Falta de competência;
decisão inexistente
I - O Ministério Público carece de competência para apreciar e decidir pedido da mãe de dois menores para a autorizar, como representante legal deles, a alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa aberta por óbito do seu marido e pai dos menores.
II - Tal alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, na qual a representante legal concorre à sucessão com os seus representados.
III - Proferida decisão pelo Ministério Público num pedido dessa natureza a decisão é inexistente, tudo se passando como se nunca tivesse sido proferida.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"III – Fundamentação de direito
O Decreto-Lei 272/01, de 13 de Outubro, tal como expressamente se alerta no seu preâmbulo, veio proceder "à transferência da competência decisória em processos cujo principal rácio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, sendo este o caso das acções de suprimento do consentimento dos representantes, de autorização para a prática de actos, bem como a confirmação de actos em caso de inexistência de autorização"
Estabeleceu, no seu artigo 2º, nº 1, diversos tipos de decisões que passaram para a esfera de acção exclusiva do Ministério Público: a) Suprimento do consentimento, sendo a causa de pedir a incapacidade ou a ausência da pessoa; b) Autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida; c) Autorização para a alienação ou oneração de bens do ausente, quando tenha sido deferida a curadoria provisória ou definitiva; d) Confirmação de actos praticados pelo representante do incapaz sem a necessária autorização.
Mas arredou-se dessa esfera de acção determinadas situações, nomeadamente e para o que aqui interessa, as previstas na alínea b) do nº 2 do citado artigo 2º, ou seja, a autorização para a prática de actos pelo representante legal do menor quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição.
No presente caso estamos perante um pedido de autorização por parte da mãe de dois menores, como representante legal deles, para alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa, aberta por óbito do pai dos mesmos e seu marido.
Bem atentando neste cenário, essa alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, sendo que esta representante legal concorre à sucessão com os seus representados.
Trata-se precisamente do mencionado caso previsto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei 272/01.
Portanto, o Ministério Público actuou em matéria para a qual a lei excluiu expressamente a sua intervenção. Praticou acto para o qual a lei não lhe conferiu atribuições, logo, com falta de jurisdição.
Ora, tal falta de jurisdição é um vício essencial do acto praticado em que se consubstanciou a autorização concedida, o qual não constitui uma nulidade mas antes inexistência jurídica do acto.
A decisão inexistente é insusceptível de produzir efeitos e, demonstrando-se, em qualquer altura, que existe um vício que corresponde à inexistência jurídica, tudo se passa como se nunca tivesse sido proferida.
Como explica Alberto dos Reis, em Cód. de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 114, sendo inexistente, não só não produz efeitos, tal como a decisão nula (quod nullum est nullum producit effectum), como apenas constitui um «estado de facto com a aparência de sentença».
Portanto, neste recurso demonstrou-se que a decisão do Ministério do Público de autorizar a venda do imóvel pela mãe dos menores é uma decisão inexistente, pelo que, embora com fundamentação completamente distinta, o recurso não deixou de surtir o efeito desejado, ou seja, a eliminação de tal decisão.
Pelo exposto delibera-se julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, afirmando-se inexistência da decisão do Ministério Público que autorizou a venda dos imóveis pela mãe dos menores."
[MTS]