Audiência prévia;
dispensa; conhecimento do mérito*
1. O sumário de RL 24/9/2020 (15273/18.4T8SNT-A.L1-6) é o seguinte:
I - Estando clausulado que o capital mutuado deveria ser pago em prestações conjuntamente com os juros, o prazo de prescrição aplicável a cada prestação é de 5 anos, conforme decorre do art. 310º al e) do Código Civil.
II - Não tem apoio na cláusula 21.1 do contrato nem no art. 781º do CC o entendimento de que o prazo de prescrição do crédito se inicia a partir da data em que o credor podia ter comunicado ao devedor o vencimento imediato das prestações vincendas. Trata-se de uma faculdade concedida ao credor e não de uma imposição a este, pois até pode não ter interesse em exigir o vencimento antecipado.
III - Daí que, não comunicando o credor ao devedor que considera imediatamente vencidas todas as prestações vincendas, mantem-se inalterado o plano de pagamentos, pelo que o referido prazo de prescrição quanto a cada uma delas só começa a correr se não for paga na data fixada naquele plano.
2. Sem reflexo no respectivo sumário, na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- se foi praticada nulidade processual por ter sido julgada a excepção de prescrição sem que as partes a tenham discutido em audiência prévia [...].
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III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
a) Por documento particular rubricado e subscrito pelas partes, datado de 19 de Julho de 2012, foi firmado um acordo, designado «Contrato de Mútuo», que aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a Caixa Geral de Créditos, S.A., declarou emprestar a C…, Lda., aí designada «Devedora» ou «Cliente», a quantia de €60.000,00, que esta última se obrigou a restituir no prazo de 84 meses, através do pagamento de prestações, mensais, sucessivas e iguais, de capital e juros, contabilizados à taxa de juros correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 7%.
b) Os embargantes intervieram no referido acordo, declarando, além do mais, que se constituem «FIADORES solidários e principais pagadores de todas as quantias que sejam ou venham a ser devidas à CAIXA pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a CAIXA e a CLIENTE».
c) As prestações mensais que se venceram a partir de 19/06/2013, inclusive, não foram pagas.
d) A exequente, ora embargada, intentou a acção executiva a que estes autos estão apensos em 01/09/2018.
e) Os embargantes foram citados para os termos da referida execução em 17/09/2018.
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B) Da alegada nulidade processual
Visto que o tribunal proferiu despacho declarando ser desnecessária a convocação de audiência prévia para apreciar a excepção de prescrição, o meio adequado para o impugnar é o recurso e não a reclamação (cf. art. 627º nº 1 do CPC).
Por isso, não têm razão os apelados ao sustentarem que a nulidade, a existir, está sanada por não ter sido arguida no prazo de 10 dias.
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Em 14/05/2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Para realização de audiência prévia, nomeadamente com vista à conciliação das partes, nos termos do artigo 594º do Código de Processo Civil, designo o próximo dia 17 de Setembro de 2019, pelas 10:00 horas (não antes por impossibilidade de agenda).».
Nessa diligência foi requerida pelas partes a suspensão da instância pelo período de 15 dias, tendo sido então proferido o seguido despacho: «Em face da pretensão formulada pelos Ilustres Mandatários das partes e considerando o disposto no artigo 272, nº 4, do CPC, defiro o requerido e, consequentemente, determino a suspensão pelo período acordado. Após, caso nada seja requerido, conclua.».
O saneador-sentença está precedido pelo seguinte despacho:
«Afigura-se que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação da excepção peremptória de prescrição deduzida pelos embargantes, o que se fará de seguida, como autorizado pelas normas conjugadas dos artigos 593.º, n.º 1, artigo 591.º, n.º 1, alínea d), e 595.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, considerando que as partes já se pronunciaram sobre tal matéria nos articulados.».
Decorre do art. 593º nº 1 e 2 al. a) em conjugação com o disposto no art. 591º nº 1 al. d) e 595 nº 1 al. b),todos do CPC (Código de Processo Civil) que o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação de alguma excepção peremptória.
A 1ª instância entendeu não ser necessária a produção de prova para julgar a excepção peremptória de prescrição nem haver necessidade de facultar às partes a discussão de facto e de direito sobre essa questão por ter sido debatida nos articulados. Impõe-se concluir, pois, que não foi praticada a alegada nulidade processual.
Questão diversa é a de saber se a matéria de facto julgada provada é bastante para proferir a decisão sobre a excepção de prescrição.
Improcede, pois, este fundamento do recurso."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, não se acompanha a decisão (maioritária) tomada pela RL quanto à dispensa da audiência prévia. A razão está com o voto de vencida.
No acórdão, afirma-se que "questão diversa é a de saber se a matéria de facto julgada provada é bastante para proferir a decisão sobre a excepção de prescrição". A bem dizer, não se trata de uma "questão diversa", mas antes da própria questão decidenda.
No acórdão, afirma-se que "questão diversa é a de saber se a matéria de facto julgada provada é bastante para proferir a decisão sobre a excepção de prescrição". A bem dizer, não se trata de uma "questão diversa", mas antes da própria questão decidenda.
A audiência prévia destina-se, além do mais, a facultar às partes a discussão de facto quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (art. 591.º, n.º 1, al. al. b), CPC). É, por isso, contraditório admitir que a matéria de facto pode não ser bastante para apreciar a excepção de prescrição e, ao mesmo tempo, aceitar a dispensa da audiência prévia por nada haver a discutir sobre essa matéria.
MTS