Indemnização civil;
processo penal; princípio de adesão
1. O sumário de STJ 23/5/2019 (9918/15.5T8LRS.L1.S1) é o seguinte:
I - No âmbito do direito processual penal (artigo 71º), encontra-se consagrado o princípio de adesão, nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
II – A alínea a) do nº 1 do artigo 72º do CPP admite a reclamação de indemnização cível, decorrente do facto criminoso, fora do processo penal, quando “o processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo”.
III – A mencionada excepção visa proteger o lesado da demora do andamento do processo penal, pondo em crise o interesse da vítima num rápido ressarcimento.
IV – O lesado, ora autor e recorrente, não intentando a acção cível dentro do aludido período que decorreu entre o completamento do prazo de oito meses após a notícia do crime e a dedução da acusação, não poderá prevalecer-se dessa excepção.
V – Constando da acusação os danos e o seu conhecimento em toda a sua extensão, não pode o lesado invocar a excepção prevista no nº 1 alª d) do artigo 72º do CPP.
VI - Só nos casos expressamente previstos na lei, que representem um verdadeiro entrave ou um obstáculo sério que inviabilizem uma decisão rigorosa da matéria cível (designadamente, por haver escassez de elementos para a determinação da responsabilidade) ou quando correspondam a incidentes que retardem intoleravelmente o julgamento da matéria penal, é que as partes civis devem ser remetidas para o tribunal cível (artº 82º nº 3 do CPP). Fora desses casos, o pedido cível deve ser julgado em conjunto com a matéria penal.
VII - Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário. Antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objecto de particular fundamentação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Tal como alega o recorrente, mostram-se verificadas as situações de excepção ao princípio de adesão obrigatória previstas nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 72º do CPP?
Este artigo, sob a epígrafe (Pedido em separado), na parte que interessa, preceitua o seguinte:
1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:
a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;
Vejamos cada uma das referidas alíneas.
A alínea a)
Esta alínea admite a reclamação de indemnização cível, decorrente do facto criminoso, fora do processo penal, quando “o processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo”.
O apelante defende que se verificou a excepção prevista na primeira parte da aludida alínea, na medida em que, tendo havido notícia do crime em 31.07.2012, a acusação foi deduzida em 11.7.2013.
Mostra-se provado que:
- A P.S.P. teve notícia do crime no dia 31-07-2012 – (b);
- A acusação foi deduzida em 11.07.2013 – (f);
- A presente acção deu entrada em juízo no dia 22.07.2015 – (i).
A mencionada excepção visa proteger o lesado da demora do andamento do processo penal, pondo em crise o interesse da vítima num rápido ressarcimento.
Ora, como é bom de ver, o lesado, ora autor e recorrente, não intentou a acção cível dentro do aludido período que decorreu entre o completamento do prazo de oito meses após a notícia do crime e a dedução da acusação.
Isto é, perante a constatação, decorrido que fora o aludido prazo de oito meses sem prolação de acusação, de ter a faculdade de accionar o arguido nos tribunais civis, para reclamar o ressarcimento pelos danos sofridos, o autor não se prevaleceu dessa faculdade.
Por conseguinte, improcedem as conclusões sobre esta matéria, mantendo-se a decisão da Relação.
A alínea d)
O recorrente invoca ainda outra situação de excepção à adesão obrigatória do pedido de indemnização cível ao processo-crime e que respeita à alínea d), assim descrita:
“d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão”.
Defende o recorrente que estava em tempo quanto à dedução do seu pedido de indemnização cível, perante um tribunal cível, atendendo à extensão dos danos de que o autor foi alvo, nos termos do artigo 72º nº1 alínea d) do CPP, visto que à data da acusação, nomeadamente em 1 de Agosto de 2013, ainda nessa altura o autor se encontrava em recuperação física e incapacitado para o trabalho, relembrando que o autor ficou 390 (trezentos e noventa dias) em recuperação e temporariamente incapacitado para o trabalho visto que à data da acusação ainda nessa altura o autor se encontrava em recuperação física e incapacitado para o trabalho, relembrando que o autor ficou 390 dias em recuperação e temporariamente incapacitado para o trabalho – Cfr conclusão 8ª.
Cumpre decidir.
Rememorando a matéria de facto, mostra-se provado o seguinte:
- No dia 06-11-2012, o autor AA foi submetido a exame de avaliação de dano corporal no INML, tendo o Senhor Perito Médico solicitado mais elementos para elaboração do relatório, mas consignando que não voltaria a ser necessária a presença do examinando – (e);
- A acusação foi deduzida em 11-07-2013 – (f);
- Na acusação refere-se que o autor AA sofreu diversas feridas “…o que careceu de 390 dias, todos com incapacidade para o trabalho” – (g).
A acusação deduzida pelo Ministério Público no processo penal (fls 176), reproduziu a conclusão da perícia médico-legal, tendo descrito no seu nº 9 os danos causados pela conduta do arguido, ora réu, na pessoa do autor, aí se imputando, na pessoa do autor, uma incapacidade para o trabalho de 390 dias.
E no acórdão criminal deu-se, precisamente, como provado no nº 13, que em consequência das agressões que lhe foram infligidas o autor sofreu ferimentos que lhe causaram 390 dias de incapacidade para o trabalho (fls 41).
Esse período de incapacidade é exactamente aquele que o autor reclama na presente acção nos artigos 19º e 20º da petição inicial.
Assim sendo, tal como se mostra observado acertadamente no acórdão da Relação, não se vislumbra, em relação à conduta objecto destes autos, qualquer superveniência de danos que justifique a presente acção, nem que ocorresse, à data da acusação, incerteza relevante quanto à extensão dos danos emergentes do crime.
Um último argumento do recorrente radica no nº 3 do artigo 82º do CPP e que deixou expresso na conclusão 10ª, assim redigida:
“10ª - Importa reiterar que a trajectória da própria jurisprudência dos tribunais criminais, face a pedidos complexos de indemnização civil em sede de 1ª instância, quando se deparam perante crimes graves contra as pessoas, e desde que se verifiquem a ocorrência de danos graves, de especial complexidade, são os próprios tribunais criminais a reenviar os pedidos de indemnização, para os tribunais de jurisdição civil”.
O artigo 82º do CPP, sob a epígrafe (Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis), preceitua o seguinte:
3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.
Só nos casos expressamente previstos na lei, que representem um verdadeiro entrave ou um obstáculo sério que inviabilizem uma decisão rigorosa da matéria cível (designadamente, por haver escassez de elementos para a determinação da responsabilidade) ou quando correspondam a incidentes que retardem intoleravelmente o julgamento da matéria penal, é que as partes civis devem ser remetidas para o tribunal cível. Fora desses casos, o pedido cível deve ser julgado em conjunto com a matéria penal.
Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário. Antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objecto de particular fundamentação.
Deste modo, improcedem as conclusões respectivas, mantendo-se a decisão do acórdão recorrido.
Finalmente, o recorrente, na conclusão 12ª, veio referir as vítimas "devem ainda gozar" de acesso efectivo à justiça, conforme decorre do artigo 8.º da Declaração Universal dos Direito do Homem, devendo ser reduzidos ao mínimo os transtornos que lhes são causados e os atrasos no andamento dos processos, bem como na protecção das ofensas que são alvo.
Cumpre decidir
Sufragamos o acórdão recorrido quando conclui que “contrariamente ao aventado pelo apelante, a decisão recorrida não afronta o direito do autor de acesso efectivo à justiça, consagrado tanto no artº 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como no artº 20º da Constituição da República Portuguesa. Pelo contrário, conforme decorre de tudo o acima exposto, ao autor foram devida e atempadamente concedidas amplas possibilidades de reclamar junto dos tribunais, quer cível quer penal, o seu direito a ressarcimento pela conduta invocada, dentro de um quadro jurídico que, além de ter justificação atendível, oferece uma flexibilidade que, como já decidido pelo Tribunal Constitucional (v.g., acórdão n.º 451/97, de 25.6.1997) o adequa às exigências constitucionais do acesso à justiça e da proibição da indefesa. Se o A. não as aproveitou, em devido tempo, sibi imputet”.
Sem necessidade de maiores considerações, improcede, também, nesta parte, a conclusão do recorrente.
[MTS]