"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/04/2021

Jurisprudência 2020 (196)


Procedimento especial de despejo;
título executivo*


1. O sumário RP 24/9/2020 (8231/16.5T8PRT.P1) é o seguinte:

À execução para entrega de imóvel, podem servir de título executivo, os documentos a que se referem os artigos 14º, n.º 5, e 15º, n.º 2, alínea e), do Novo Regime de Arrendamento Urbano, desde que, para a sua válida formação do documento enquanto título executivo, se cumpram os formalismos previstos no n.º 7 do artigo 9º e na alínea e) do [n.º 2 do] artigo 15º do referido diploma legal.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"São relevantes para a questão que temos decidir as seguintes normas do NRAU – Lei 6/2006 de 27/02 com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08 e pela Lei 79/2014 de 19/12:

“Artigo 9.º
Forma da comunicação
 
[...] 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efectuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.

Artigo 14.º
Acção de despejo
 
1 - A acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo. [...]
4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O.
 
Artigo 14.º-A
Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas
 
1 - O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
2 - O contrato de arrendamento, quando acompanhado da comunicação ao senhorio do valor em dívida, prevista no n.º 3 do artigo 22.º-C do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente à compensação pela execução de obras pelo arrendatário em substituição do senhorio.
 
Artigo 15.º
Procedimento especial de despejo
 
1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento: [...]
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra; [...]
4 - O procedimento especial de despejo previsto na presente subsecção apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC.[...]

São igualmente relevantes as seguintes normas do Código Civil:


“Artigo 1083.º
Fundamento da resolução
 
1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. [...]
3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4 - É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte. [...]
 
Artigo 1084.º
Modo de operar
 
[...] 2 - A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.os 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida. [...]
 
Ora [...] para o Tribunal “a quo”, no caso dos autos não existe título exequível, já que o contrato de arrendamento e a notificação judicial avulsa não se enquadram em qualquer das situações previstas no citado art.º 703º.

Não tem no entanto razão no entendimento que perfilha.

Assim, é consabido que o título executivo a que se reporta o art.º 14º-A do NRAU tem natureza complexa, sendo integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao devedor (arrendatário ou fiador).

A ser deste modo, tal título porque especial e complexo, só existe da conjugação dos documentos aí previstos, não valendo isoladamente nem o contrato de arrendamento nem a referida comunicação.

Ou seja, exigem-se para a formação do título, dois elementos, primeiro o contrato de arrendamento e segundo o comprovativo da notificação ao locatário por parte do locador.

Assim, têm razão os exequentes/apelantes quando defendem que na execução para entrega de imóvel, podem servir de título executivo, quer a sentença proferida em acção especial de despejo, quer os documentos a que se referem os artigos 14º, nº 5, e 15º, nº 2, alínea a), do NRAU – Lei 6/2006 de 27/02, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14708 e pela Lei 79/2014 de 19/12.

Assiste-lhes igualmente razão quando salientam que neste último caso, para a formação do documento enquanto título executivo quando forem invocados algum ou alguns dos fundamentos de resolução enumerados de forma taxativa, no art.º 1083º do Código Civil, impõe-se dar cumprimento aos formalismos do nº 7 do art.º 9º e da alínea e) do [n.º 2 do] art.º 15º do NRAU.

Tudo isto em conjugação com o nº 2 do art.º 1084º do Código Civil.

Ora no caso dos autos, estão verificados todos os formalismos prévios para a constituição do título executivo.

Por outro lado, também se constata que o imóvel objecto do contrato, não foi entregue no prazo fixado para o efeito fixado pelos locadores aqui exequentes ao locatário aqui executado.

A ser deste modo, era legítimo o recurso à via executiva, a fim de impor coercivamente a mesma entrega.

Em suma, valem nos autos as regras conjugadas dos artigos 703º, alínea d) do CPC e as dos artigos 14º, nº 5, e 15º, nº 2, alínea e), do NRAU.

Vale também o disposto nos artigos 1083º e 1084º, nº 2 do Código Civil e o disposto nos artigos 726º, nºs 1 e 6, 859º e 862º do Código de Processo Civil.

E ao decidir como decidiu ou seja, ao indeferir liminarmente por falta de título, o requerimento executivo, o Tribunal “a quo” não interpretou nem aplicou correctamente tais normas, razão pela qual deve ser revogada a decisão proferida."

*3. [Comentário] Em sentido contrário àquele que fez vencimento no acórdão, cf. RL 3/6/2014 (19652/13.5YYLSB.L1-7).

Na verdade, importa distinguir entre as formas de cessação do contrato de arrendamento -- que podem ser extrajudiciais -- e  os meios processuais para efectivar a entrega coerciva do locado -- que têm de ser judiciais. Em concreto: se o meio de cessação usado pelo senhorio tiver sido extrajudicial, o meio processual correspondente é o Procedimento Especial de Despejo (PED), sendo neste que o senhorio vai criar o título de desocupação.

MTS (com colaboração)