"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/04/2021

Jurisprudência 2020 (182)


Arguição de nulidade;
recurso; interposição; admissibilidade
  

1. O sumário der RL 13/10/2020 (14091/09.5T2SNT-C.L1-7) é o seguinte:

I. No âmbito de um processo de promoção e proteção, não comporta apelação autónoma imediata o despacho que indeferiu a arguição da nulidade decorrente de ter sido ordenada e efetuada a inquirição de menor com exclusão da presença do mandatário da mãe da menor.

II. A sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma nulidade secundária está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no Artigo 630º, nº2, sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (Artigo 641º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil).

III. O disposto no Artigo 630º, nº2, não constitui situação ressalvada pelo Artigo 644º, nº2, al. i), do Código de Processo Civil.

IV. Questão diversa da sindicabillidade do despacho é a da definição do momento em que deve ser interposto tal recurso, a qual se rege pelo disposto no nº3 do Artigo 644º do Código de Processo Civil.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A apelante veio interpor recurso do despacho proferido em primeira instância, nos termos do qual foi indeferida a arguição da nulidade alegadamente consistente em ter sido efetuada a inquirição das menores com exclusão da presença do mandatário da mãe das mesmas, ora apelante.

Nos termos do Artigo 123°, n°1, da Lei n° 147/99, de 1.9, «Cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e proteção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no n°7 do artigo 62°-A.» E, nos termos do Artigo 126°, «Ao processo de promoção e proteção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil declarativo comum.»

Por sua vez, dispõe o Artigo 644° do Código de Processo Civil que:

«1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.g instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.g instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.g instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.° 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.»


A decisão, que a apelante pretende impugnar imediatamente, não se subsume a nenhuma das situações previstas no Artigo 123° da Lei n° 147/99, de 1.9, nem a nenhuma das situações previstas no Artigo 644°, n°1 e n°2, do Código de Processo Civil.

O disposto no Artigo 644º, nº2, al. i), «tem o único objetivo de pôr o intérprete e aplicador de sobreaviso relativamente à admissibilidade de recursos interlocutórios fundados noutros preceitos avulsos do Código de Processo Civil ou diplomas extravagantes» (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2020, 2ª ed., Almedina, p. 807). Será o caso, por exemplo, do disposto nos Artigos 150º, nº 5, e 942º, nº 4, do Código de Processo Civil.

Ao contrário do que sustenta a reclamante, o disposto no Artigo 630º não constitui um dos casos prevenidos pela al. i), do nº2, do Artigo 644º.

Nos termos do Artigo 630º, nº2, do Código de Processo Civil, «Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no nº1 do art. 6º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no nº1 do artigo 195º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.»

Decorre desta norma que a decisão proferida sobre a arguição de nulidade é suscetível de recurso, mas – ainda assim  com limitações: desde que contenda com os princípios matriciais da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (Artigo 630º, nº2, do Código de Processo Civil). Ou seja, cabe ao recorrente alegar que a nulidade relativa ocorrida – além de ser essencial por interferir no exame ou na decisão da causa – infringe pelo menos um dos referidos princípios ou contende com a admissibilidade de meios probatórios. A exigência deste fundamento específico para a admissibilidade do recurso é «(…) ainda, um reflexo do princípio da instrumentalidade das formas ou do aproveitamento dos atos processuais, sendo tributária dos princípios da celeridade processual e da estabilidade do processo. Se o ato supostamente viciado não impede a função instrumental do processo – isto é, a declaração do direito substantivo não é prejudicada -, não estando comprometida a natureza equitativa deste, não deve ser admitida a sua destruição» - Paulo Ramos de Faria, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, II Vol., 2014, p. 33. Dito de outra maneira, a sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma nulidade secundária está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no Artigo 630º, nº2 (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 60), sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (Artigo 641º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil).

Em resumo, o Artigo 630º rege sobre as condições de sindicabilidade do despacho que aprecia uma nulidade processual.

Questão diversa da sua sindicabilidade é a de saber qual o momento em que tal recurso pode e deve ser interposto. Sobre esta questão, rege o Artigo 644º, maxime nº 3, do Código de Processo Civil, nada se afirmando no Artigo 630º que permita a interpretação, segundo a qual, o recurso tem subida autónoma imediata.

Assim sendo, a decisão em causa só pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão que determine a aplicação, alteração ou cessação da medida de promoção e proteção, nos precisos termos do n°3 do Artigo 644° do Código de Processo Civil.

Existe uma situação similar que se subsume ao mesmo regime. Assim, se uma parte arguir a nulidade secundária decorrente da prestação de depoimento com infração de sigilo profissional (cf. Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, 2ª ed, 2020, p. 291), o despacho que aprecie tal nulidade só é impugnável nos termos do nº 3 do Artigo 644º.

Na decisão singular, quando se afirmou que ficava «prejudicada a apreciação da pertinência do regime do Artigo 630°, n°2, do Código de Processo Civil, ex vi Artigo 608°, n°2, do Código de Processo Civil», quis-se dizer que não há que apreciar a recorribilidade do despacho porquanto o recurso é intempestivo. A intempestividade, por prematuridade, do recurso torna inútil a apreciação da recorribilidade em função do conteúdo da decisão (cf. Artigos 130º e 652º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil)."

[MTS]