10.1. Disse-se aí:
“4.2. Ora, nesta conformidade e tendo especialmente em conta esses parâmetros do princípio da responsabilidade a que atrás se aludiu, porque era exigível ao "BANCO DE PORTUGAL”, como até resulta com meridiano clareza do estatuído nos dois números doo art.° 573° do CPC 2013, que tivesse apresentado na sua contestação todos os argumentos de defesa susceptíveis de ser usados na construção da solução jurídica do conflito, tendo em conta todas as soluções plausíveis das questões de direito que devam considerar-se controvertidas (inclusive, a probabilidade de haver de remeter o processo para um tribunal administrativo por ser esse o materialmente competente para o julgamento da causa), os riscos inerentes a essa omissão devem correr por conta desse litigante e não do Autor.
Riscos esses que, em boa verdade, são mínimos ou praticamente inexistentes porque, como bem afirma o Autor apelante, que a tanto não se opõe, o Tribunal administrativo competente sempre poderá, uma vez aí recebido o processo, conceda a todos os Réus um prazo para ampliarem, nos termos que tiverem por convenientes, as defesas já apresentadas.
Finalmente, também o princípio de economia processual (que o próprio aceita como sendo um princípio fundamental) aconselha que se proceda a essa remessa peticionada pelo Autor.
E com isto não se viola, nem sequer minimamente se belisca, nem o direito ao contraditório é um dos pilares fundamentais desse outro mais amplo direito a um julgamento CeaC [sic] e não preconceituoso, mediante processo equitativo e com integral cumprimento do ritual processual previamente fixado por Lei e por todos conhecido e aceite (o dito due process of law) consagrado nos art°s 20° n.° 4 da Constituição da República, 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6.º, n.° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa, nem também esse direito a um julgamento CeaCe [sic] não preconceituoso, mediante processo equitativo e com integral cumprimento do ritual processual previamente fixado por Lei e por todos conhecido e aceite. E porque assim realmente é e perante os parâmetros de julgamento enunciados no ponto 4.1. do presente acórdão, porque esse seria a interpretação dessas normas que seria feita por um/a qualquer diligente bom pai/boa mãe de família [sendo essa(e), insiste-se, a figura (ou instituto) jurídica(o) que serve de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade], forçoso se torna concluir que é necessário que carece totalmente de fundamento a oposição do "BANCO DE PORTUGAL" à remessa dos autos, tal como estão, ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e ordena-se a realização dessa remessa nos exactos termos previstos no n.° 2 do art.° 99° do CPC 2013.
E esta é, para este Tribunal Superior, a interpretação das normas reguladoras aplicáveis que consagra não apenas a solução ético-socialmente mais acertada da lide mas também aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas (legal certainty), as quais, nunca será demais repetir, constituem Valores ético-sociais da maior relevância, pois a segurança e a confiança são condições indispensáveis ao normal funcionamento do comércio jurídico e, mais do que isso, da própria vida em Sociedade.” [...]
11. Vejamos.
11.1. A jurisprudência deste STJ teve já oportunidade de analisar e decidir idêntica questão à que vem suscitada no presente recurso, através do acórdão da 2ª secção de 15-01-2019, no âmbito do processo n.º 1021/16.7T8GRD-A.C1.S1, do qual consta o seguinte sumário:
I - Declarada a incompetência material do tribunal judicial onde a ação foi instaurada, o autor pode requerer a remessa para o tribunal competente, nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC.
II - Ainda que a remessa não exija o acordo do réu, deverá ser recusada se se verificar, segundo um juízo de verosimilhança que a sua oposição é justificada, designadamente quando se verificar que não invocou meios de defesa que apenas se justificariam se acaso tivesse sido demandado no tribunal materialmente competente.
III - O ónus de esgotamento dos meios de defesa previsto no art. 573.º, n.º 1, do CPC, deve ser apreciado em função das normas de direito adjetivo e de direito material que rodeiam a ação, não envolvendo necessariamente aqueles que apenas se justificariam numa ação que tivesse sido instaurada no tribunal materialmente competente.
IV - Deve ser recusada a remessa quando o réu alega que, pelo facto de a ação ter sido instaurada em tribunal judicial que foi declarado materialmente incompetente, deixou de deduzir meios de defesa sustentados em normas de direito público ou do processo administrativo que suscitaria se acaso a ação tivesse sido instaurada em tribunal administrativo.
No indicado processo, como se pode ver pela fundamentação, foram analisadas as disposições legais do art.º 99.º do CPC, em conjugação com o art.º 573.º, tendo-se afirmado:
“1. Nos presentes autos foi declarada a absolvição da instância com fundamento na exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Judicial onde a ação foi intentada, por se considerar que a competência é dos Tribunais Administrativos. O art. 99º, nº 2, do CPC, prevê que possa ser requerida a remessa dos autos para o Tribunal materialmente competente (in casu, o Tribunal Administrativo de Círculo), medida que tem como antecedente mais próximo o art. 105º, nº 2, do CPC de 1961. Embora também já se previsse neste preceito a possibilidade de aproveitamento do processado, o deferimento da remessa ficava dependente da manifestação de concordância por parte do réu. Aflorando em tal preceito a ideia do aproveitamento do processado, o certo é que a consecução de tal objetivo ficava frequentemente condicionada pela necessidade de acordo das partes. Foi por este motivo que veio a ser adotada a solução que agora consta do art. 99º, nº 2, do CPC, nos termos do qual, requerida a remessa, a mesma apenas impedida, por razões que parecem óbvias, nos casos em que a incompetência seja determinada pela violação de pacto privativo de jurisdição ou pela preterição de tribunal arbitral (nº 3), tendo em conta, respetivamente, a diferença de jurisdições e o regime da arbitragem. Ademais, também será recusada se o réu apresentar oposição que seja considerada justificada. É neste último aspeto que assentam as divergências das partes e das instâncias. 2. No preceito legal afloram, por um lado, os benefícios do aproveitamento do processado em função do princípio da economia e, por outro, a necessidade de garantir o direito de defesa em toda a sua plenitude, consagrando uma solução intermédia que, sem descurar os interesses do requerente, atende também às objeções manifestadas pela contraparte. Na jurisprudência das Relações considera-se que ocorre fundamento bastante para recusar a remessa quando esta determine uma restrição nas garantias do réu, designadamente pelo facto de não poder deduzir pedido reconvencional (RG 23-11-17, 2089/16). Noutro caso, o deferimento da remessa ficou dependente da apreciação global da defesa que foi ou poderia ter sido apresentada (RP 11-10-17, 1974/16 e CJ, t. IV, p. 176; cf., no entanto, as dúvidas suscitadas por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 3ª ed., p. 204, quando se trate de defesa que não foi mas poderia ter sido apresentada). Já no Ac. da Rel. de Coimbra de 1-6-15, 1327/11, que serviu de fundamento à admissão do presente recurso de revista, considerou-se justificada a oposição quando “o réu invocar alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a especificar, em pormenor, desde que mostre não se tratar de uma oposição arbitrária”. 3. No que concerne à tutela do direito de defesa, é verdade que o art. 573º do CPC consagra o princípio da concentração de toda a defesa na contestação. Porém, não pode fazer-se de tal preceito uma interpretação tão ampla que imponha ao réu, em todas as circunstâncias em que argui a incompetência material, o ónus de esgotar os meios de defesa que seriam legítimos em face de uma ação que fosse instaurada noutro Tribunal com competência material diversa. Ainda que a questão não seja tão relevante nos casos em que o confronto se estabelece entre Tribunais da mesma ordem jurisdicional (v.g. Juízo Cível e Juízos do Comércio ou de Família e Menores), as concretas circunstâncias podem revelar a inexigibilidade do esgotamento dos meios de defesa, designadamente quando se mostrem prejudicados em função da forma de processo que foi indicada pelo autor, por oposição à forma de processo que seria adequada se acaso a ação tivesse sido instaurada no Tribunal competente. Isto é especialmente visível quando o confronto se estabeleça entre um Juízo Cível e um Juízo do Trabalho, já que as normas do CPT podem impor para a dedução da pretensão uma forma de processo especial (v.g. ação com processo especial de verificação da licitude de despedimento individual), em contraposição com a forma de processo comum que se ajustaria a uma semelhante pretensão deduzida perante os Juízos Cíveis. Quer a diferenciação dos regimes processuais, quer a diversidade de normas de direito material podem levar a concluir pela inexigibilidade de o réu que foi demandado num Juízo materialmente incompetente (ainda assim inserido na ordem jurisdicional dos Tribunais Judiciais) esgotar os meios de defesa, mesmo aqueles que apenas fariam sentido se acaso tivesse sido confrontado no Juízo materialmente competente. Nestas e noutras situações, que deverão ser casuisticamente apreciadas, poderá considerar-se justificada a oposição do réu à remessa dos autos quando se verificar que esta é suscetível de colocar em crise o pleno exercício do direito de defesa ou do contraditório ou a promoção de qualquer outro instrumento processual que apenas encontre justificação razoável em ação instaurada no Juízo que o réu considere materialmente competente (assim foi considerado, aliás, no Ac. da Rel. do Porto de 1-6-15, 1327/11, com o argumento de que o réu que foi demandado num Juízo Cível pode ter interesse em ampliar a sua defesa no Juízo do Trabalho, invocando a prescrição que apenas nesta jurisdição se justificaria). 4. A atendibilidade das objeções à remessa do processo requerida pelo A. e expostas pelo R. é ainda mais evidente nos casos em que a ação foi instaurada num Juízo do Tribunal Judicial, verificando-se que a competência para a apreciação do litígio pertente a um outro órgão jurisdicional integrado na ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Nestas situações, a ponderação dos interesses conflituantes deve ser ainda mais rigorosa, exigindo a análise dos argumentos apresentados por cada parte, tanto no que se refere às vantagens da remessa e do aproveitamento do processado, como dos inconvenientes que a mesma pode determinar para a tutela dos interesses do réu. Para o efeito será especialmente relevante a consideração das diferenças entre a tramitação processual que decorre da aplicação do CPC (a que a ação instaurada foi sujeita) e da que resulta do CPTA, assim como os aspetos relacionados com o direito substantivo (normas de direito público) aplicável quer à pretensão deduzida, quer à defesa que seja oponível. Em tais situações, a oposição do réu apenas deverá considerar-se injustificada quando não se mostrar prejudicado o seu direito de defesa (como decidiu a Rel. de Coimbra no Ac. de 29-1-15, 141592/13, considerando que “a defesa apresentada pela entidade requerida pode ser feita valer, fundamentalmente nos mesmos termos, na tramitação a observar no Tribunal que foi declarado competente” ou no Ac. de 12-215, 141591/13 (www.dgsi.pt). O ónus de concentração dos meios de defesa previsto no art. 573º do CPC deve ser atenuado nas situações em que se verifique a incompetência material do Juízo onde está pendente a ação, especialmente quando essa competência seja atribuída a Tribunais Administrativos ou Fiscais, aplicando normas de direito público num ritualismo processual que emerge do CPTA ou do CPTT. Por isso deve ser considerada justificada a oposição quando seja de prever, de acordo com critérios de razoabilidade, que o réu pode ampliar na nova jurisdição a defesa que apresentou na ação em que foi declarada a incompetência material do Tribunal (como se assinala na motivação da decisão da Rel. de Coimbra de 12-2-15, 141591/13). Nestas situações devem valorizar-se as circunstâncias em que os meios de defesa foram deduzidos, por contraposição às que existiriam se acaso a ação tivesse sido instaurada no Tribunal materialmente competente, sendo especialmente arriscado desvalorizar a oposição à remessa em situações em que seja verosímil que o facto de o réu ter sido demandado em Tribunal materialmente incompetente prejudicou objetivamente a sua defesa.”
11.2. É nossa opinião que a jurisprudência indicada acolhe a melhor solução e deve ser a mesma ser aplicada ao caso dos autos.
Nos presentes autos a situação é a seguinte: o Banco de Portugal indicou que existem razões processuais e substantivas que justificam a sua oposição à remessa, para as quais a solução de remeter ou não remeter os autos não se afigura indiferente, em termos da defesa da sua posição e da legalidade dos actos questionados.
12. Por a identidade das situações justificar a identidade das soluções, é de acolher ainda o que se disse no indicado acórdão do STJ que se está a seguir:
“Os argumentos invocados pelos RR. oponentes e as circunstâncias do caso não permitem concluir que a oposição expressa pelos RR. seja injustificada, tendo em conta a confluência entre os fatores diferenciadores da tramitação processual nos Juízos Cíveis ou nos Tribunais Administrativos e os aspetos de direito material que, não tendo sido focados pelos RR., apenas fariam sentido se acaso tivessem sido confrontados numa ação instaurada num Tribunal Administrativo. Ao menos na aparência, a oposição deduzida pelos RR. não se baseia em motivos fúteis nem é guiada simplesmente pelo objetivo de retirar à A. os benefícios do aproveitamento do processado. Pelo contrário, os motivos que invocaram parecem pertinentes, na medida em que as circunstâncias em que exerceram o seu direito de defesa na presente ação são substancialmente diversas daquelas que se verificariam se tivessem sido confrontados numa ação instaurada num Tribunal Administrativo, segundo as regras do CPTA e convocando em especial normas de direito público. A extensão do ónus de concentração da defesa, por forma a acautelar mesmo os casos em que a ação possa vir a ser remetida para outro tribunal, apenas deve abarcar os meios de defesa que sejam pertinentes em face da pretensão que foi deduzida pelo autor, no Tribunal onde a ação foi instaurada e com base nas regras de direito material e adjetivo aplicáveis a tal ação, não devendo estender-se necessariamente a toda a panóplia de meios de defesa que, em abstrato, pudessem ser dirigidas a tal pretensão, com independência da forma de processo, da competência material, das demais regras de direito adjetivo ou das normas de direito material que envolvem quer a pretensão do autor quer a defesa do réu. Também não cremos que os motivos invocados pelos RR. possam ser eliminados com a consideração de que no Tribunal Administrativo para onde o processo seria remetido os RR. ainda poderiam completar o seu direito de defesa alegando as questões de facto ou de direito que anteriormente omitiram. Com efeito, uma vez consumada a remessa dos autos, o Tribunal remetente deixa de ter jurisdição sobre o processo, não podendo assegurar-se antecipadamente que poderão ser acionados na nova jurisdição mecanismos destinados a tutelar integralmente aquele direito de defesa, seja através da apresentação de articulados suplementares, seja mediante o exercício por parte do juiz competente do poder de gestão e de adequação processual.”
A jurisprudência maioritária dos Tribunais da Relação aponta igualmente no indicado sentido [...]."