Confissão extrajudicial;
documento autentico; ilisão*
1. O sumário de STJ 14/5/2019 (930/12.7TBPVZ.P1.S1) é o seguinte:
I - Tem força probatória plena a confissão extrajudicial do pagamento de tornas, confissão essa exarada pelo confitente em documento autêntico (escritura pública de partilha) e feita à parte contrária (arts. 358.º, n.os 1 e 2 do CC).
II - A força probatória plena dessa confissão pode ser destruída com base na falsidade do documento (arts. 372.º, n.º 1, do CC) ou mediante a invocação de factos integrativos de falta ou de vício da vontade que determinem a nulidade ou anulação da confissão (art. 359.º do CC).
III - Não tendo os autores provado a falsidade do documento nem os elementos integradores da falta ou vício da vontade, a acção não pode proceder.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso, absolvendo o Réus do pedido, com a seguinte fundamentação:
“Nas escrituras notariais, o pagamento de prestação pecuniária declarado pelas partes e que deles constar, apenas faz prova plena se o pagamento tiver sido feito na presença do notário e se este assim o atestar. (…)
Como assim, não constando da escritura junta aos autos que a entrega da quantia em causa ocorreu na presença da respectiva ..., mas apenas que “os outorgantes declararam…as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante’’, autora nesta acção, não se pode dar como provado que esse pagamento ocorreu, efectivamente, apenas com base na referida escritura pública.
Aquela declaração, assim documentada na escritura pública de partilha constitui confissão nos termos do artigo 352.° do CCivil, ou seja, trata-se de confissão extrajudicial nos termos constantes do artigo 355.°, n° 4 do mesmo diploma legal.
Ora, quanto à força probatória material de confissão extrajudicial estatuiu o artigo 358.°, n° 2 do CCivil que:
“A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Quer isto dizer que a escritura pública, ainda que não faça prova da realidade do pagamento das tornas devidas à autora, fá-la da confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via, a realidade de tal pagamento. Trata-se, sublinhe-se, de força probatória plena, já que a declaração documentada na escritura pública é feita à parte contrária.
Ora, tendo os Réus/recorrentes a seu favor a referida declaração confessória, isto é, subsistindo intocada a declaração de quitação enquanto confissão extrajudicial dotada de força probatória plena, cabia aos autores fazer prova de que não haviam já recebido antes as tornas que seriam devidas pelo co-herdeiro réu marido- art°s 5°, n° l e 414°, NCPC e art° 342°, n° l, do Código Civil de 1966. Efectivamente, este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício da vontade (erro, dolo, coacção, simulação, etc.)”. (…)
Quanto à falsidade intrínseca do teor do declarado pela autora à Notaria, segunda ré, na escritura pública de partilha nada do alegado pelos autores ficou provado- facto g). Obviamente, tal alegação é contraditória com um pretenso alegado erro ou percepção (sabe-se lá qual) da ....
Restava, então, a prova – cujo ónus cabia aos autores, nos termos do art° 342°, n° l, CC- dos factos essenciais do erro na declaração da autora, relativo ao recebimento antecipado das tornas, gerador de anulabilidade dessa declaração e daí resultando a respectiva subsunção jurídica prevista nos art°s 247°, 287° e 292° CC..
Ora, esta matéria foi dada como não provada no ponto h) da sentença.
Os autores não recorreram de forma independente ou subordinada da sentença recorrida, nos termos do art° 633°, n° l, NCPC, nem requereram nas contra-alegações a ampliação do objecto do recurso interposto pelos réus, para os efeitos do art° 636°, n°s 1 e 2, NCPC.
Carece assim de factos provados a declaração de falsidade parcial da aludida escritura pública de partilhas e a condenação dos primeiros réus proferida pelo tribunal a quo”.
Alegam os Recorrentes que o acórdão recorrido decidiu com base em factos que não correspondem aos dos autos, já que não existiu qualquer declaração confessória, pois não consta da escritura que «os outorgantes declararam … as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante». O que consta na escritura é apenas a expressão: “Pagamento de Tornas - As tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”.
Não alinhamos com a argumentação dos Recorrentes, já que a mesma se baseia num pormenor interpretativo sem qualquer fundamento.
Com efeito, consta expressamente da respectiva escritura que “as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”. Como resulta dos artºs 46, nº 1, al. l), 50º, nºs 1 e 3 do Código do Notariado, e do próprio instrumento notarial (bem como do ponto 6 do probatório) foi feita aos outorgantes a leitura da escritura e a explicação do seu conteúdo. Por isso, tendo os recorrentes concordado com o seu conteúdo e assinado, como podem agora, vir agora afirmar que nunca proferiram uma declaração confessória de que as tornas já estavam pagas.
É óbvio que estamos perante uma declaração feita pelos outorgantes na respectiva escritura de partilhas e o seu conteúdo traduz uma confissão do pagamento das tornas - artº 352º do CCivil. Assim, estamos perante uma confissão extrajudicial (artº 355º, nº 4 do CCivil) feita em documento autêntico, sendo que sobre a sua força probatória material, estatui o artº 358º, nº 2 que:
“A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Ou seja, a escritura pública embora não faça prova da realidade do pagamento das tornas devidas à autora, fá-la da confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via, a realidade de tal pagamento. E trata-se de força probatória plena, já que a declaração, documentada na escritura pública é feita à parte contrária. E como resultado dessa força probatória plena o facto confessado ter-se-ia em princípio, de considerar como provado, sem poderem ser admitidas outras provas para isso contrariar (designadamente a prova testemunhal). [Neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 16/12/2011, proc. nº 2916/06 e de 17/04/2018, processo nº 617/12, disponíveis em www.dgsi.pt. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado , anotação ao artº 358º]
Este regime de prova plena não impede, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à verdade e que a sua vontade foi afectada por qualquer vício (erro, dolo, coacção, simulação, etc.).
Como se refere citado Acórdão do STJ de 17/04/2018, “para infirmar a confissão não basta a alegação e a prova da inexactidão ou da não verificação do facto reconhecido, antes há-de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou acerca dele ou que foi vítima de outra causa de falta ou de vício da vontade”. [No mesmo entendimento o acórdão do STJ de 06/12/2011, proc. nº 2916/06, in www.dgsi.pt]
Deste modo, tendo os Réus/recorrentes a seu favor a referida declaração confessória, isto é, subsistindo intocada a declaração de quitação enquanto confissão extrajudicial dotada de força plena, cabia aos Autores fazer aquela prova.
Ora, os Autores instauraram uma acção judicial pedindo a falsidade da escritura de partilhas, ou, se assim não se entendesse, que fosse declarada a sua falsidade parcial, na parte em que se refere “as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”.
Neste caso não está em causa a fé pública do documento enquanto tal, que confere prova plena a respeito das declarações prestadas perante a entidade documentadora) – art. 371º, nº 1 do CCivil.
Ou seja, no caso sub judice a falsidade invocada não respeita propriamente à fonte, mas sim ao seu conteúdo, ou seja, às declarações negociais prestadas perante a autoridade documentadora. Com efeito, os Autores formularam os seguintes pedidos:
a) Seja julgada procedente, por provada, a falsidade total da escritura de partilhas identificada nos art.°s 11° e 25° desta peça;
b) Ou, se assim não se entender, seja declarada a sua falsidade parcial, na parte em que se refere “às tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”;
c) E, em qualquer dos casos, sejam os primeiros Réus condenados a pagar aos Autores a quantia de € 46.970,31 (quarenta e seis mil, novecentos e setenta euros e trinta e um cêntimo), a contar de juros desde a data constante da escritura de partilhas – 14/02/2006 – até ao efectivo e integral pagamento.
Mas, os Autores não provaram, como lhes competia, a falsidade do teor do declarado na escritura de partilha, pois todas estas alegações em que se fundaram foram consideradas não provadas.
Efectivamente, como dispõe o nº 1 do artº 372º do CCivil “A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na respectiva falsidade”. E o nº 2 acrescenta que “O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi”.
Ora nada disto se passou, já que o notário fez constar da respectiva escritura a realidade dos verificados no acto da sua realização.
Assim, não se tendo provado a falsidade da escritura (nem total ou parcial) e sendo certo que o pedido dos Autores se estriba na precisamente no reconhecimento dessa falsidade, a acção nunca poderia proceder.
Restava então aos autores a prova dos factos essenciais do erro ou de outra causa de falta ou vício da vontade na declaração da Autora (confitente), relativa ao recebimento antecipado das tornas. Ou seja, para que a confissão pudesse ser impugnada haveria de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou ou foi vítima de falta ou de vício da vontade. A prova nestas circunstâncias, não é, porém, propriamente, a que se destina a contrariar directamente a declaração confessória, mas sim a que tem por escopo demonstrar o erro, falta ou vício da vontade do confitente nessa declaração.
Ora, percorrendo a petição inicial, não se vislumbra que os Autores tenham alegado que ao produzir aí a referida declaração, haja incorrido em erro, ou que essa declaração estivesse inquinada de falta ou vício de vontade do respectivo declarante.
Nem esta matéria foi dada como provada.
Deste modo, não tendo os Autores provado estes factos, e, por outro lado, mantendo-se a confissão extrajudicial com força probatória plena, não pode proceder o pedido de falsidade (ainda que parcial) da escritura, nem a o pedido de condenação dos primeiros Réus.
Alegam ainda os Recorrentes, que ficou provado (ponto 5) e não foi impugnado pelos réus no recurso que “Pese embora ficasse consignado na escritura que “Pagamento de tornas – As tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”, os autores não receberam qualquer valor a título de tornas.
Importa dizer, no entanto, que deste facto não resulta necessariamente que as tornas eram devidas e que os primeiros Réus estejam obrigados ao seu pagamento.
Os Autores e os primeiros Réus apresentam justificações diferentes para essa declaração e para a falta de pagamento.
No entanto, do probatório não resultam factos demonstrativos da obrigatoriedade do pagamento de tornas e qual o seu montante. Ao invés, importa sublinhar que, na fundamentação da sentença, o tribunal de 1ª instância, proclama que “ficou provado que nunca as partes abordaram entre si a questão das tornas”, o que leva a crer que as mesmas não seriam devidas.
De qualquer modo, incumbia aos Autores a prova de que as partes convencionaram o pagamento de tornas e qual o seu montante, facto que não lograram demonstrar (artº 342º, nº 1 do CCivil)."
*3. [Comentário] O STJ decidiu bem a situação sub iudice (comprovando, aliás, que a confissão extrajudicial constante de documento autêntico tem valor de prova plena, e não de prova pleníssima). Cabia aos autores ilidirem o valor probatório da confissão que eles mesmos tinham feito quanto ao recebimento das tornas; não tendo produzido prova da falsidade da escritura pública, nem de qualquer erro na sua declaração, a acção só poderia ser julgada improcedente.
Apenas não se percebe como é que o decidido é compatível com o seguinte facto considerado provado: "Pese embora ficasse consignado na escritura que “Pagamento de tornas – As tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”, os autores não receberam qualquer valor a título de tornas".
MTS
I - Tem força probatória plena a confissão extrajudicial do pagamento de tornas, confissão essa exarada pelo confitente em documento autêntico (escritura pública de partilha) e feita à parte contrária (arts. 358.º, n.os 1 e 2 do CC).
II - A força probatória plena dessa confissão pode ser destruída com base na falsidade do documento (arts. 372.º, n.º 1, do CC) ou mediante a invocação de factos integrativos de falta ou de vício da vontade que determinem a nulidade ou anulação da confissão (art. 359.º do CC).
III - Não tendo os autores provado a falsidade do documento nem os elementos integradores da falta ou vício da vontade, a acção não pode proceder.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso, absolvendo o Réus do pedido, com a seguinte fundamentação:
“Nas escrituras notariais, o pagamento de prestação pecuniária declarado pelas partes e que deles constar, apenas faz prova plena se o pagamento tiver sido feito na presença do notário e se este assim o atestar. (…)
Como assim, não constando da escritura junta aos autos que a entrega da quantia em causa ocorreu na presença da respectiva ..., mas apenas que “os outorgantes declararam…as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante’’, autora nesta acção, não se pode dar como provado que esse pagamento ocorreu, efectivamente, apenas com base na referida escritura pública.
Aquela declaração, assim documentada na escritura pública de partilha constitui confissão nos termos do artigo 352.° do CCivil, ou seja, trata-se de confissão extrajudicial nos termos constantes do artigo 355.°, n° 4 do mesmo diploma legal.
Ora, quanto à força probatória material de confissão extrajudicial estatuiu o artigo 358.°, n° 2 do CCivil que:
“A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Quer isto dizer que a escritura pública, ainda que não faça prova da realidade do pagamento das tornas devidas à autora, fá-la da confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via, a realidade de tal pagamento. Trata-se, sublinhe-se, de força probatória plena, já que a declaração documentada na escritura pública é feita à parte contrária.
Ora, tendo os Réus/recorrentes a seu favor a referida declaração confessória, isto é, subsistindo intocada a declaração de quitação enquanto confissão extrajudicial dotada de força probatória plena, cabia aos autores fazer prova de que não haviam já recebido antes as tornas que seriam devidas pelo co-herdeiro réu marido- art°s 5°, n° l e 414°, NCPC e art° 342°, n° l, do Código Civil de 1966. Efectivamente, este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício da vontade (erro, dolo, coacção, simulação, etc.)”. (…)
Quanto à falsidade intrínseca do teor do declarado pela autora à Notaria, segunda ré, na escritura pública de partilha nada do alegado pelos autores ficou provado- facto g). Obviamente, tal alegação é contraditória com um pretenso alegado erro ou percepção (sabe-se lá qual) da ....
Restava, então, a prova – cujo ónus cabia aos autores, nos termos do art° 342°, n° l, CC- dos factos essenciais do erro na declaração da autora, relativo ao recebimento antecipado das tornas, gerador de anulabilidade dessa declaração e daí resultando a respectiva subsunção jurídica prevista nos art°s 247°, 287° e 292° CC..
Ora, esta matéria foi dada como não provada no ponto h) da sentença.
Os autores não recorreram de forma independente ou subordinada da sentença recorrida, nos termos do art° 633°, n° l, NCPC, nem requereram nas contra-alegações a ampliação do objecto do recurso interposto pelos réus, para os efeitos do art° 636°, n°s 1 e 2, NCPC.
Carece assim de factos provados a declaração de falsidade parcial da aludida escritura pública de partilhas e a condenação dos primeiros réus proferida pelo tribunal a quo”.
Alegam os Recorrentes que o acórdão recorrido decidiu com base em factos que não correspondem aos dos autos, já que não existiu qualquer declaração confessória, pois não consta da escritura que «os outorgantes declararam … as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante». O que consta na escritura é apenas a expressão: “Pagamento de Tornas - As tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”.
Não alinhamos com a argumentação dos Recorrentes, já que a mesma se baseia num pormenor interpretativo sem qualquer fundamento.
Com efeito, consta expressamente da respectiva escritura que “as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”. Como resulta dos artºs 46, nº 1, al. l), 50º, nºs 1 e 3 do Código do Notariado, e do próprio instrumento notarial (bem como do ponto 6 do probatório) foi feita aos outorgantes a leitura da escritura e a explicação do seu conteúdo. Por isso, tendo os recorrentes concordado com o seu conteúdo e assinado, como podem agora, vir agora afirmar que nunca proferiram uma declaração confessória de que as tornas já estavam pagas.
É óbvio que estamos perante uma declaração feita pelos outorgantes na respectiva escritura de partilhas e o seu conteúdo traduz uma confissão do pagamento das tornas - artº 352º do CCivil. Assim, estamos perante uma confissão extrajudicial (artº 355º, nº 4 do CCivil) feita em documento autêntico, sendo que sobre a sua força probatória material, estatui o artº 358º, nº 2 que:
“A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Ou seja, a escritura pública embora não faça prova da realidade do pagamento das tornas devidas à autora, fá-la da confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via, a realidade de tal pagamento. E trata-se de força probatória plena, já que a declaração, documentada na escritura pública é feita à parte contrária. E como resultado dessa força probatória plena o facto confessado ter-se-ia em princípio, de considerar como provado, sem poderem ser admitidas outras provas para isso contrariar (designadamente a prova testemunhal). [Neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 16/12/2011, proc. nº 2916/06 e de 17/04/2018, processo nº 617/12, disponíveis em www.dgsi.pt. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado , anotação ao artº 358º]
Este regime de prova plena não impede, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à verdade e que a sua vontade foi afectada por qualquer vício (erro, dolo, coacção, simulação, etc.).
Como se refere citado Acórdão do STJ de 17/04/2018, “para infirmar a confissão não basta a alegação e a prova da inexactidão ou da não verificação do facto reconhecido, antes há-de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou acerca dele ou que foi vítima de outra causa de falta ou de vício da vontade”. [No mesmo entendimento o acórdão do STJ de 06/12/2011, proc. nº 2916/06, in www.dgsi.pt]
Deste modo, tendo os Réus/recorrentes a seu favor a referida declaração confessória, isto é, subsistindo intocada a declaração de quitação enquanto confissão extrajudicial dotada de força plena, cabia aos Autores fazer aquela prova.
Ora, os Autores instauraram uma acção judicial pedindo a falsidade da escritura de partilhas, ou, se assim não se entendesse, que fosse declarada a sua falsidade parcial, na parte em que se refere “as tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”.
Neste caso não está em causa a fé pública do documento enquanto tal, que confere prova plena a respeito das declarações prestadas perante a entidade documentadora) – art. 371º, nº 1 do CCivil.
Ou seja, no caso sub judice a falsidade invocada não respeita propriamente à fonte, mas sim ao seu conteúdo, ou seja, às declarações negociais prestadas perante a autoridade documentadora. Com efeito, os Autores formularam os seguintes pedidos:
a) Seja julgada procedente, por provada, a falsidade total da escritura de partilhas identificada nos art.°s 11° e 25° desta peça;
b) Ou, se assim não se entender, seja declarada a sua falsidade parcial, na parte em que se refere “às tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”;
c) E, em qualquer dos casos, sejam os primeiros Réus condenados a pagar aos Autores a quantia de € 46.970,31 (quarenta e seis mil, novecentos e setenta euros e trinta e um cêntimo), a contar de juros desde a data constante da escritura de partilhas – 14/02/2006 – até ao efectivo e integral pagamento.
Mas, os Autores não provaram, como lhes competia, a falsidade do teor do declarado na escritura de partilha, pois todas estas alegações em que se fundaram foram consideradas não provadas.
Efectivamente, como dispõe o nº 1 do artº 372º do CCivil “A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na respectiva falsidade”. E o nº 2 acrescenta que “O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi”.
Ora nada disto se passou, já que o notário fez constar da respectiva escritura a realidade dos verificados no acto da sua realização.
Assim, não se tendo provado a falsidade da escritura (nem total ou parcial) e sendo certo que o pedido dos Autores se estriba na precisamente no reconhecimento dessa falsidade, a acção nunca poderia proceder.
Restava então aos autores a prova dos factos essenciais do erro ou de outra causa de falta ou vício da vontade na declaração da Autora (confitente), relativa ao recebimento antecipado das tornas. Ou seja, para que a confissão pudesse ser impugnada haveria de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou ou foi vítima de falta ou de vício da vontade. A prova nestas circunstâncias, não é, porém, propriamente, a que se destina a contrariar directamente a declaração confessória, mas sim a que tem por escopo demonstrar o erro, falta ou vício da vontade do confitente nessa declaração.
Ora, percorrendo a petição inicial, não se vislumbra que os Autores tenham alegado que ao produzir aí a referida declaração, haja incorrido em erro, ou que essa declaração estivesse inquinada de falta ou vício de vontade do respectivo declarante.
Nem esta matéria foi dada como provada.
Deste modo, não tendo os Autores provado estes factos, e, por outro lado, mantendo-se a confissão extrajudicial com força probatória plena, não pode proceder o pedido de falsidade (ainda que parcial) da escritura, nem a o pedido de condenação dos primeiros Réus.
Alegam ainda os Recorrentes, que ficou provado (ponto 5) e não foi impugnado pelos réus no recurso que “Pese embora ficasse consignado na escritura que “Pagamento de tornas – As tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”, os autores não receberam qualquer valor a título de tornas.
Importa dizer, no entanto, que deste facto não resulta necessariamente que as tornas eram devidas e que os primeiros Réus estejam obrigados ao seu pagamento.
Os Autores e os primeiros Réus apresentam justificações diferentes para essa declaração e para a falta de pagamento.
No entanto, do probatório não resultam factos demonstrativos da obrigatoriedade do pagamento de tornas e qual o seu montante. Ao invés, importa sublinhar que, na fundamentação da sentença, o tribunal de 1ª instância, proclama que “ficou provado que nunca as partes abordaram entre si a questão das tornas”, o que leva a crer que as mesmas não seriam devidas.
De qualquer modo, incumbia aos Autores a prova de que as partes convencionaram o pagamento de tornas e qual o seu montante, facto que não lograram demonstrar (artº 342º, nº 1 do CCivil)."
*3. [Comentário] O STJ decidiu bem a situação sub iudice (comprovando, aliás, que a confissão extrajudicial constante de documento autêntico tem valor de prova plena, e não de prova pleníssima). Cabia aos autores ilidirem o valor probatório da confissão que eles mesmos tinham feito quanto ao recebimento das tornas; não tendo produzido prova da falsidade da escritura pública, nem de qualquer erro na sua declaração, a acção só poderia ser julgada improcedente.
Apenas não se percebe como é que o decidido é compatível com o seguinte facto considerado provado: "Pese embora ficasse consignado na escritura que “Pagamento de tornas – As tornas já foram recebidas pela primeira outorgante”, os autores não receberam qualquer valor a título de tornas".
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