Embargos de terceiro;
direito incompatível
1. O sumário de STJ 23/5/2019 (95/12.4JAAVR-A.P1.S1) é o seguinte:
I - Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.
II - Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.
III - A penhora envolve a constituição de um direito real de garantia, conferindo ao credor/exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor, que não tenha garantia real anterior (artº 822° nº 1 do Código Civil) e gerando ineficácia, em relação ao exequente, dos actos de disposição ou de oneração dos bens penhorados, sem prejuízo das regras de registo (artº 819º do Código Civil).
IV - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes - artigo 6º nº 1 do Código do Registo Predial.
V – A penhora do veículo encontra-se registada em 02.11.2016, data anterior ao do registo da aquisição do veículo pela embargante (07.12.2016); por isso, tal aquisição não poderá ser oponível ao exequente, só o podendo ser se caso tivesse sido adquirido anteriormente.
I - Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.
II - Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.
III - A penhora envolve a constituição de um direito real de garantia, conferindo ao credor/exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor, que não tenha garantia real anterior (artº 822° nº 1 do Código Civil) e gerando ineficácia, em relação ao exequente, dos actos de disposição ou de oneração dos bens penhorados, sem prejuízo das regras de registo (artº 819º do Código Civil).
IV - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes - artigo 6º nº 1 do Código do Registo Predial.
V – A penhora do veículo encontra-se registada em 02.11.2016, data anterior ao do registo da aquisição do veículo pela embargante (07.12.2016); por isso, tal aquisição não poderá ser oponível ao exequente, só o podendo ser se caso tivesse sido adquirido anteriormente.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"O CPC estabelece no seu artigo 342° n° 1, que "Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Antes da revisão processual de 1995/1996 era um processo especial apenas dirigido à defesa da posse – artigos 1037º e 1043º do CPC; agora – artº 342º nº 1 – é um incidente de oposição a qualquer acto ordenado judicialmente, de apreensão) ou de entrega de bens que ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a diligência ordenada, direito de que seja titular quem não é parte na causa. (salvo em processo de insolvência).
Em confronto com o revogado nº 1 do artigo 1037º, constata-se que se ampliaram os pressupostos de admissibilidade dos embargos de terceiro, que deixaram de estar necessariamente ligados à defesa da posse do embargante, para abrangerem todos os actos de agressão patrimonial.
No preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro foi dito o seguinte: “Permite-se, deste modo, que os direitos substanciais atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva da posse teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura da acção de reivindicação – por esta via se obstando, no caso de a oposição de embargos se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência da reivindicação”.
Daqui resulta que, para a penhora ou diligência judicialmente ordenada poder basear a oposição mediante embargos de terceiro, se torna necessária a verificação dum dos seguintes requisitos: ofensa da posse e ofensa de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
Quanto ao primeiro requisito, relacionado com o artº 1285º do Código Civil, o direito de embargar pertence ao possuidor em nome próprio, por este gozar da presunção de titularidade do direito correspondente à sua posse (artº 1268º nº 1 do CC).
Quanto ao segundo requisito, o conceito de direito incompatível apura-se em referência à finalidade da diligência que o lesa [...].
Efectivamente, preceitua o artigo 1285º do Código Civil, sob a epígrafe (Embargos de terceiro), que “ o possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo”.
E o artigo 1268º (Presunção da titularidade do direito) tem a seguinte redacção:
“1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva”.
A realização coactiva das obrigações patrimoniais é garantida por via da acção executiva através da qual o credor pode promover a execução do património do devedor ou, excepcionalmente, de terceiro, nos termos genericamente previstos nos artigos 817º a 826º do Código Civil.
Por outro lado, o artigo 735º do Código de Processo Civil (objecto da execução), preceitua no seu nº 1 que “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”.
A penhora envolve a constituição de um direito real de garantia, conferindo ao credor/exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor, que não tenha garantia real anterior (artº 822° nº 1 do Código Civil) e gerando ineficácia, em relação ao exequente, dos actos de disposição ou de oneração dos bens penhorados, sem prejuízo das regras de registo (artº 819º do Código Civil).
E, a penhora, para produzir efeitos em relação a terceiros, terá de ser registada (artº 2º alª n) e nº 1 do artº 5º, ambos do Código do Registo Predial).
O n° 4 do artigo 5º esclarece quem é considerado terceiro para efeitos de registo, dizendo que “são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
Por outro lado, preceitua o artigo 6º nº 1 do Código do Registo Predial que o “direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes”.
Como bem observa o acórdão recorrido, a posse que, em regra, releva para efeitos de embargos de terceiro é a posse real e não a posse obrigacional, só relevando esta quando tal estiver legal e expressamente previsto, como sucede, por exemplo, com a posse do locatário (artº 1037º nº 2 do Código Civil).
Voltando ao caso dos autos verifica-se que a penhora foi realizada e registada em 21.11.2016 (fls 112-113 dos autos principais e fls 31 do I volume dos embargos de terceiro).
A embargante só registou a aquisição do veículo penhorado em 07.12.2016 (fls 31).
É certo que a embargante é terceiro para efeitos de poder embargar, mas o direito do exequente encontra-se registado em data anterior à data em que a embargante registou a sua aquisição.
Da enunciada realidade factual resulta que a penhora do veículo se encontra registada em data anterior à da aquisição do veículo pela embargante; por isso, tal aquisição não poderá ser oponível ao exequente, só o podendo ser se caso tivesse sido adquirido anteriormente."
"O CPC estabelece no seu artigo 342° n° 1, que "Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Antes da revisão processual de 1995/1996 era um processo especial apenas dirigido à defesa da posse – artigos 1037º e 1043º do CPC; agora – artº 342º nº 1 – é um incidente de oposição a qualquer acto ordenado judicialmente, de apreensão) ou de entrega de bens que ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a diligência ordenada, direito de que seja titular quem não é parte na causa. (salvo em processo de insolvência).
Em confronto com o revogado nº 1 do artigo 1037º, constata-se que se ampliaram os pressupostos de admissibilidade dos embargos de terceiro, que deixaram de estar necessariamente ligados à defesa da posse do embargante, para abrangerem todos os actos de agressão patrimonial.
No preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro foi dito o seguinte: “Permite-se, deste modo, que os direitos substanciais atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva da posse teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura da acção de reivindicação – por esta via se obstando, no caso de a oposição de embargos se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência da reivindicação”.
Daqui resulta que, para a penhora ou diligência judicialmente ordenada poder basear a oposição mediante embargos de terceiro, se torna necessária a verificação dum dos seguintes requisitos: ofensa da posse e ofensa de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
Quanto ao primeiro requisito, relacionado com o artº 1285º do Código Civil, o direito de embargar pertence ao possuidor em nome próprio, por este gozar da presunção de titularidade do direito correspondente à sua posse (artº 1268º nº 1 do CC).
Quanto ao segundo requisito, o conceito de direito incompatível apura-se em referência à finalidade da diligência que o lesa [...].
Efectivamente, preceitua o artigo 1285º do Código Civil, sob a epígrafe (Embargos de terceiro), que “ o possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo”.
E o artigo 1268º (Presunção da titularidade do direito) tem a seguinte redacção:
“1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva”.
A realização coactiva das obrigações patrimoniais é garantida por via da acção executiva através da qual o credor pode promover a execução do património do devedor ou, excepcionalmente, de terceiro, nos termos genericamente previstos nos artigos 817º a 826º do Código Civil.
Por outro lado, o artigo 735º do Código de Processo Civil (objecto da execução), preceitua no seu nº 1 que “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”.
A penhora envolve a constituição de um direito real de garantia, conferindo ao credor/exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor, que não tenha garantia real anterior (artº 822° nº 1 do Código Civil) e gerando ineficácia, em relação ao exequente, dos actos de disposição ou de oneração dos bens penhorados, sem prejuízo das regras de registo (artº 819º do Código Civil).
E, a penhora, para produzir efeitos em relação a terceiros, terá de ser registada (artº 2º alª n) e nº 1 do artº 5º, ambos do Código do Registo Predial).
O n° 4 do artigo 5º esclarece quem é considerado terceiro para efeitos de registo, dizendo que “são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
Por outro lado, preceitua o artigo 6º nº 1 do Código do Registo Predial que o “direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes”.
Como bem observa o acórdão recorrido, a posse que, em regra, releva para efeitos de embargos de terceiro é a posse real e não a posse obrigacional, só relevando esta quando tal estiver legal e expressamente previsto, como sucede, por exemplo, com a posse do locatário (artº 1037º nº 2 do Código Civil).
Voltando ao caso dos autos verifica-se que a penhora foi realizada e registada em 21.11.2016 (fls 112-113 dos autos principais e fls 31 do I volume dos embargos de terceiro).
A embargante só registou a aquisição do veículo penhorado em 07.12.2016 (fls 31).
É certo que a embargante é terceiro para efeitos de poder embargar, mas o direito do exequente encontra-se registado em data anterior à data em que a embargante registou a sua aquisição.
Da enunciada realidade factual resulta que a penhora do veículo se encontra registada em data anterior à da aquisição do veículo pela embargante; por isso, tal aquisição não poderá ser oponível ao exequente, só o podendo ser se caso tivesse sido adquirido anteriormente."
[MTS]