"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/11/2019

Jurisprudência 2019 (127)


Factos concrerizadores

 
1. O sumário de STJ 4/6/2019 (65/15.0 T8BJA.E1.S1) é o seguinte:

I - Não padece de nulidades, por omissão nem por excesso de pronúncia, o acórdão que conhece de todas as questões colocadas e são fundadas em omissão de elementos factuais e em erro de julgamento.

II - Também não padece de nulidade por condenação em objecto diverso do pedido o acórdão que procede ao aditamento de factos provados, na sequência de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com base em documentos autênticos, dentro dos pedidos formulados.

III - A consideração de factos concretizadores dos alegados, provados por documento autêntico, resultantes da instrução da causa, não viola o princípio do dispositivo.

IV - A procedência da impugnação pauliana conferida aos credores depende da verificação cumulativa dos pressupostos enunciados nos arts. 610.º a 612.º do CC.

V - Na impugnação pauliana de acto gratuito é dispensada a má fé do devedor e dos terceiros, independentemente do momento da constituição do crédito relativamente ao acto impugnado.

VI - Para efeito do preenchimento do pressupostos da insuficiência patrimonial, só releva a suficiência patrimonial do devedor de cujo património saíram os bens doados e sujeitos à impugnação, a provar pelo devedor ou pelo terceiro.

VII - Relativamente ao avalista, o crédito constitui-se no momento em que é prestado o aval.

VIII - Não obsta à procedência da impugnação pauliana o facto de o ex-cônjuge não ser responsável pelo pagamento da dívida e desta ter sido contraída depois do divórcio com o devedor, nem o de o bem doado sujeito à impugnação ter feito parte do património comum do extinto casal, porquanto deixou de ter essa natureza com a doação, passando a integrar o património do donatário, e por poder ser penhorado pelo credor respondendo de imediato.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No presente caso, não estamos perante factos essenciais que constituam a causa de pedir da acção, nem de factos em que se baseiem excepções, as quais nem sequer foram deduzidas, cuja alegação cabia às partes, respectivamente, à autora e aos réus. Constituem, antes, factos que foram dados como provados ao abrigo do disposto no citado art.º 607.º, n.º 4, aquando da reapreciação da decisão da matéria de facto, para os quais os apelados chamaram a atenção, por se tratar de “factos com relevo para a decisão” e resultarem de “documentos com valor probatório pleno”, como foi feito constar no acórdão recorrido, na respectiva motivação. Tais documentos foram juntos pelos próprios réus/recorrentes, fazem alusão aos mesmos na contestação que apresentaram, designadamente nos art.ºs 20.º e 22.º e constam de fls. 58 v.º a 60 v.º dos autos, como também é referido na motivação da decisão de facto e na respectiva fundamentação fáctica.

Trata-se, portanto, de factos que são complementos ou a concretização de factos alegados pelas partes e resultaram da alegação e da instrução da causa, integrantes da limitação prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC.

Ora, esta limitação, tal como as restantes previstas no n.º 2 do referido art.º 5.º, ao princípio do dispositivo não contendem com o ónus de alegação impostos às partes relativamente aos factos essenciais à procedência das suas pretensões.

A consideração da aludida certidão impunha-se não só pelo citado art.º 607.º, n.º 4, mas também pelo n.º 1 do 662.º e do art.º 413.º, ambos do CPC, e pelo chamado princípio da aquisição processual, consagrado neste último preceito, que manda ao tribunal “tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las”.

Qualquer modificação da matéria de facto, como pretendido pelos recorrentes, sai do âmbito dos poderes do STJ, cuja intervenção está limitada nos termos dos art.ºs 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3, ambos do CPC.

Nos termos do primeiro normativo “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.

E, de acordo com este preceito, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Não se tratando de nenhum caso desta intervenção excepcional, nem sendo caso de violação de lei adjectiva, está vedado a este Supremo sindicar o modo como o Tribunal da Relação apreciou a impugnação da matéria de facto e procedeu à sua alteração nos termos em que o fez."
 
[MTS]