da instrução do processo”, o princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, em cujo domínio opera, como flui do art. 411º, segundo o qual “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, toda as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
Vem-se entendendo que se está, não perante um poder de exercício discricionário por parte do juiz, mas perante um poder-dever que se lhe impõe com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio. [Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 208]
Cabendo com particular acuidade ao juiz de 1ª instância, o exercício do poder inquisitório estende-se igualmente às Relações, tribunais que, como os de 1ª instância, conhecem da matéria de facto em recurso que para eles seja interposto contra a decisão proferida neste campo.
Com efeito, tendo o objeto do seu conhecimento delimitado pelos concretos pontos de facto que o recorrente, ao abrigo do princípio do dispositivo, tenha indicado como incorretamente julgados, já no tocante à averiguação desses mesmos factos, o Tribunal da Relação não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelo recorrente para evidenciar o erro de julgamento que atribui à 1ª instância, dispondo, aqui, de amplo poder inquisitório no âmbito do qual pode recorrer à renovação da prova ou à produção de novos meios de prova, nos termos previstos no art. 662º, nº 2, alíneas a) e b). [...]
O primeiro dos enunciados mecanismos terá lugar “quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento”.
Já o segundo terá cabimento “em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada”.
A “dúvida” suscetível de justificar o uso do primeiro destes mecanismos não é a que incida sobre a prova dos factos, mas sobre a credibilidade a atribuir a certo depoente ou sobre o significado e sentido das declarações que prestou.
Por seu lado, a produção de novos meios de prova justifica-se quando a Relação “percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares.” [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 296]
Em qualquer dos casos não se está “perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à Relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objectividade (…)
Afinal, a alteração legislativa não modificou as regras de distribuição do ónus da prova que se colhem do direito material, nem aboliu os efeitos que emanam de um sistema em que predomina o princípio do dispositivo (e também o da aquisição processual, nos termos do art. 413º). Igualmente não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados só pela livre iniciativa da parte” [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 296].
A este propósito lê-se no acórdão impugnado:
“2.5.2. Quanto aos rendimentos do autor
O Tribunal a quo deu como provado que:
15. Do salário mensal líquido que auferia, BB entregava à A., sua mulher, a quantia média mensal de € 500,00.
43. À data do acidente, BB trabalhava para a empresa “DD, Soc”, com sede em … 9 3 DH, em Espanha, ao serviço da qual auferia uma retribuição média mensal líquida de € 1.500,00.
Salvo todo o respeito devido, não podemos deixar de estranhar o facto de o autor ter alegado no artigo 40.º da petição, que auferia “retribuição média mensal líquida superior a €1.500”, sem juntar um único documento, nomeadamente um recibo de vencimento.
A estranheza mantém-se quando, perante a persistência da omissão probatória do autor, em requerimento de 29.04.2013 veio a ré solicitar ao Tribunal: «Para prova da matéria constante dos quesitos 25º, 34º, 36º e 37º da Base Instrutória requer que o A junte cópia do seu IRS dos anos de 2009, 2010 e 2011».
E foi apenas na sequência de despacho de 20.05.2013, que o autor juntou as declarações de IRS.
Como bem refere a ré, das declarações de rendimentos (IRS) constantes dos autos a fls. 137 e seguintes resulta que António Carneiro declarou no ano de 2009 uma retribuição anual de € 7.666,68 e que no ano de 2010 e 2011 nada foi declarado.
O acidente ocorreu em 07.08.2010, e o autor manteve a sua omissão, não juntando, quer na fase de instrução, quer na fase de julgamento, um único recibo referente ao salário auferido na empresa “DD”, referente aos meses anteriores ao acidente.
A Mª Juíza deu como provado que o autor auferia as referidas quantias, com base nas declarações do filho, II.
No entanto, com todo o respeito, do referido depoimento (que voltamos a transcrever no segmento relevante) nada de concreto nem de seguro se retira:
Ilustre mandatário dos autores: «Sim. Faz ideia daquilo que ele ganhava? Tem ideia aproximada daquilo que era o vencimento do seu pai? Ele tinha um vencimento fixo ou trabalhava à hora?»
Testemunha: «Acho que era à hora».
Mandatário: «À hora».
Testemunha: «Se não estou enganado era à hora».
Mandatário: «Quanto é que ele trazia para casa por mês, em média?»
Testemunha «Por mês, e em média? À volta de mil e quinhentos euros».
Mandatário: «Na ordem dos mil e quinhentos euros?»
Testemunha: «Sim, ele ainda dava quinhentos euros à minha mãe».
O mesmo acontece com o depoimento da testemunha JJ que, quando a questão lhe é colocada, começa por responder assim:
Ilustre mandatário (21:00): «Quanto é que ganha qualquer pessoa que trabalhe em Espanha, com a profissão dele (BB), quanto é que pode ganhar senhor JJ?»
Testemunha: «Não faço a mínima ideia, não sei…»
Em suma, ou porque o autor deliberadamente não quis juntar qualquer recibo de vencimento, ou por omissão negligente, a verdade é que não foi produzida qualquer prova segura quanto ao salário do autor.
E teria sido tão simples! Bastava um qualquer recibo de retribuição mensal.
O Tribunal não pode prescindir dum grande rigor no que respeita à prova e, in casu, há que considerar que se trata de um meio probatório simples, ao alcance de quem alega um facto (o seu montante salarial).
É certo que a prova testemunhal poderia suprir tal omissão, mas fará sentido numa questão de retribuição necessariamente titulada por documento?
E fará sentido suportar a resposta afirmativa nas meras declarações dum filho, que nem sequer saber se o pai trabalhava “à hora” ou ao mês?
Acresce que, para além de não termos nos autos qualquer recibo, não há qualquer outra declaração da entidade empregadora, que nos permita, sequer, dar como provado o vínculo laboral.
Na persistência da dúvida (cujo esclarecimento, repete-se, estava ao alcance dos autores) tal incerteza não pode deixar de prejudicar a posição daquele sobre quem incide o ónus da prova (autor), como preceitua o artigo 414.º do Código de Processo Civil.
Concluindo, em boa consciência não poderemos deixar de dar uma resposta restritiva ao facto 43: provado apenas que o autor BB auferia, pelo menos, a retribuição anual de € 7.666,68.
Procede o recurso parcialmente, nos termos referidos.”
Isto mostra que o Tribunal da Relação teve como manifestamente insuficiente para formar convicção fundada no sentido da verdade do facto, tal como a 1ª instância o julgara, o único elemento probatório que o corroborava – o depoimento testemunhal do filho do autor, para cuja falta de conhecimento dos factos apontava a circunstância de não ter a certeza se o pai era remunerado à hora ou se tinha vencimento certo.
Os Julgadores ficaram, como afirmam no acórdão, na dúvida sobre a verdade do facto na versão que dele haviam dado os autores e, por isso, julgaram-no como provado, mas restritivamente, nada permitindo, no entanto, intuir que hajam perspetivado a possibilidade da superação dessa mesma dúvida através da produção de diligência probatória suplementar.
Os Julgadores ficaram, como afirmam no acórdão, na dúvida sobre a verdade do facto na versão que dele haviam dado os autores e, por isso, julgaram-no como provado, mas restritivamente, nada permitindo, no entanto, intuir que hajam perspetivado a possibilidade da superação dessa mesma dúvida através da produção de diligência probatória suplementar.
E, perante as vicissitudes salientadas na acima transcrita fundamentação, em termos objetivos, não vemos também que pudesse ter-se percecionado a existência de qualquer outro elemento probatório que os autores – sobre quem impendia, sob pena de preclusão, o ónus de apresentar até certo momento processual as provas disponíveis – não pudessem e devessem ter carreado para os autos.
A entender-se de outro modo, estava descoberta a forma de, por esta via, se colmatarem insuficiências e falhas cometidas pelas partes na instrução do processo.
É que, importa não olvidar, o princípio do inquisitório coexiste com outros igualmente consagrados no nosso CPC, como sejam “os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado, para de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.” [ Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 484]
Importa ainda salientar que os recorrentes se limitaram a dirigir críticas aos Julgadores do Tribunal das Relação por não terem superado, por via de novas diligências probatórias, as dúvidas em que ficaram quanto à verdade do facto que a eles, autores, cabia provar; não ensaiaram, sequer, especificar que novos elementos de prova poderiam ser ainda, oficiosamente, carreados para os autos.
Não se vislumbra, assim, que ao Tribunal da Relação coubesse, em obediência ao preceituado na alínea b), do nº 2 do art. 662º, ordenar a produção de novos meios de prova.
E, muito menos, seria caso de o tribunal recorrido remeter os autos à 1ª instância para produção de prova sobre o dito facto, pois que tal apenas teria cabimento no caso, não verificado, de haver fundamento para a anulação da decisão proferida sobre os factos, nos termos da alínea c) do nº 2 do mesmo art. 662º.
Improcede, desta sorte, a argumentação dos recorrentes, não podendo imputar-se ao acórdão sob recurso violação do princípio do inquisitório."
[MTS]