"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/11/2019

Jurisprudência 2019 (113)


Injunção; requerimento;
causa de pedir; ineptidão

1. O sumário de RL 16/5/2019 (89078/18.6YIPRT-A.L1-6) é o seguinte: 

I – Na injunção, sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de indicação de causa de pedir, o requerente deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei ao dispensar a pormenorizada alegação de facto, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, não postergou, com tal agilização, os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.

II - No procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos [Injunção] e nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias [AECOPs] com origem naquele procedimento, em que a pretensão do requerente/autor só pode emergir de uma transacção comercial fundada num contrato ou numa pluralidade de contratos, a narrativa da causa de pedir não pode deixar de conter o conteúdo essencial das declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do incumprimento por parte do requerido.

III – Tratando-se de transacção comercial necessariamente sujeita a facturação, nos termos do Código do IVA [art. 29.º], deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tal factura, e acompanhar o requerimento injuntivo, por se tratar da alegação de factos e de documento que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção, sob pena de se verificarem as excepções dilatórios inominadas de falta de condição da acção [inexistência de relação entre a situação de facto deduzida em juízo e o regime legal invocado, emergente do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio – artigos 2.º, n.º 4, 3.º, alíneas b), c) e d) e 5.º, n.ºs 1, alíneas a), e b) e 4, conjugados com o art.º 10.º, n.º 2, alínea d), do Dec.-Lei n.º 169/98, de 1 de Set.] e de falta pressuposto processual [inexistência de factura inerente à «transacção comercial», documento essencial de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da acção].

IV – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comportam o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.

VI - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.

VII - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

VIII- As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"In casu, a indicação, pelo Requerente/Autor, como causa de pedir, de “contrato de fornecimento de bens ou serviços” não passa de mera qualificação jurídica, pelo que não satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir.

A data do fornecimento dos bens ou serviços é susceptível de relevar em sede de causa de pedir, porque pode funcionar como elemento temporalmente delimitador da constituição do direito de crédito invocado.

Tendo o Requerente/Autor optado pela apresentação do requerimento de injunção através de ficheiro infor­mático ou correio electrónico, em que inexiste limite de linhas relativas à descrição dos factos integrantes da causa de pedir, nada o impedia de ter concretizado, com o necessário detalhe, os factos integradores da causa de pedir.

Certo é que não expressando o requerimento injuntivo, embora sucintamente, os factos integrantes da causa de pedir, o requerente corre o risco, na eventual apreciação jurisdicional subsequente, seja na acção declarativa de condenação com processo especial [AECOPs], seja nos embargos de executado, de ser confrontado com uma decisão desfavorável, isto é, não lograr êxito na sua pretensão.

Desta sorte, aplicando em sede de procedimento de injunção os comandos contidos nos art.ºs 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, al. d), do CPC., dúvidas não há de que o requerente deve expor no requerimento, no local a tal destinado e por forma necessariamente sucinta, os factos que servem de fundamento à sua pretensão, devendo considerar-se como tais os que, em regra, se afiguram constitutivos do seu direito. [...].

A lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisão.

Todavia, a alegação fáctica breve e concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização fáctica em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.

Não satisfaz, evidentemente, a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a utilização da expressão «fornecimento de bens ou serviços», a referência a apenas uma data de celebração do contrato, omitindo-se a(s) data(s) dos fornecimentos e os prazos acordados para o efeito [...]

No requerimento injuntivo o Requerente/Autor não esclarece, designadamente: as datas e quantidades de bens ou serviços fornecidos à sociedade Ré; e os preços unitários desses bens ou serviços fornecidos à sociedade Ré e que por esta não lhe foram pagos.

Por outro lado, como se ponderou no recente acórdão desta Relação de Lisboa, de 19-02-2019, proc. n.º 94952/17.7YYPRT.L1-7 [Desembargador José Capacete], disponível em www.dgsi.pt, que temos vindo a seguir de perto, “a mera junção, em momento posterior, de documentos não cumpre a obrigação legal daquele elemento, porque a causa de pedir se traduz em factos concretos previstos pelas normas jurídicas referentes aos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se pretendem fazer valer, e aqueles se limitam, nos termos dos art.ºs 341º e 362º do Cód. Civil, a provar os factos.

Importa, com efeito, ter presente que a alegação ou afirmação de factos e a sua prova correspondem a ónus distintos a cargo das partes, e que a alegação fáctica insuficiente é insusceptível de ser suprida pela ilação a extrair de documentos juntos.”

Neste caso, existe, salvo o devido respeito, uma ausência de conteúdo, um “vazio”, que que não foi preenchido pela Autora, como era seu ónus, que não é passível de sanação.

À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.

O vício de ineptidão que afecta a Petição Inicial, por falta de indicação de causa de pedir também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.

O vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt..

O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.

O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.

Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).

De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva [conforme, neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, proc. n.º 573/18.1T8SXL.L1-6, por nós relatado, disponível em www.dgsi.pt.]."

[MTS]