Apoio judiciário;
deferimento tácito; indeferimento expresso
1. O sumário de RL 27/10/2020 (1320/12.7TBMTA.L1-1) é o seguinte:
I - Tendo o Instituto de Segurança Social proferido decisão expressa no sentido do indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo de formação do acto tácito (deferimento tácito), o acto expresso posterior ao ato tácito constitui um ato administrativo anulatório.
II - A anulação administrativa do acto tácito pode ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade.
III - A questão respeitante à possibilidade ou não de o Instituto de Segurança Social emitir acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no artº 25º nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29/7, tem que ser arguida pela via de impugnação judicial.
IV - Não tendo ocorrido tal impugnação judicial, o acto tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o acto expresso de indeferimento.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O apoio judiciário compreende diversas modalidades, entre elas, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e o pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo (artº 16º nº 1, als. a) e d) da Lei nº 34/2004, de 29/7 – Lei do acesso ao Direito e aos Tribunais, com as últimas alterações introduzidas pela Lei nº 2/2020, de 31/3).
No caso em apreço, a apelante requereu a concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, para propor acção judicial
Tal pedido foi formulado em 10/7/2012.
Por ofícios enviados em 11/7/2013 e em 5/8/2013, foi a recorrente notificada pelo I.S.S. (Instituto da Segurança Social) para, ao abrigo do disposto no artº 8º-B nºs. 3 e 4 da Lei nº 34/2004, de 29/7, apresentar, no prazo de 10 dias, os documentos necessários à prova da sua insuficiência económica, sob pena de indeferimento.
Porém, a apelante não entregou ao I.S.S. tais elementos, alegando agora que não recebeu tal notificação.
Em 26/8/2013, o I.S.S. indeferiu o requerimento de protecção jurídica apresentado pela recorrente.
A decisão do I.S.S. não foi impugnada judicialmente, sendo, pois, definitiva.
Uma vez que a decisão do I.S.S. não foi proferida no prazo de 30 dias contados da apresentação do requerimento de apoio judiciário, a recorrente defende que se formou um acto tácito no sentido do deferimento de tal apoio.
Ora, decorre do artº 25º nº 1 da Lei nº 34/2004 de 29/7, que o prazo para conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais.
Por sua vez o nº 2 de tal normativo diz-nos que, decorrido aquele prazo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.
A norma em causa estabelece um acto ficcionado (deferimento tácito), através do qual se concede ao particular, nos termos da mesma, o correspondente à sua pretensão na sequência do decurso de um lapso de tempo sem que a Segurança Social se tenha pronunciado sobre a mesma (cf. artº 130º nº 1 do Código do Procedimento Administrativo).
No caso, existiu uma manifestação expressa da vontade (decisão no sentido do indeferimento) após a formação do ato tácito.
Houve, assim, um afastamento implícito do acto tácito de deferimento, por incompatibilidade de conteúdo desse acto com a decisão administrativa (expressa) posterior, destruindo os efeitos do primeiro acto.
Refere o Prof. Marcello Caetano (in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pg. 477) que “o acto tácito de aprovação, se não for constitutivo de direitos, pode ser confirmado ou substituído por um acto expresso contrário mas se o acto expresso tiver sentido contrário à ilação legal tirada do silêncio, só à luz da teoria da revogação do acto administrativo, poderá discutir-se a sua validade”.
No Código do Procedimento Administrativo vigente (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 17/1) a figura da revogação abrange unicamente a prática de actos com vista à cessação do acto “por razões de mérito ou oportunidade”, tendo sido criada uma nova figura, a anulação administrativa, que consiste no “acto administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro com fundamento da invalidade” (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul de 5/7/2017 e de 15/1/2015, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt, e Luiz Cabral de Moncada, in “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 3ª ed. rev. e actualizada, pg. 546).
Ora, “uma vez que, no momento da formação do acto tácito, a ora recorrente não estava em condições de beneficiar de apoio judiciário na modalidade requerida, desde logo porque ainda não tinha sido feita prova da sua insuficiência económica (v. artº 7º nº 1 e art. 8º da Lei 34/2004 de 29/7 e artº 14º da Portaria 1085-A/2004, de 31/8) a decisão expressa do I.S.S. configura uma anulação administrativa” (cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 14/11/2019, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Assim, o acto expresso posterior ao ato tácito constitui um ato administrativo anulatório (cf. artº 165º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo).
Uma vez que o acto tácito em causa é constitutivo de direitos (artº 167º nº 3 do Código do Procedimento Administrativo), a sua anulação administrativa podia ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade (artº 168º nº 1 do Código do Procedimento Administrativo). Porém, o acto de indeferimento foi proferido para além de seis meses após o acto tácito, uma vez que, a revogação apenas poderia ter ocorrido até 24/04/2013 (e só ocorreu, como já vimos, em 26/8/2013).
E bastará este circunstancialismo para que o deferimento do pedido de apoio judiciário permaneça válido ?
Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 14/11/2019 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt) :
“Contudo (…), a questão respeitante à possibilidade ou não de o I.S.S. emitir acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no artº 25º nº 1 da Lei nº 34/2004 tinha que ser arguida pela via da impugnação judicial (v. artº 26º nº 2, 27º e 28º da Lei nº 34/2004)”.
“Deste modo, não tendo sido correctamente impugnada a decisão da Segurança Social que revogou o acto tácito de deferimento da pretensão do Requerente no sentido de lhe ser concedida protecção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento taxa de justiça e demais encargos com o processo, o acto tácito de deferimento deixou de ser invocável, por ter desaparecido da ordem jurídica, subsistindo apenas o acto expresso de indeferimento. Este prevalece sobre o acto tácito que se possa ter formado por inércia da administração, porque o revogou tacitamente sem que os interessados o tenham impugnado (v. neste sentido Ac. Tribunal da Relação do Porto de 9/4/13 in www.dgsi.pt)”.
Este entendimento não viola qualquer princípio constitucional, designadamente o da igualdade, previsto no artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, o benefício de apoio judiciário apenas deve ser concedido a quem, efectivamente, esteja numa situação de carência económica, a fim de proporcionar, também a estes o acesso ao direito e aos Tribunais.
O facto de o legislador estabelecer regras objectivamente fundadas para regular tal acesso em nada contende com tal princípio.
Em síntese, diremos que o acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no artº 25º nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29/7, terá que ser arguida pela via da impugnação judicial, não sendo este recurso a sede própria para o impugnar, pelo que, neste momento, subsiste apenas o acto expresso de indeferimento."
[MTS]
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