"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/04/2021

Jurisprudência 2020 (198)


Prova pericial
admissibilidade; princípio inquisitório


1. O sumário de RP 26/10/2020 (258/18.9T8PNF-A.P1) é o seguinte:

I - Toda a prova a produzir, e, como tal, também a pericial, se destina a demonstrar a realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (artº 341º do Código Civil), sendo que a demonstração que se pretende obter com a prova se traduz na convicção subjetiva a criar no julgador.

II - Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção).

III - Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal.

IV - Cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo, não só de legalidade mas também de pertinência sobre o seu objeto: a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão.

V - A prova pericial, com a especificidade de ter a mediação de uma pessoa - o Perito – para a demonstração do facto, consiste na perceção ou apreciação de factos pelo perito/s chamado a os percecionar (com os órgãos dos sentidos) e/ou a os valorar (à luz dos seus especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos), conhecimentos esses que, não fazendo parte da cultura geral e da experiência comum, se presumem não detidos pelo julgador.

VI - A perícia, para perceção e valoração de factos da causa carecidos de prova (por isso pertinente), só deveria ser indeferida se a perceção e a apreciação desses factos não reclamasse conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais (caso em que seria dilatória).

VII - E o princípio do inquisitório, a operar no domínio da instrução do processo (v. art. 411º, do CPC, é um poder vinculado que impõe ao juiz, o dever jurídico de determinar, oficiosamente, as diligências probatórias complementares necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (sempre podendo requisitar, nomeadamente, documentos – v. nº1 e 2, do art. 436º, do CPC), independentemente, pois, de solicitação das partes.

VIII - Destarte, não se excluem, para o despoletar sugestões e, mesmo, requerimentos, da parte que, para fazer valer os seus direitos, naquelas diligências, se mostrem interessadas.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O princípio do inquisitório, apontado pelos apelantes como violado, “no seu sentido restrito”, “que é o rigoroso”, “opera no domínio da instrução do processo” tendo o juiz aí “poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes”[José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 207].

Tal princípio, consagrado no art. 411º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, abreviadamente CPC, é um poder vinculado que impõe ao juiz, que determine, oficiosamente, diligências probatórias complementares, necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, independentemente de solicitação das partes.

Por imposição do referido princípio do inquisitório, consagrado no art. 411º e materializado em inúmeros preceitos, ao juiz incumbe “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. E adianta-se, desde já, que se o pode fazer oficiosamente, nenhuma razão se vislumbra para que o não possa fazer a sugestão, ou mesmo a solicitação, de uma das partes.

Tal princípio, “porém, coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilização das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova.

O princípio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos. Continua a impender sobre as partes o ónus de indicação dos meios de prova, a observar, em regra nos articulados (arts. 552º, nº2 e 572º, al. d)), mantendo-se o normativo do art. 139º, nº3, segundo a qual o decurso de um prazo perentório extingue o direito de praticar o ato. Mas, por outro lado, o preceito faz apelo à realização de diligências que importem à justa composição do litígio, enquanto o art. 526º impõe ao juiz um verdadeiro dever jurídico que deve exercer sempre que no decurso da ação se revele a existência de testemunhas não arroladas [António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina pág. 483 e seg.].

Da conjugação dos artigos 411º e 526º, este que constitui mais uma materialização do princípio do inquisitório, resulta que o juiz deve exercitar os seus poderes inquisitórios, que são poderes vinculados (nunca discricionários), embora “preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade” [Ibidem, pág 484 e 577], quando concluir pela necessidade ou conveniência, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, de realização de diligências de prova suplementares às promovidas pelas partes.

Assim, a “intervenção oficiosa do juiz deve assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo servir para superar, de forma automática, falhas processuais reveladas designadamente através da omissão de apresentação do requerimento probatório em devido tempo[Ibidem, pág 577].

Basta que o juiz (por si ou alertado para isso, mesmo que por requerimento) constate, objetivamente, a necessidade de produzir um meio de prova relevante para a boa decisão da causa para que se lhe imponha o desencadear dos seus poderes-deveres de inquisitoriedade.

Na verdade, os referidos poderes-deveres do juiz decorrentes da inquisitoriedade – art. 411º - “não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento “mesmo oficiosamente”. Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade ou à justa composição do litígio”[José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág. 208], bem podendo, “por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade”, requisição que pode “ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros” – cfr. nº1 e 2, do art. 436º, bem podendo, por isso, requisitar documentos juntos numa outra ação, desde que relevantes para a decisão da causa.

A prova pericial - com regulação de direito probatório material (objeto, admissibilidade e força probatória) nos arts 388º e seg, do Código Civil, e de direito probatório formal (a regular o procedimento da prova pericial) nos arts 467º a 489º, do CPC -, modalidade de prova pessoal e indireta, na medida em que a demonstração do facto é feita através de uma pessoa, o perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia, consiste na perceção ou apreciação de factos, pelo que o perito ou peritos são convocados a percecionar os factos e/ou a valorá-los à luz dos seus conhecimentos técnicos, sendo que aquela operação envolve captação (com os sentidos) dos factos e a sua compreensão.

O perito surge como intermediário entre a fonte de prova e o tribunal quando, para a plena apreensão da prova, haja necessidade de conhecimentos especializados. A prova pericial pode visar a perceção indiciária de factos, a apreciação, de acordo com a regra da causalidade, dos indícios a extrair das fontes de prova (para, nomeadamente, estabelecer um nexo de causalidade)[José Lebre de Freitas, Anotação ao art. 388º, Ana Prata (Coord.), Idem, pág 475]. O perito surge como o intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitando a pessoas, não deverem ser objeto de inspeção judicial (art. 388 CC), o perito intervém no processo de manifestação da fonte de prova e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação.[José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2, 3ª Edição, Almedina, pág. 312]

A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos (artº 341º do Código Civil), sendo que essa demonstração que se pretende com a prova se traduz na convicção subjetiva, criada no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu. Não se trata de uma certeza absoluta acerca da realidade dos factos, que nunca seria alcançável, mas de um grau de convicção suficiente para as exigências da vida[Rita Lynce de Faria, Anotação ao artigo 341º, Idem, pág. 810]. Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (cfr. artº 388º, do Código Civil, que estatui que “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.”).

A prova pericial pressupõe que: são necessários conhecimentos especiais para percecionar ou apreciar os factos, conhecimentos esses de que o juiz não dispõe; ou que os factos a demonstrar são relativos a pessoas não devendo ser objeto de inspeção judicial por estar em causa a intimidade da vida privada e familiar e a dignidade da pessoa, sendo que a prova pericial não deverá ser admitida se não forem exigidos conhecimentos que extravasem o saber do tribunal, sendo esses os conhecimentos relativos à cultura e experiência comuns. A admissibilidade da perícia não está dependente dos conhecimentos concretos do juiz em particular que julga a causa, mas dos que excedem a cultura e experiência comuns, bastando, pois, à parte que pretenda socorrer-se deste meio de prova que invoque que os factos a sujeitar a perícia extravasam essa cultura e experiência. Não será admissível a perícia quando sejam necessários conhecimentos jurídicos, pois que deles dispõe o julgador. A perícia pressupõe conhecimentos específicos, pelo que ao perito a nomear pelo Tribunal tem de ser reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa[Rita Gouveia, Idem, pág. 882], sendo necessários conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos para compreender e poder valorar os factos a apreciar.

E uma vez realizada a perícia, o resultado da mesma é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia, fundamentadamente, sobre o respetivo objeto (artº 484º), questão ou questões direta ou indiretamente ligadas à matéria de facto controvertida para posterior apreciação, pelo juiz, segundo as regras da livre convicção (art. 389º, do CC e art. 607º, nº5, do CPC), que, no entanto, sofrerão uma importante restrição precisamente motivada pelo diferencial de conhecimentos técnicos.

Na verdade, a “prova pericial encontra-se sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, o qual impõe ao julgador que decida os factos em julgamento segundo a sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação da prova trazida ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e do conhecimento das pessoas, utilizando, nessa avaliação, critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo” sendo que “os factos puramente descritivos que constam do relatório pericial, isto é, que não envolvam conhecimentos especializados para a sua percepção (compreensão) e/ou apreciação (valoração), não gozam de qualquer força probatória especial em relação à dos restantes meios de prova. Já os factos cuja percepção (compreensão) e/ou apreciação (valorização) reclame conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos especializados, não acessíveis ao julgador médio, apenas podem ser infirmados ou rebatidos com fundamentos da mesma natureza aos utilizados pelos peritos”[Ac RG de 4/4/2019, Proc. 536/15.9T8EPS.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias)].

Consagra o artigo 475º, com a epígrafe “Indicação do objeto da perícia” que, ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência (nº1), podendo, ela, reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente quer aos factos alegados pela parte contrária (nº2), sendo que a determinação definitiva do objeto da perícia é feita pelo juiz, nos termos do nº2, do art. 476º.

Assim, a perícia tem por objeto as questões de facto que o requerente pretende ver esclarecidas através da diligência, contanto que se contenham no âmbito da causa de pedir e do pedido enunciados pelo Autor ou na defesa invocada pelo Réu[Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado,4ª Edição Revista e Ampliada, 2017, Ediforum, pág. 656], podendo, o objeto da perícia, apenas ser constituído por questões de facto condicionantes (porque infirmadoras ou corroboradoras dos factos que sustentam a pretensão e/ou a exceção) da decisão final de mérito segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito[António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539].

Como bem se analisa no Ac. RG de 26/9/2019 “1- “Factos” são os acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos.

2- “Meios de prova” são os mecanismos colocados pelo legislador ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar ou não a realidade/verificação dos “factos”, isto é, trata-se dos meios legalmente fixados a que as partes e o próprio tribunal se podem socorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não de acontecimentos externos ou internos captáveis pelos sentidos.

3- A prova pericial é um “meio de prova” e não um meio alegatório de factos, sequer se destina a obter outros meios de prova, designadamente, prova documental, e através dela não se podem suprir as omissões de alegação em que incorreram as partes.

4- A prova pericial tem de específico em relação aos restantes meios de prova legalmente previstos, a circunstância da perceção (verificação material) dos “factos” e/ou a apreciação destes (determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros) reclamar conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que por não fazerem parte da cultura geral e da experiência comum, se devem presumir não serem detidos pelo juiz.

5- A prova pericial, tal como os demais meios de prova legalmente previstos, apenas podem recair sobre os “factos da causa”.

6- Consideram-se “factos da causa” os factos essenciais alegados pelo autor, na petição inicial, para fundamentar a causa de pedir nela invocada para sustentar o pedido, os factos essenciais alegados pelo réu na contestação, para fundamentar as exceções que nela invocou contra o autor, os factos essenciais alegados pelo autor na réplica, audiência prévia ou no início da audiência final (arts. 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC) para fundamentar as contra exceções que invocou contra o réu e, bem assim os factos complementares e instrumentais dos essenciais pertinentemente alegados.

7- Quando as questões de facto colocadas pelas partes para efeitos de integrarem o objeto da perícia não versem sobre os “factos da causa”, impõe-se que o juiz indefira essas questões por impertinentes. Já quando essas questões de facto versem sobre “os factos da causa”, mas a perceção e a apreciação desses factos não reclame conhecimentos científicos, técnicos e/ou artísticos especiais, deve-se indeferir essas questões por dilatórias[ Ac. RG de 26/9/2019, Proc. 137/16.4T8CMN-A.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias), in dgsi]. [...]

O art. 476º, do CPC, prevê que a perícia possa ser rejeitada por impertinente ou dilatória (nº1), consagrando, também, deverem ser indeferidas, depois de ouvir a parte contrária sobre o objeto da perícia, as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes (nº2).

E, devendo o tribunal emitir sobre a perícia, como relativamente a todas as provas, um juízo, não só de legalidade, mas também de pertinência sobre o objeto: a prova dos factos que se propõe provar, fê-lo o Tribunal a quo, indeferindo a perícia por “manifestamente dilatória” e “despicienda ser perícia à letra de um documento particular junto numa outra ação).

Ora, as referidas razões não podem, validamente, fundamentar a rejeição deste meio de prova, pois que, existe um facto relevante para cuja perceção (compreensão) e/ou apreciação (valoração) se reclamam, na verdade, conhecimentos técnicos especializados, não acessíveis ao julgador médio, sendo que só o Perito, após realizar a diligência, se poderá pronunciar sobre o resultado atingido, a ser objeto de, ulterior, ponderação.

Isso mesmo resulta, na verdade, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, que refere as situações em que o juiz deve indeferir a perícia ou questões nela suscitadas, ao estabelecer “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.

Assim, face ao estatuído no artº 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes.

Será impertinente se não respeitar aos factos da causa e dilatória se, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º, do CC)[José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 326].

Uma diligência de prova será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa[Ac. RG de 17/12/2019, processo 21/16.1T8VPC-B.G1 (Relatora: Maria João Matos), in dgsi] e, mais ainda, se nem de questão de facto se tratar mas mera questão de direito ou se a perícia não for o meio próprio para provar certo facto.

É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe[António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539], sendo que o que se pretende do perito é que realize uma objetiva observação técnica do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, devendo ser dela afastadas questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador.

Revertendo para o caso, contrariamente ao que foi decidido, a requerida perícia às assinaturas não é impertinente, pois que se prende com os factos da causa, sempre sendo relevante para a formação da convicção do julgador, nem dilatória, pois que o seu apuramento exige os conhecimentos especiais que a perícia pressupõe.

Bem concluem os Apelantes/Autores pelo seu interesse em “convocar para o processo o maior número de elementos probatórios que indiciariamente permitam concluir pela simulação dos diversos negócios impugnados, começando por levar o tribunal a perceber a razão pela qual tiveram as Rés necessidade de simularem uma ação baseada num contrato de comodato que celebraram pelos motivos que se deixaram invocados”, bem ressaltando a dificuldade de “obtenção de meios de prova que não sejam indiretos” e a “necessidade de recurso às presunções judiciais para se concluir pela simulação dos negócios com esse fundamento impugnados”.

E, na verdade, “O novo paradigma do processo civil conferiu ao julgador um maior poder inquisitório em termos de lhe permitir, através de um poder/dever de realização de diligências probatórias, requeridas por qualquer das partes ou sob seu impulso, apurar a verdade, quer quanto aos factos essenciais transpostos para os temas da prova, como quanto aos instrumentais com relevância para essa mesma descoberta, na procura da realização da justiça no caso”.

E, na verdade, dever ser admitido um meio de prova capaz de auxiliar o julgador na prova indireta da simulação dos negócios impugnados, assim como na ponderação da natureza e exercício da posse dos imóveis em discussão condutível à sua aquisição originária.

E sendo a prova pericial, sempre, de livre apreciação (cfr. art. 389º, do Código Civil e art. 607º, nº5, do CPC), juntamente com as restantes provas que forem produzidas melhor habilitará o julgador a formar a sua convicção e decidir a causa em conformidade com a verdade material, melhor alcançando a solução justa.

Assim, tendo os Autores indicado as “questões de facto” objeto da perícia (deixando a lei de lhes chamar “quesitos”) e por não ser impertinente nem dilatória, sendo de prosseguir o procedimento pericial, cumpre ouvir a parte contrária sobre o objeto proposto pelos Autores, facultando-se-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição, nos termos do nº1, do art. 476º, para, de seguida, se o juiz a quo ordenar a realização da diligência com determinação o seu objeto, nos termos do nº2, do artigo anteriormente referido (excluindo as questões de facto, propostas pelas partes que julgue inadmissíveis ou irrelevantes e acrescentando outras que considere necessárias) e considerando, nos termos do nº2, do art. 5º, além dos factos articulados pelas partes, os “factos instrumentais que resultem da instrução da causa” (al. a)) e os “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa”, dando sobre eles às partes a possibilidade de se pronunciarem (al. b)), bem decidir a causa, dando-lhe uma justa solução, conforme a verdade material.

Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo, na verdade, violação dos normativos de direito probatório formal invocados pelos apelantes (arts. 411º, 436º e 467º e v., ainda, art. 5º), tendo, por isso, a decisão recorrida de ser revogada, para que os autos prossigam com a realização do exame pericial solicitado, não impertinente nem dilatório, e a ordenar, para auxiliar na formação da livre convicção do julgador, com vista à descoberta da verdade e à boa decisão da causa."

[MTS]