"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/11/2019

Jurisprudência 2019 (123)


Restituição provisória da posse;
providência não especificada

 
1. O sumário de RP 9/5/2019 (612/19.9T8PRD.P1) é o seguinte:

I - Há esbulho, para efeito de aplicação do referido art.º 377º do Código de Processo Civil, sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar.

II - A violência exigível pode ser física ou moral; é esbulho violento o que resulta do emprego de força física ou de intimidação contra o possuidor; é também violento o esbulho obtido por coação moral, proveniente da superioridade numérica das pessoas dos esbulhadores, da presença da autoridade, do apoio da força pública, com constrangimento moral ou perturbação da liberdade de determinação e tranquilidade do possuidor.

III - A presença da força policial e de agentes judiciais sob pretexto do cumprimento de uma determinação judicial é suscetível de perturbar a liberdade de ação de uma pessoa que, assim, se vê constrangida a aceitar tudo o que for praticado por um terceiro na aparência da proteção daqueles agentes, sob pena de alguma sanção, para mais quando é visada uma pessoa fragilizada por doença psiquiátrica.

IV - O art.º 379º do Código de Processo Civil estabelece especificamente a possibilidade de defesa da posse mediante providência não especificada, dispensando o requisito da violência e bastando-se com a existência de esbulho ou simples turbação da posse, desde que estejam verificados os requisitos do procedimento cautelar comum, quais sejam, a séria probabilidade de existência de posse (ou situação jurídica equiparada) e o receio de lesão grave e dificilmente reparável que venha a ocorrer na esfera do requerente (
periculum in mora).

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"Se, nos termos gerais, o tribunal não está adstrito à providência cautelar concretamente requerida (art.º 376º, nº 3, 1ª parte do Código de Processo Civil), o art.º 379º estabelece especificamente a possibilidade de defesa da posse mediante providência não especificada, dispensando o requisito da violência e bastando-se com a existência de esbulho ou simples turbação da posse, desde que estejam verificados os requisitos do procedimento cautelar comum, quais sejam, a séria probabilidade de existência de posse (ou situação jurídica equiparada) e o receio de lesão grave e dificilmente reparável que venha a ocorrer na esfera do requerente (periculum in mora).
 
Dado este mecanismo, não será pela eventual falta de prova dos atos que pudessem ser tidos como caraterizadores da violência, ou por uma sua qualificação jurídica que a afaste, que a Requerente deixará de poder beneficiar da defesa da sua posse, desde que se verifiquem aqueloutros requisitos legais próprios do procedimento cautelar comum.
 
Quanto a esta questão, a Sr.ª Juiz limita-se a afirmar: «Também, entendo que inexistem elementos nos autos para ponderar da convolação legal prevista no artigo 379º do CPC.»
 
Alega a apelante que, também nesta parte, a decisão é nula, por absoluta falta de fundamentação. E que se impunha que, “caso se entendesse acertada e fundamentadamente (o que não foi o caso) não estarem verificados os pressupostos para aplicação do procedimento cautelar especificado da restituição provisória de posse deveria ter-se operado a convolação do presente procedimento num procedimento cautelar comum tal qual previsto no Art. 379° CPCiv.” (conclusões 30 e 32 do recurso).
 
Não podia a decisão limitar-se àquela afirmação. Está em causa o preenchimento dos fundamentos de uma forma de ação cautelar (art.º 379º) diferente da prevista no art.º 364º, com pressupostos próprios, ainda que parcialmente coincidentes. A instância recorrida não podia, de forma tão restrita e seca, afastar a o preenchimento dos requisitos daquela providência sem explicitar a insuficiência relevante dos factos que integram a sua causa de pedir.
 
Aquela afirmação é absolutamente conclusiva e infundada. Por isso é nula a decisão, nesta parte, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, valendo aqui os considerandos que desenvolvemos já no tratamento da primeira questão do recurso.
 
Por desnecessidade, não se supre esta nulidade pelo conhecimento da questão, dado que foram já encontradas razões indispensáveis e suficientes à admissão liminar do procedimento pela via cautelar especificada da restituição provisória da posse (art.ºs 377º e 278º do Código de Processo Civil).
 
A ponderação da aplicação da providência prevista art.º 379º do mesmo código é subsidiária do funcionamento dos fundamentos previstos no art.º 377º, ambos do Código de Processo Civil."
 
[MTS]