Confissão extrajudicial;
valor probatório*
1. O sumário de RP 4/6/2019 (inédito) é o seguinte:
I - A confissão da Autora constante de documento autêntico faz prova “pleníssima” do facto
confessado, ficando, por isso a declarante impedida de fazer prova do contrário, mas já não de ver tal
confissão ser “ declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios de vontade” nos
termos do disposto no artigo 359º do C.Civil.
II - A existir dúvida pelo tribunal quanto á prova de determinado facto, (no caso do “conluio”
necessário para afastar a sua confissão constante de documento autêntico,) sempre a mesma teria de
ser decidida contra a contra a parte onerada com a prova, no caso a Autora, por força do disposto no
artigo 346º do Código Civil, que estabelece a regra que em caso de dúvida a questão é decidida contra
a parte onerada com a prova.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A gerência representa a sociedade, vinculando-a nas suas relações perante
terceiros.
Por seu turno, o art. 260º do CSC., prescreve em relação à vinculação da
sociedade para com terceiros, o seguinte:
1-“Os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos
poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as
limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos
sócios.”
Ressalta pois do nº 1 do art. 260º a vinculação da sociedade pelos atos
praticados pelos gerentes em nome da sociedade e dentro dos limites que a lei
lhe confere, não obstante as limitações constantes do pacto social que não se
reportem ao objeto social.
A este propósito recordamos o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do
STJ nº 1/2002 (Proc 3370/2000), publicado no DR I série de 24.1.2002, que
uniformizou a jurisprudência no sentido que: “A vinculação de uma sociedade,
nos termos do art. 260º do CSC, contenta-se com a assinatura do respetivo
gerente, podendo esta qualidade ser, apenas deduzida nos termos do art. 217º do
C.Civil dos factos que, em toda a probabilidade a revelem, não exigindo a
indicação textual daquela qualidade”.
Conclui-se assim que a aqui Autora se encontra vinculada pela declaração
confessória do seu gerente, feita em sua representação, perante o aqui Réu R.
Trata-se de ainda de uma confissão de dívida constante de um documento
autêntico, uma confissão extra-judicial e quanto a estas, rege o artigo 358º nº 2
do C.C., nos termos do qual, a “confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e,
se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Porém, nos termos do art. 359º do C.C a “confissão judicial ou extrajudicial
pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios de
vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver
caducado o direito de pedir a sua anulação”.
Como refere Manuel de Andrade, a confissão, quando exarada em
documento com força probatória plena e for feita à parte contrária ou a quem a
represente, tem força probatória plena (art. 358º nº 2 do Cód. Civil)” (in Noções
Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 247).
Nas palavras de José Lebre de Freitas in A Confissão no Direito Probatório,
1991, pg 249 “Neste caso estamos mesmo perante um meio de prova com força
probatória pleníssima contra o qual nunca é admitida prova em contrário”.
“ A confissão é pois, nestes casos, dotada de maior força probatória do que
o documento escrito, contra o qual é admitida uma prova em contrário, no caso
da falsidade (C.C. arts. 372 e 376-1)”.
Afirma ainda aquele autor :“A força da prova plena obtida através da
confissão traduz-se pois em não admitir prova em contrário, pelo que, mais que
um meio de prova plena (a que temos vindo a chamar de qualificada), ela
constitui um meio de prova pleníssima”.
Também Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, em
anotação ao artigo 359º referem: “Note-se, em todo o caso que a lei não permite
ao confitente impugnar a confissão mediante a simples alegação de não ser
verdadeiro o facto confessado: para tanto há-de alegar o erro ou outro vício de
que haja sido vítima”.
Assim sendo, se confissão da Autora constante de documento autêntico faz
prova “pleníssima” está a declarante impedida de fazer prova do contrário, mas
já não está impedida de ver tal confissão ser “declarada nula ou anulada, nos
termos gerais, por falta ou vícios de vontade”- artigo 359º do C.Civil.
Incumbia pois à Autora fazer prova do alegado “conluio” entre o então
legal representante da Autora e o mutuante R."
*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, não pode acompanhar-se a orientação segundo a qual a confissão constante de documento autêntico tem o valor de prova "pleníssima", não admitindo prova do contrário.
Segundo se julga, é fácil demonstrar que assim não é:
-- Os documentos autênticos (só) fazem prova plena dos factos que referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções dessa entidade (art. 371.º, n.º 1, CC);
-- Esta força probatória plena dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na falsidade do documento (art. 372.º, n.º 1, CC); é o que sucede, nomeadamente, quando nele se atesta como tendo sido objecto de percepção da entidade documentadora qualquer facto que na realidade não se verificou (art. 372.º, n.º 2, CC);
-- Assim, se o confitente disser que reconhece uma dívida no montante de 100 e a entidade documentadora escrever que esse confitente reconhece uma dívida no montante de 1000, é possível a esse confitente impugnar o valor probatório do documento através da prova da sua falsidade.
Portanto, a confissão constante de documento autêntico tem o valor de prova plena (como, aliás, se refere expressamente no art. 358.º, n.º 2, CC).
b) Uma coisa é a impugnação do valor probatório da confissão constante de documento autêntico, outra é a invalidade da confissão. É a esta que se refere o disposto no art. 359.º CC.
MTS