"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/04/2021

Jurisprudência 2020 (195)


Título Executivo Europeu;
execução; oposição


I. O sumário de RG 22/10/2020 (3417/17.8T8GMR-A.G2) é o seguinte:

1. Na execução instaurada em Portugal com base em Título Executivo Europeu, emitido em Itália, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 805/2004, de 21 de Abril, na sequência de Decreto Injuntivo declarado executório nos termos dos artºs 633º e seguintes do Cód. de Proc. Civil italiano, a sociedade executada pode deduzir embargos com fundamento na falta ou nulidade da citação ocorrida naquele procedimento injuntivo.

2. Como dispõe o artº 20º, do Regulamento, os trâmites do processo são regidos pelo direito do Estado-Membro e as condições da execução são as mesmas que as exigidas para uma decisão nele proferida.

3. Demonstrando-se que, no âmbito do processo especial sumário italiano, apenas foram remetidas duas cartas, contendo o Decreto Injuntivo, endereçadas à citanda pela advogada das requerentes, mas sem qualquer indicação de que provinham de um Tribunal e equivaliam a citação ou notificação e ambas devolvidas pelos correios com a menção “objecto não reclamado”, apesar de constar certificada nos autos uma declaração de Oficial de Justiça de que procedeu à notificação por entrega de cópia mas referindo-se somente ao envio das cartas registadas, é de entender que se está perante falta absoluta de citação por omissão do acto ou, pelo menos, por este não ter chegado ao conhecimento do destinatário por facto que lhe não é imputável, ou, ainda, por inobservância de formalidades prescritas na lei (designadamente as “normas mínimas” previstas no Regulamento).


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Visando-se, na presente acção executiva, obter o pagamento coercivo da quantia de 354.652,72€, com base em títulos (cumulados) de execução europeus (TTE´s) derivados de procedimentos injuntivos italianos deduzidos, tramitados e decididos ao abrigo dos artºs 633º, e seguintes, do respectivo código de processo civil [...] [...], consiste ela em saber se, em tal execução, aqui instaurada por sociedades credoras transalpinas contra a sociedade devedora portuguesa cá domiciliada e em que esta, mediante embargos, se lhe opôs alegando em seu fundamento a nulidade da citação, a jurisdição nacional pode ou não pronunciar-se sobre o alegado incumprimento das respectivas regras e a consequente invalidade, por tal estar reservado ao tribunal de origem dos títulos.

A sentença recorrida entendeu que sim, sobretudo à luz dos artºs 5º e 20º, nº 1, do Regulamento (CE) 805/2004, e 729º, nº 1, alínea d), do CPC.

As apelantes defendem que não, argumentando que a executada foi citada para as referidas acções, ou melhor, que a sua citação foi analisada e considerada validamente efectuada (à luz da legislação italiana e, por isso, que o tribunal a quo “não esteve bem” ao aplicar as indicadas normas, aplicação esta que “tem de ser mais criteriosa” uma vez que atentou “contra a análise e certificação” feita pelos juízes italianos que “emitiram sentença de condenação da executada”, o que constitui matéria relativa ao “mérito” e, assim, em violação do nº 2, do artº 21º, do Regulamento 805/2004. 

Mais sustentou que a competência ou legitimidade para apreciação do cumprimento dos requisitos mínimos exigidos no Regulamento cabe ao juiz que emite o certificado europeu e não ao juiz nacional, podendo o executado lançar mão de outros expedientes aí previstos caso entenda que a citação contém vícios (artºs 10º e 21º) mas sempre perante aquele e não este.

Cremos que não têm razão.

É verdade que a emissão do “Decreto ingiuntivo” nos termos do artº 633º, da CPC italiano, pelo respectivo juiz, pressupõe que este, para pronunciar a injunção e a dirigir ao alegado devedor, ordenando-lhe o pagamento em falta, faz uma apreciação, embora com base apenas no alegado pelo requerente, das condições de admissibilidade do procedimento.

Também é verdade que, para emitir o “Decreto di esecutorieta” ao abrigo do artº 647º do CPC italiano, o Juiz verifica, à vista dos elementos constantes do procedimento, que as regras ou ritual da citação foram observados.

Com efeito, dispondo o respectivo artº 643º, que o requerimento e o decreto injuntivo (“il ricorso e il decreto”) devem ser notificados mediante cópia autêntica (“sono notificati per copia autentica”) nos termos dos artºs 137º e seguintes [...], a declaração, pelo Juiz, da executoriedade do Decreto com fundamento na falta de oposição ou na falta de intervenção dentro do prazo, pressupõe que este verifica ter sido o destinatário “ritualmente notificato” ou “regolarmente notificado”, como se lê nos respectivos documentos.

Tanto assim que, conforme também prevê o artº 647º, no caso de falta de oposição, o juiz deve, ainda, ordenar que seja renovada a notificação se resultar ou lhe parecer provável que a primeira (e, portanto, o Decreto) não chegou ao conhecimento do devedor (“quando risulta o appare probabile che l'intimato non abbia avuto conoscenza del decreto”).

Trata-se, relativamente às condições de admissibilidade do procedimento, de verificar apenas se os factos alegados no requerimento inicial e os documentos com ele oferecidos em seu suporte preenchem as condições para o efeito abstractamente previstas na lei. O controlo não passa da mera aparência.

Trata-se, ainda, para efeitos da declaração de executoriedade, de uma verificação evidentemente formal, baseada na suposição de que os actos de citação/notificação exigidos na lei e enunciados como realizados no procedimento não só o foram realmente mas também de que cumpriram com eficácia a sua função comunicativa/injuntiva e, assim, levaram ao efectivo conhecimento do devedor a pretensão do seu credor, a ordem de pagamento emitida pela autoridade, a informação dos meios disponíveis para se lhe opor e se defender e a advertência das consequências para a sua eventual passividade e, portanto, na presunção de que, em tais condições, se nenhuma oposição deduziu, é de considerar que se conformou e implicitamente reconheceu a obrigação, podendo o tribunal assim considerá-la e declará-la e ficando o credor legalmente autorizado a executá-la.

O problema nasce quando, já na fase executiva, seja o título accionado internamente ou seja ele invocado além-fronteiras, o devedor pretende questionar o acto de citação/notificação, impugnar o suposto conhecimento dele e do seu conteúdo e efeitos, sendo certo que a falta de oposição oportuna, posto que desacompanhada de prova certa de que tal atitude resultou de uma opção clara, esclarecida, consciente e voluntária, apesar das cautelas previstas e do nível de garantia por elas oferecido, pode não assegurar, em função de certas circunstâncias, um processo justo e equitativo de que é indissociável a possibilidade de exercício efectivo dos inerentes direitos de defesa e ao contraditório.

Na União Europeia, de modo a agilizar e facilitar a cobrança, mediante execução coerciva, num Estado-Membro, de créditos não contestados objecto de decisões e transacções judiciais ou outros instrumentos autênticos produzidos noutro Estado-Membro e independentemente da exequibilidade neste, foi aprovado, vigora e é aplicável, desde 21-10-2005, o Regulamento (CE) nº 805/2004, de 21 de Abril (alterado pelo nº 1869/2005, de 16 de Novembro, que substituiu os respectivos anexos I a VI por força da adesão de novos Estados-Membros).

Tal Diploma, cujo grande objectivo foi suprimir o exequatur para “créditos não contestados”, distingue os requisitos e procedimentos a observar para a certificação do TEE ou para a sua rectificação, revogação ou revisão no Estado-Membro de Origem, dos trâmites e condições a observar na sua execução (e oposição) no outro Estado-Membro.

Conforme se explica nos considerandos preliminares, ele inspira-se nos princípios do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial e da confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros (nºs 3, 4 e 18).

Ao conceito de “créditos não contestados” ligam-se as situações em que, uma vez “estabelecida a não contestação pelo devedor”, o credor obtém uma decisão judicial ou título executivo que, por parte do devedor, pressupõe, uma confissão, expressa ou tácita, da dívida (nº 5).

Embora se considere que “a execução num Estado-Membro diferente daquele em que a decisão é proferida deve ser simplificada e acelerada, suprimindo todas as medidas intermédias a tomar antes da execução no Estado-Membro em que é requerida”, como seria o caso do exequatur, consignou-se claramente que a “decisão certificada como Título Executivo Europeu pelo tribunal de origem deve ser tratada, para efeitos de execução, como se tivesse sido proferida no Estado-Membro em que a execução é requerida” e que as “disposições de execução das decisões deverão continuar a ser reguladas pelo direito interno” (nº 8).

Sem embargo de se pretender facilitar e agilizar a circulação de decisões e títulos análogos, preserva-se o núcleo essencial dos princípios fundamentais vigentes na União.

Assim, não só “a supressão de todos os controlos no Estado-Membro de execução está indissociavelmente ligada e subordinada à existência de garantia suficiente do respeito pelos direitos da defesa”, como, especialmente, se “pretende assegurar o pleno respeito do direito a um processo equitativo”, objectivos para cuja salvaguarda se tratou de estabelecer “normas mínimas” no procedimento que conduz à decisão – especialmente as relativas à citação/notificação –, “a fim de garantir que o devedor seja informado acerca da acção judicial contra ele, dos requisitos da sua participação activa no processo, de forma a fazer valer os seus direitos, e das consequências da sua não participação, em devido tempo e de forma a permitir-lhe preparar a sua defesa” (nºs 10 a 12).

Para isso, considerou-se, naquele campo, que “nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção jurídica, no que se refere ao respeito dessas normas mínimas, pode ser considerado suficiente para efeitos de certificação de uma decisão como Título Executivo Europeu” e que todos eles “se caracterizam quer pela inteira certeza (artigo 13º), quer por um elevado grau de probabilidade (artigo 14º) de que o acto notificado tenha chegado ao seu destinatário” ou das pessoas com ele relacionadas tidas por idóneas para receber o documento (nºs 13, 14 e 15).

Nessa perspectiva, enfatiza-se que, embora os tribunais de um Estado-Membro fiquem, autorizados a considerar que todos os requisitos de certificação como TTE estão preenchidos “a fim de permitir a execução da decisão em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correcta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada”, lhes compete “examinar exaustivamente se as normas processuais mínimas foram integralmente respeitadas”, devendo tal exame e seus resultados “transparecer” do título normalizado (nºs 17 e 18).

De salientar, ainda, que o regulamento “não impõe aos Estados-Membros o dever de adaptar a sua lei nacional às normas processuais mínimas nele previstas”, apenas “promove um incentivo nesse sentido, instituindo uma execução mais rápida e eficaz das decisões noutros Estados-Membros apenas no caso em que essas normas mínimas forem respeitadas” (nº 19).

A observância de tais “normas mínimas” é, pois, condição para o título poder ser certificado como TEE pelo tribunal de origem mas não deixa de o ser para ele valer no tribunal de execução e para neste poder ser instaurado o respectivo procedimento.

Tal significa que, perante uma execução instaurada no tribunal do Estado-Membro, este respeita o mérito subjacente à decisão exequenda e o mérito da sua certificação como TTE, admitindo tal título como base daquela, mas não abdicará de facultar ao executado as garantias de oposição designadamente quando esta for fundamentada no desrespeito pelas referidas normas mínimas, mormente a propósito da essencial notificação/citação.

Deve salientar-se que o posterior Regulamento (CE) 1896/2006, de 12 de Dezembro, que criou o procedimento europeu de injunção de pagamento, além de uma estrutura paralela, se ancora significativamente em considerandos (e regras) similares, para o efeito usando mesmo ora expressões iguais ora idênticas ou até ainda mais incisivas e actualizadas, mormente a propósito do estabelecimento de “normas mínimas” relativas à citação/notificação.

Assim, “nenhum meio de citação ou de notificação baseada numa ficção legal deverá poder ser considerado suficiente para efeitos de citação ou notificação de uma injunção de pagamento europeia” (nº 19), sendo que todos os meios se caracterizam “pela certeza absoluta” ou “por um elevado grau de probabilidade” de que o acto de notificação “tenha chegado ao seu destinatário” (nº 20).

Mas mais:

“Uma injunção de pagamento europeia emitida num Estado-Membro e que tenha adquirido força executiva deverá ser considerada, para efeitos de execução, como se tivesse sido emitida no Estado-Membro no qual se requer a execução. A confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros justifica que o tribunal de um Estado-Membro considere preenchidos todos os requisitos de emissão de uma injunção de pagamento europeia, a fim de permitir a execução da injunção em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correcta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, em especial das normas mínimas estabelecidas nos n.os 1 e 2 do artigo 22.o e no artigo 23.o, a execução da injunção de pagamento europeia deverá continuar a ser regida pelo direito interno” (nº 27).

Por isso é que, tal como nos termos do artº 20º, nº 1, do Reg. 805/2004, em relação aos TTE´s, também, de acordo com o artº 21º, nºs 1 e 2, do Reg. 1896/2006, em relação à injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva, os trâmites da execução respectiva se regem pelo direito interno do respectivo Estado-Membro de execução e as condições de exequibilidade do título são as mesmas das decisões proferidas neste.

Ora, referindo-nos agora ao caso aqui em apreço, não pode deixar de se reconhecer que a certificação como TTE, ao abrigo do citado Regulamento 805/2004, do Decreto de Executoriedade emitido no epílogo do procedimento especial sumário italiano, pelo respectivo Juiz, de modo a poder ser executada em Portugal “sem necessidade de declaração de executoriedade ou contestação do seu reconhecimento [...], isto é, sem precisar de ser internamente reconhecido e declarado como executório e sem ser sujeito a contraditório, pressupõe, desde logo, pedido nesse sentido apresentado ao tribunal de origem – artº 6º.

Implica, depois, a verificação por este das condições ou requisitos para tal (designadamente as “normas mínimas” aplicáveis aos processos relativos a “créditos não contestados”), como decorre, além do mais, dos artºs 6º, 9º e 12º, designadamente da observância das “normas mínimas” – o que, aliás, é exposto mediante o preenchimento do formulário respectivo (anexo I) e atestado pelo Juiz que o assina (cfr., v.g., as quadrículas, 11.1, 11.2, 12, 12.1, 12.2 e 13, respeitantes aos termos da notificação e citação, informações transmitidas e designadamente quanto à possibilidade de impugnar o acto).

E implica também a verificação de elementos relativos ao crédito, sua natureza, prazos e modo de pagamento, bem como os juros (cfr. quadrículas 5.1, 5.2 e 10 do citado formulário).

Uma vez emitida a certidão do TTE e dada a sua reconhecida força executória transfronteiriça (artºs 9º e 11º), ela poderá ser executada sem mais (artº 5º) no outro Estado-Membro, como o foi neste caso em Portugal.

Apesar de, claramente, os trâmites da execução serem regidos pelo direito deste (aqui, o direito português) e de a prestação baseada no TTE certificado e emitido em Itália ser executada nas mesmas condições que uma qualquer decisão análoga proferida em Portugal (artº 20º, parágrafos 1 e 2), para este efeito devendo como tal ser “tratada” (considerando nº 8), tal não impede, ainda, que ela possa, desde logo ser, nas condições específicas do artº 21º ou perante as circunstâncias previstas no artº 23º, a pedido do devedor, recusada e suspensa ou limitada pelo tribunal da execução, de modo a, designadamente nestas últimas duas hipóteses, viabilizar, junto do tribunal de origem, o pedido de rectificação, de revogação ou de revisão, à luz dos artºs 10º e 19º.

Contudo, precisamente porque as regras de processamento e as condições legais da execução aplicáveis são as mesmas que vigoram no ordenamento jurídico interno do Estado-Membro, o executado pode contra ela deduzir oposição com fundamento em alguma das hipóteses previstas no artº 729º, CPC (as mesmas invocáveis em execução baseada em sentença).

É o caso da prevista na alínea d), do nº 1: “Falta ou nulidade da citação, para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo”[...] [...].

A isso não obsta o facto de o nº 2, do artº 21º, do Regulamento estabelecer que “A decisão ou a sua certificação como Titulo Executivo Europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro da Execução”.[...]

Como se sabe, a decisão de mérito, por contraposição à de forma, respeita à pronúncia sobre o fundamento de certa pretensão baseada numa dada relação jurídica e sobre o merecimento da tutela ou providência jurisdicional (declaração, condenação) requerida para a mesma. Não respeita às condições ou pressupostos relativos às partes, ao tribunal e ao processo que devem estar verificados de modo a viabilizar o conhecimento daquela.

Mesmo admitindo-se que o decreto de executoriedade e a sua certificação como TTE, embora nas condições referidas, incidiram, embora “de preceito”, sobre o fundo da causa, isto é, sobre a relação jurídica substancial respectiva, a verdade é que a apreciação do aludido fundamento dos embargos – falta ou nulidade da citação para o decreto de injunção – não implica qualquer revisão ou reapreciação de mérito.

Mesmo na perspectiva do “mérito” do acto de certificação, pelo juiz, como título executivo europeu, do decreto de executoriedade, cujo carácter formal, designadamente quanto à observância das norma mínimas relativas à notificação (artºs 13º e 14º, do Regulamento), é evidente, desde logo porque baseado na verificação pressupostamente já feita por outro juiz aquando da emissão daquele decreto e na presunção de que o acto foi recebido e conhecido e de que a falta de oposição significa reconhecimento implícito da obrigação, o tribunal de execução não irá pronunciar-se sobre a bondade das inerentes formalidades tidas por encetadas mas sim sobre a sua absoluta falta ou a sua total ineficácia para levar ao conhecimento do destinatário a injunção e assim assegurar os seus essenciais direitos.

Tal como ocorre no caso de decisões internas e apenas sujeitas ao direito nacional, tratando-se de vício da máxima gravidade por contender com a garantia dos princípios fundamentais da defesa e do contraditório, apesar do trânsito em julgado e de, para tal, se pressuporem formalmente como verificados e assentes todos os pressuposto relativos à instância, à cabeça dos quais se encontra o de ter sido efectuada a citação – chamada do demandado para se defender –, não deixa a nulidade desta de poder ser invocada, já em fase executiva da sentença, mediante os embargos.

É que mesmo o direito à revisão previsto no artº 19º, do Regulamento, apenas contempla as hipóteses de (sem culpa do devedor notificado) a notificação ter sido efectuada por um dos meios do artº 14º mas não em tempo útil para lhe permitir preparar a defesa ou de ter sido impedido de deduzir oposição ao crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excepcionais.

Ele não abrange a hipótese da falta ou da nulidade da citação, falhas extremas que o Estado-Membro da execução compreensivelmente não pode consentir que os seus tribunais estejam impedidos de apurar e declarar por as mesmas envolverem a lesão de princípios fundamentais e, de resto, comuns e muito caros no espaço europeu.

Mesmo que, portanto, na acção declarativa e nas decisões proferidas no país de origem, tenham sido verificadas e declarados os pressupostos da instância, mormente quanto às “normas mínimas” (caso da citação/notificação), não deixa a nulidade de poder ser invocada, discutida, apreciada e decidida no tribunal da execução do Estado-Membro, mediante a oposição por embargos, como última garantia do exercício dos citados direitos.

Aliás, na oposição, a embargada não ataca propriamente a certificação. Invoca, sim, que não foi citada e nenhum conhecimento teve da injunção.

Por estas razões e em linha com o que já admitíramos no precedente Acórdão que recaiu sobre a primitiva sentença revogada, concorda-se com a decisão recorrida quando ela aceitou que o dito fundamento pode ser invocado nos embargos à execução e o tribunal respectivo pode sobre eles pronunciar-se.

De resto, é bem significativa do espírito que norteia o legislador comunitário a orientação seguida pelo Tribunal de Justiça no citado Acórdão de 04-09-2014, proferido a propósito da questionada interpretação do regime muito semelhante a este constante do Regulamento 1896/2006.

Depois de, a respeito deste, notar que ele “nada prevê quanto às eventuais vias de recurso ao dispor do requerido quando só após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia se constata que essa injunção não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos”, de observar que “estas questões processuais continuam a ser regidas pela lei nacional em conformidade com o artº 26º” e que, mesmo à luz dos requisitos mínimos estabelecidos para a citação, não podendo a injunção beneficiar da aplicação do processo executório, a respectiva declaração de executoriedade deve ser considerada inválida, concluiu, em síntese:

“O Regulamento (CE) nº. 1896/2006 do Parlamento e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção, deve ser interpretado no sentido de que os procedimentos previstos nos artigos 16.º a 20.º [declaração de executoriedade e reapreciação em casos excepcionais] deste regulamento não são aplicáveis quando se verifique que uma injunção de pagamento europeia não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos artigos 13.º a 15.º do referido regulamento. Quando essa irregularidade só se revelar após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia, o requerido deve ter a possibilidade de a denunciar, devendo a mesma, caso seja devidamente provada, implicar a invalidade da referida declaração de força executória.”

Se assim é relativamente à injunção, assim deve ser, por análogas razões, quanto ao TEE certificado num Estado-Membro, na respectiva execução movida perante outro Estado-Membro e à luz do respectivo direito nacional aplicável não só à tramitação com às condições de exequibilidade: se a ordem jurídica portuguesa reconhece o TEE, sem necessidade de exequatur, exactamente como reconhece uma sua sentença condenatória transitada em julgado, não deixa de, na respectiva execução perante a jurisdição nacional, viabilizar os embargos no caso de a citação para a acção faltar ou ser nula.

Ao tribunal do Estado-Membro de origem fica assim reservada a apreciação dos pedidos de rectificação, revogação ou revisão, nos termos e nas hipóteses previstas no Reg. 805/2004.

Não procedem, pois, os argumentos a tal propósito tecidos pelas recorrentes (sintetizados nas conclusões 1 a 14), baseadas, aliás, sempre, no incorrecto pressuposto de que a apelada foi “citada”, de que a citação foi “efectuada”, “analisada” e “considerada válida” pelos juízes que proferiram as sentenças [...] e de que apreciar, nos embargos à execução portuguesa, a nulidade da citação é apreciar a decisão do tribunal italiano e a decisão da sua certificação como TTE."


[MTS]