"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/04/2021

Jurisprudência 2020 (184)


Taxa de justiça;
dispensa do remanescente; pedido


I. O sumário de RC 22/9/2020 (630/19.7T8LRA.C2-A) é o seguinte:

1.- Quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelo pagamento das custas está definitivamente fixada.

2.- Assim, o requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, mas sempre antes da elaboração desta.

3.- A interpretação de que o nº 7 do artigo 6º do RCP impõe que o requerimento da parte, a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, deve ser apresentado antes do processo ser remetido à conta não sofre de qualquer vício de inconstitucionalidade.


II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Como resulta do disposto no n. 2 do art. 31.º, do RegCP (Decreto-Lei nº 34/2008 de 26 de Fevereiro - Regulamento das Custas Processuais), a reclamação da conta terá que ser fundada na violação das disposições legais. Designadamente as previstas no art. 30.º.

No caso concreto, o reclamante informa que ficou em “choque” com a notificação a conta para pagar.

Assim, após enunciar os motivos, pede que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Pronunciou-se o senhor escrivão contador bem como o Ministério Público. Ambos no sentido da improcedência do pedido, sendo o douto MP desde logo porque o pedido de dispensa já não pode ser formulado após a notificação da conta de custas.

Apreciando.

Como já referimos, a reclamação e custas apenas pode ser procedente caso a mesma esteja elaborada em violação das disposições legais referentes à condenação em custas e ao modo de elaboração a própria conta. O que significa que não pode ser na reclamação à conta que se pede algo que é seu pressuposto.

Tal pedido – o da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - já deveria ter sido formulado anteriormente à elaboração da conta, após a notificação a decisão que punha termo ao processo (Cf. art do ReGCP e Ac. do TR Guimarães de 27.06.2019 1Rel. Desemb. Fernando Fernandes Freitas e disponível in www.dgsi.pt/jtrg o qual dá conta da posição jurisprudencial e doutrinária maioritária). Na verdade, estabelece o nº 7 do art.º 6º do RegCP que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento” [...]

Assim, por total ausência de fundamento, indefiro à reclamação da conta e, por extemporaneidade, indefiro à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.”.

Subscrevemos inteiramente a fundamentação jurídica do despacho recorrido, que se mostra de acordo com os preceitos legais pertinentes e a sua mais correcta interpretação.

Ao contrário do que defende a recorrente, a lei é bem clara relativamente ao incidente de reclamação da conta ou reforma da conta: a mesma terá que ser fundada na violação das disposições legais - art. 31º, do RCP -, designadamente as taxativas previstas no art. 30.º.

O que significa, como salientado no despacho recorrido, que não pode ser na reclamação à conta que se pede algo que é seu pressuposto.

Tal pedido – o da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça  já deveria ter sido formulado anteriormente à elaboração da conta, após a notificação a decisão que punha termo ao processo.

E não se invoque na defesa da sua posição, como a recorrente o faz, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 28.3.2019, Proc. 18335/16.9T8LSB, em www.dgsi.pt, porque o mesmo expressa justamente a posição da 1ª instância e a nossa posição, pois como resulta da leitura do mesmo e sumário publicado, aí se definiu que:

“III - A intervenção do juiz no sentido da dispensa ou redução excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de requerimento das partes, podendo esta ser decidida a título oficioso, na sentença ou no despacho final.

IV - Não obstante, se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respetiva alegação”. [...]

E igualmente não se invoque o Ac. do STJ de 24.10.2019, Proc.1712/11.9TVLSB-B, no mesmo site, porquanto aí se explicita uma fundamentação jurídica contrária à defendida pela recorrente, perante a interpretação a dar ao falado art. 6º, nº 7, do RCP. Efectivamente, aí expõe-se, justificação que seguimos de perto, que:

A dispensa do pagamento pode ser determinada oficiosamente pelo juiz ou a requerimento das partes.

A responsabilidade pelas custas fica definida antes do processo ser remetido à conta. Esta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos (nº 1 do artigo 30º do RCP).

As partes podem requerer a reforma da sentença quanto a custas ou, sendo admissível, interpor recurso (cfr. art. 616º, nºs 1 e 3, do NCPC).

Assim, quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelas custas está definitivamente fixada.

Depois de elaborada a conta, apenas é admissível a correção de erros materiais da conta, nomeadamente quando está elaborada de modo desconforme com as decisões proferidas e com as disposições legais (nº 2 do art. 31º do RCP).

O incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil – instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objeções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática” - Acórdão do STJ, de 13 de julho de 2017, consultável em www.dgsi.pt.

A conclusão de que a decisão sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser antes do processo ser remetido à conta, resulta, com clareza, da própria literalidade do nº 7 do art. 6º do RCP.

No dizer do Acórdão do STJ, de 8.11.2018, “quando a lei refere que «o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se (…)» só pode querer significar que a ressalva aí prevista reporta-se a momento prévio à elaboração da conta final, porquanto a «especificidade da situação» e o julgamento pelo juiz «de forma fundamentada» com vista a «dispensar o pagamento», perdem o seu sentido útil e prático depois de elaborada a conta e notificada parte responsável para pagar.

(…) diferente interpretação do art. 6º, nº 7, do RCP, levaria à prática de atos que teriam de ser anulados, como sejam a feitura de uma conta final, a sua modificação e até algum pagamento que viesse a ser realizado. Realçando-se que a nossa lei processual proíbe de forma perentória a prática de atos inúteis (artº.130º do C.P.C.)”, consultável em www.dgsi.pt.

Por outro lado, não se pode afirmar que as partes só com a notificação da conta passaram a ter conhecimento do montante exato do que se mostra em dívida, pois o valor das responsabilidades das partes pelas custas relativas ao remanescente da taxa de justiça ainda não paga em ação de valor superior a €275 000 resultam de simples cálculo aritmético (artigo 6º. do RCP e tabela I a ele anexa), conhecendo as partes o valor do processo e das taxas de justiça pagas.

O STJ vem entendendo, por grande maioria (apesar de divergências sobre o momento concreto em que as partes podem solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP), que o requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos da disposição legal citada, não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, em sempre antes da elaboração desta - cfr. Acórdãos de 13.7.2017, 3.10.2017, 22.5.2018, 24.5.2018, 11.10.2018, 23.10.2018, 8.11.2018, 11.12.2018, 26.2.2019.

Também Salvador da Costa refere que “A reclamação do ato de contagem não constitui meio idóneo de suscitar a questão da existência de pressupostos da dispensa do pagamento do aludido remanescente, porque se traduz na concretização do decidido a propósito das custas “lato sensu” - in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, pág.135.

Perante o quadro jurídico exposto, e porque o mencionado pedido de dispensa já não pode ser formulado após a notificação da conta de custas, não procede o recurso nesta parte."

[MTS]