"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/04/2021

Jurisprudência 2020 (193)


Processo de inventário;
divisão de bens; compropriedade


1. O sumário de STJ 7/10/2020 (146/13.5TBTND-A.C1.S1é o seguinte:

Sendo, na partilha dos bens do casal, ambos os interessados conferentes e licitantes e subsistindo, a final, verbas não licitadas, pode o juiz, quando tal se mostre adequado, adjudicar os bens em compropriedade aos interessados.

2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido do Cons. Rijo Ferreira:

"Fiquei vencido porquanto concederia a revista e determinaria que o quinhão do interessado varão fosse preenchido com os bens não licitados.

Em primeiro lugar porque sendo a função do processo de inventário pôr termo à comunhão hereditária ou conjugal, não vejo que ela se realize com a instauração de uma outra comunhão (a compropriedade). Não vislumbro como adequada à função desse processo judicial e à correspondente tutela jurisdicional efectiva uma solução que em vez de contribuir para pôr termo ao litígio se limite, salomonicamente, a perpetuar esse mesmo litígio. Por isso, o recurso à adjudicação em compropriedade só deve ocorrer ou com a anuência dos interessados (por isso realizar o seu interesse) ou quando não há outra solução satisfatória para alcançar uma composição igualitária dos quinhões (o que não era o caso da partilha a que se reportam os autos).

Por outro lado, entendo que o art.º 1374º da anterior CPC não contém um conjunto de regras precisas e ordenadas numa relação de subordinação, mas antes um conjunto de orientações (de senso comum) com vista a obter uma composição igualitária dos quinhões.

Começa por se afirmar a adjudicação dos bens licitados aos respectivos licitantes (al. a)).

Feito isso, haverá de preencher os quinhões dos demais interessados (que não licitaram de todo ou que com as suas licitações não preencheram os seus quinhões – na parte em que os quinhões não estão preenchidos eles não são licitantes), preferencialmente com bens da mesma espécie ou natureza, até se atingir uma igualização no preenchimento dos quinhões com o mesmo tipo de bens (1ª parte da al. b)).

Se não houver bens da mesma espécie ou natureza suficientes essa igualização pode ser efectuada com bens de natureza diferente da dos licitados mas o respectivo interessado pode exigir a composição em dinheiro; caso em que esses bens serão substituídos pelo resultado da sua venda em hasta pública, o que poderá implicar alterações no valor dos respectivos quinhões (2ª parte da al. b).

Feita essa igualização por referência aos bens licitados, e se ainda restarem bens para ser adjudicados, essa adjudicação faz-se por sorteio de lotes (al. c).

De qualquer forma e independentemente das licitações, os créditos litigiosos e os bens que não tenham valor são distribuídos proporcionalmente por todos os interessados (al. d).

Aplicando essas orientações ao caso dos autos temos que ambos os interessados licitaram diversos bens, mas enquanto a interessada virago licitou em bens que excedem o seu quinhão o interessado varão não preencheu com a sua licitação o seu quinhão. Haveria assim de o preencher com os bens não licitados; e uma vez esgotados os bens completar o seu quinhão com tornas. Ou seja, os bens não licitados deveriam ter sido adjudicados ao interessado varão.

E não vejo que com tal solução se dê azo à possibilidade de «um interessado condicionar ou determinar a composição do quinhão do outro interessado (…), agravando, consequentemente, o risco de o interessado com maior poder económico determinar a partilha», uma vez que a lei prevê salvaguardas adequadas para essa situação: a possibilidade de exigir a composição em dinheiro (al. b) do art.º 1374º) e a possibilidade de requerer a composição do seu quinhão com bens licitados em excesso (art.º 1377º)."


[MTS]