"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/07/2021

Informação (283)


Férias de Agosto

Como é habitual, o Blog interrompe as publicações regulares durante o mês de Agosto. Espera-se retomar a regularidade normal em Setembro.

Uma nova publicação no âmbito do CPC online só está prevista para Outubro.


MTS

Bibliografia (982)


-- Alexander RuckteschlerDie Veräußerung streitbefangener Gegenstände / Eine Neubewertung auf historisch-vergleichender Grundlage (Mohr: Tübingen 2021)



Jurisprudência 2021 (24)


Divórcio judicial;
processo de inventário; competência


1. O sumário de RC 23/2/2021 (435/20.2T8PBL-A.C1é o seguinte:

I – A Lei nº 117/2019, de 13.9, que entrou em vigor em 1.1.2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5.3, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts. 1082º a 1135º) o inventário judicial.

II - Sem prejuízo do regime transitório previsto nos arts. 12º e 13º da referida Lei nº 117/2019, estabelece a mesma a repartição de competências para a tramitação do inventário entre os tribunais judiciais e os cartórios notariais, delimitando o art. 1083º do C.P.C. os casos em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos primeiros.

III - Resulta da alínea b) do n.º 1 do art.º 1083.º do C.P.C. que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

IV - Por outro lado, resulta do n.º 1 do art.º 1133º do mesmo diploma que: “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”.

V - O inventário para separação de meações é dependente do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.

VI - Da leitura destes preceitos e da sua conjugação com o disposto no n.º 2 do art.º 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), onde se refere que: “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”, temos para nós que o inventário tem de correr nos tribunais judiciais (juízos de família e menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A Lei nº 117/2019, de 13.9, que entrou em vigor em 1.1.2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5.3, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts. 1082º a 1135º) o inventário judicial.

Assim, e sem prejuízo do regime transitório previsto nos arts. 12º e 13º da referida Lei nº 117/2019, estabelece a mesma a repartição de competências para a tramitação do inventário entre os tribunais judiciais e os cartórios notariais, delimitando o art. 1083º do C.P.C. os casos em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos primeiros.

Resulta da alínea b) do n.º 1 do art.º 1083.º do C.P.C. que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

Por outro lado resulta do n.º 1 do art.º 1133º do mesmo diploma que:

“Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”

O inventário em causa é dependente do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.

Da leitura destes preceitos e da sua conjugação com o disposto no n.º 2 do art.º 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), onde se refere que: “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”, temos para nós que o inventário tem de correr nos tribunais judiciais (juízos de família e menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Lisboa de Lisboa de 14.7.2020 – 6, proc.º n.º 99/16.6T8CSC-D.L1-7, relatado por Maria da Conceição Saavedra).

É verdade que o art.º 133.º [1133.º] do C.P.C., como se refere na decisão recorrida, sustentada na opinião de Tomé D’ Almeida Ramião, não prevê, de forma expressa, que o inventário requerido na sequência de divórcio seja tramitado por apenso ao processo judicial onde este foi decretado, ao contrário do que sucedia com o nº 3 do art. 1404º do C.P.C. que lhe correspondia na versão do DL nº 329-A/95, de 12.12.

Contudo, temos para nós que é a dependência e a conexão entre ambos os processos que justificará a competência exclusiva dos tribunais judiciais para tramitar tais inventários (cfr. neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa supra citado), pois só assim, quanto a nós, se compreende a conjugação dos art.ºs 1133.º do C.P.C. e art.º 122 da LOSJ.

Por outro lado, o nº 2 do art. 206º do C.P.C. refere que: “As causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam.”

Assim, como refere Pedro Pinheiro Torres in Cadernos do CEJ “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pág. 31: “(…) Será, porventura. relevante fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; (…).”

Também António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa vão nesse sentido, ao referirem in “Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2020, Vol. II, pág. 527” que: “(…) Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206º, nº 2.(…).”.

Referem ainda os mesmos autores, in ob. cit., págs. 527 e 629, que “a mesma relação de dependência justifica a instauração por apenso na prestação de contas pelo cabeça de casal (art. 947º), na atribuição da casa de morada de família por dependência da ação de divórcio pendente ou finda (art. 990º, nº 4), na autorização para a prática de atos por dependência de processo de inventário ou de maiores acompanhados (art. 1014º, nº 4), na nomeação judicial de titulares de órgãos sociais para efeito de representação da pessoa coletiva em causa pendente (art. 1054º, nº 2) ou ainda nos casos previstos nos arts. 881º, nº 3, 915º, 924º e 959º).

Pelo exposto e por concordar com o segmento do referido no Ac. da Rel. de Lisboa supra citado, aqui o transcrevemos “Cremos, com o devido respeito, que a regra da apensação, justificada pela relação de dependência e conexão entre ambos os processos é a que melhor se coaduna com a competência exclusiva dos tribunais judiciais para tramitar, nomeadamente, o inventário requerido na sequência de divórcio judicial, sendo ainda a mais conforme com o princípio da economia processual, já que do processo de divórcio poderão constar elementos relevantes para a decisão da partilha (cfr. art. 1789º do C.C., com a epígrafe “Data em que se produzem os efeitos do divórcio”).

Pelo que, tendo em conta o disposto no art. 206º, nº 2 do C.P.C., não podemos retirar do confronto entre o atual art. 1133º do C.P.C. e o correspondente art. 1404º do C.P.C. de 1961 que o inventário será tramitado de forma autónoma e independente nos tribunais de família e menores ainda que aí tenha corrido termos a ação que lhe deu origem e que com ele é conexa.

Em suma, concluímos que cabendo aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos arts. 122, nº 2, da LOSJ, e 206, nº 2, do C.P.C..”.

Face ao exposto, tem de proceder a pretensão do recorrente, devendo ser o inventário tramitado por apenso ao processo de divórcio judicial dos interessados.


[MTS]


29/07/2021

Paper (465)


-- Enoch, David / Fisher, Talia / Spectre, Levi, Does Legal Epistemology Rest on a Mistake? On Fetishism, Two-Tier System Design, and Conscientious Fact-Finding (SSRN 07.2021)



Jurisprudência 2021 (23)


Sociedade; extinção;
continuação da acção


1. O sumário de RL 11/2/2021 (2538/15.6T8PDL-B.L1-2) é o seguinte:

I - Na execução para pagamento de quantia certa em que, na pendência da mesma, ocorre a extinção da sociedade comercial (anónima) Executada, nos termos dos artigos 11.º, n.º 4, e 13.º do RJPADLEC, com o registo da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, é aplicável o disposto no art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC.

II - Com efeito, o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º , ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”.

III - Em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"2.ª questão – Da impossibilidade superveniente da lide

"[....] Comecemos por elencar os preceitos legais aplicáveis ao caso, atentando primeiramente no disposto no art. 269.º, n.ºs 1, al. a), e 3 do CPC:

“1 - A instância suspende-se nos casos seguintes:
a) Quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais;
(…) 3 - A morte ou extinção de alguma das partes não dá lugar à suspensão, mas à extinção da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide.”

De referir, em estreita conexão com este normativo, o preceituado no art. 354.º, n.º 3, do CPC (com a epígrafe “Habilitação no caso de a legitimidade ainda não estar reconhecida”): “Se for parte na causa uma pessoa coletiva ou sociedade que se extinga, a habilitação dos sucessores faz-se em conformidade do disposto neste artigo, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.”

O referido art. 162.º do CSC, cuja epígrafe é “Acções pendentes”, dispõe que:

“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.”

Pese embora este artigo não remeta para o n.º 1 do art. 163.º, importa atentar no teor integral deste artigo, cuja epígrafe é “Passivo superveniente”:

“1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.”

Finalmente, importa ter presente o que dispõe o art. 164.º, com a epígrafe, “Activo superveniente”:

“1 - Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.
2 - As acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse.
3 - A sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles e pode ser individualmente executada, na medida dos respectivos interesses.
4 - É aplicável o disposto no artigo 163.º, n.º 4.
5 - No caso de falecimento dos liquidatários, aplica-se o disposto no artigo 163.º, n.º 5.”

Desde já adiantamos que não nos parece que se justifique convocar o disposto nos artigos 53.º e 54.º do CPC (invocados no despacho de 16-11-2020) [...]

Se tal facto (extinção da sociedade), embora anterior, apenas for verificado na pendência da ação, coloca-se outro problema, apreciado designadamente no acórdão da Relação do Porto de 14-01-2014, proferido no processo n.º 5076/12.5TBMTS-B.P1 (disponível em www.dgsi.pt), conforme se alcança do respetivo sumário:

“I - A sociedade comercial não se extingue com a dissolução, nem sequer com a liquidação, mas apenas com o registo do encerramento da liquidação. 
II - Dissolvida a sociedade (cfr. causas de extinção previstas nos artigos 141.º a 143.º CSC), esta entra imediatamente em liquidação (artigo 146.º, n.º 1, CSC), mantendo a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, continuando a aplicar-se, em princípio, as regras que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º, n.º 2, CSC). 
III - Nas situações em que a extinção da sociedade ocorre antes da propositura da acção mas apenas é conhecida no seu decurso, não é necessário recorrer-se ao incidente de habilitação (aplicação analógica do artigo 163.º CSC) para que a sociedade seja substituída pelos sócios.”

De referir ainda, pelo particular interesse da sua fundamentação, o acórdão do STJ de 18-01-2018, proferido no processo n.º 2153/13.9TYLSB.L1.S2 (também disponível em www.dgsi.pt), que versou sobre uma situação lacunar, não enquadrável nos referidos artigos 162.º a 164.º do CSC, mas com pontos de contacto com o caso dos autos. Tratava-se de situação em que existia passivo superveniente de uma sociedade por quotas extinta, com património não partilhado que continuava a gerar dívidas ao condomínio (após a extinção dessa sociedade), referindo-se, no respetivo sumário:

I - Concluindo-se que a via administrativa para a dissolução de sociedades (o RJPADLEC) não permite acautelar cabalmente legítimos interesses dos credores da sociedade dissolvida, não pode o aplicador do direito resignar-se à conclusão de que o sistema não confere expressamente legitimidade aos credores para promoverem a partilha por via judicial.
II - A existência de imóveis (que têm como proprietária uma sociedade dissolvida administrativamente), que não foram objeto de liquidação nem de partilha (porque esta fase não existiu), mas que continuam a gerar passivo (dívidas ao condomínio) não se encontra expressamente prevista nos arts. 163.º e 164.º do CSC.
III - Não sendo os ex-sócios diretamente demandáveis pelo pagamento das dívidas ao condomínio, (porque nada receberam da sociedade), há que apurar como pode o património da extinta sociedade responder por aquelas dívidas.
IV - Do ponto de vista da correta ordenação da titularidade dos bens, não é admissível que imóveis urbanos, concretamente frações autónomas, não tenham um dono que possa ser responsabilizado pelas dívidas inerentes ao seu específico estatuto imobiliário. Pelo facto de se encontrarem em propriedade horizontal, os imóveis (propriedade da dissolvida sociedade) continuarão, necessariamente, a gerar as dívidas correspondentes às despesas do condomínio.
V - Constatando-se a abertura do sistema à via judicial, feita pelo n.º 2 do art. 165.º do CSC, deverá concluir-se que essa via se manterá igualmente aberta quando esteja em causa a reclamada tutela de interesses materialmente idênticos. As hipóteses previstas no art. 165.º do CSC (respeitantes ao destino dos bens das sociedades inválidas) e a hipótese do caso sub judice (insuficiência normativa do procedimento administrativo de dissolução) respeitam a problemas valorativamente equiparáveis, pelo que se justifica a convocação da solução jurídica que conduza aos mesmos efeitos práticos.”

A jurisprudência, a propósito de um amplo leque de situações em que se comprova, na pendência da ação, ter ocorrido a dissolução com a respetiva extinção da sociedade demandada/ré/executada, tem divergido sobre a questão de saber a quem pertence o ónus de alegar e provar o recebimento pelos sócios de bens ou direitos em partilha na sequência dessa dissolução, registando-se que, na sua larga maioria, os tribunais têm considerado que incumbe ao demandante/autor/exequente. Neste sentido, sem preocupações de exaustão, localizámos os acórdãos seguintes (todos disponíveis, salvo indicação em contrário em www.dgsi.pt):

[...] 2. Acórdão do STJ de 26-06-2008, no proc. n.º 08B1184, também disponível em /www.colectaneadejurisprudencia.com, citando-se o sumário que consta desta última Base de Dados:

I - Dissolvida uma sociedade, entra em liquidação, mantendo, porém, a sua personalidade jurídica.
II - A extinção duma sociedade - com a perda da sua personalidade jurídica e judiciária - só ocorre com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação.
III - Extinta uma sociedade, não se extinguem as relações jurídicas de que era titular, nas quais a sociedade se passa a considerar substituída pela generalidade dos antigos sócios, que, extinta a sociedade, respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
IV - Responsabilidade que pode continuar a existir ainda que na escritura de liquidação os sócios hajam declarado que não há activo ou passivo a liquidar - não sendo assim a extinção precedida duma verdadeira fase de liquidação.
V - Efectivamente, tal declaração não está coberta pela força probatória material que, nos termos do art. 371.º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos.
VI - Todavia, é sempre aos credores sociais que compete alegar e provar a existência de bens sociais susceptíveis de serem partilhados pelos sócios de sociedade extinta.
VII - Alegação que, tendo a substituição da sociedade pela generalidade dos antigos sócios ocorrido na pendência da acção, deve ser feita em articulado superveniente na mesma acção, não podendo ser deixado para a fase de execução de sentença.
VIII - De facto, sem tal alegação, não pode demonstrar-se que os sócios da sociedade extinta receberam quaisquer bens, não podendo assim os mesmos ser condenados (163.º, n.º 1, do CSC).
 
3. Acórdão da Relação do Porto de 15-12-2010, no proc. n.º 576/07.1TTVCT-C.P1:

I - A sociedade extinta (o que ocorre com o registo do encerramento da liquidação, nos termos do art. 160.º, n.º 2, do CSC) carece de personalidade jurídica e judiciária (art. 5.º, do CPC) para ser demandada em acção executiva.
II - Nesse caso, a legitimidade passiva recai sobre os antigos sócios que hajam sucedido nas obrigações da sociedade; ou, quanto aos sócios de responsabilidade limitada, sobre os que receberam algo em partilha e apenas até ao montante do que receberam.
III - Incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex)sócio demandado na execução.

4. Acórdão da Relação de Lisboa, no proc. n.º 17316/09.3YIPRT-B.L1-7, de 12-07-2012:

I – Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais);
II – Ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, contudo, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado);
III – Nas acções (e execuções) pendentes contra a sociedade, à data da sua extinção, opera uma sucessão subjectiva, sem suspensão da instância e nem liquidação, considerando-se ela substituída pelos ex-sócios (artigo 162º do CSC);
IV – É sobre o credor exequente que carrega o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que como tal está afecto à satisfação do crédito exequendo;
V – Opondo-se o ex-sócio à execução, com fundamento em nenhum bem ter recebido em liquidação do património da sociedade, há fundamento para rejeição liminar, na medida em que esse facto se reflecte, não sobre a existência do crédito (e por conseguinte sobre a subsistência da execução), mas tão-só sobre o acervo patrimonial a ele afecto (artigo 817º, nº 1, alínea c), e nº 4, do Código de Processo Civil).

5. Acórdão do STJ de 14-03-2017, na Revista n.º 5871/13.8TBMTS.P1.S1 - 1.ª Secção, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário, disponível em www.stj.pt:

II - A responsabilização dos sócios da sociedade extinta com o encerramento da liquidação depende da alegação e prova de que receberam bens na partilha do património da sociedade.
III - Competia à autora alegar, para depois poder provar, os referidos factos que, estando legalmente definida a responsabilidade dos sócios, se apresentam como constitutivos do seu crédito «até ao montante que receberam na partilha».
IV - Não tendo cumprido com os referidos ónus de alegação e de prova, não pode obter a condenação dos réus, enquanto antigos sócios da ré, ao abrigo do disposto no art. 163.º do CSC.

6. Acórdão da Relação do Porto de 06-04-2017, no proc. n.º 1345/14.8T2AGD-A.P1:

I - Não obstante nas ações pendentes em que a sociedade seja parte, a sua extinção, determine a sua substituição pela generalidade dos sócios (representados pelo liquidatário) ao abrigo do art.º 162º do CSC, tal substituição não é automática nem ilimitada.
II - Se apenas a sociedade comercial de responsabilidade limitada, liquidada e extinta, foi condenada na ação declarativa no pagamento de determinada quantia pecuniária a favor do exequente, não pode a execução de sentença iniciar-se contra o seu ex-sócio (representado pelo liquidatário), ao abrigo do art.º 163º do CSC, sem que se aleguem (e provem oportunamente) em ação própria ou, pelo menos, no requerimento inicial executivo, os pressupostos da responsabilidade deste último e da sua sucessão à sociedade, desde logo como requisito de legitimidade passiva, por não figurar no título executivo como devedor, abrindo também o contraditório.
III - Sendo dele o ónus de alegação e prova, não satisfaz aquela exigência o exequente que só após a sentença declarativa condenatória da sociedade extinta, ali requereu simplesmente a notificação dessa sentença ao ex-sócio e que, no requerimento executivo o apresenta como executado, informando conclusivamente que “dissolveu a sociedade e declarou falsamente que a mesma não tinha passivo” e que o “ora executado dissolveu a sociedade e ficou com os bens ativos de que ela era detentora”.

7. Acórdão da Relação do Porto de 18-05-2017, no proc. n.º 2899/15.7T8LOU.P1:

I - Não obstante nas ações pendentes em que a sociedade seja parte a extinção desta determine a sua substituição pela generalidade dos sócios (representados pelo liquidatário) ao abrigo do art.º 162º do CSC, tal substituição não é automática nem ilimitada.
II - Se apenas a sociedade comercial de responsabilidade limitada, liquidada e extinta, foi condenada na ação declarativa no pagamento de determinada quantia pecuniária a favor da exequente, não pode fazer-se seguir a execução de sentença contra o seu ex-sócio (representado pelo liquidatário), ao abrigo do art.º 163º do CSC, sem que se aleguem (e provem oportunamente) em ação própria ou, pelo menos, em fase incipiente da execução (quando antes não pôde ser), os pressupostos da responsabilidade deste último e da sua sucessão à sociedade, desde logo como requisito de legitimidade passiva, por não figurar no título executivo como devedor, abrindo também o contraditório.
III - Tal alegação na execução passa pela concretização descritiva dos bens e valores da sociedade extinta partilhados em benefício do ex-sócio (potencial executado legitimável), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito da exequente; porém, de modo compatível com as caraterísticas coercitivas do processo de execução, sem retardamento anormal ou complicação declarativa.

8. Acórdão da Relação do Porto de 05-02-2018, no proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1:

I - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha (artigo 163.º, do C.S.C.).
II - O direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado, perante o que a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito e não um facto modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão.
III - Perante um facto constitutivo do direito, deve o mesmo ser alegado e provado pelo autor nos termos que decorrem das disposições conjugadas dos artigos 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comercial.
 
9. Acórdão da Relação do Porto de 22-10-2018, no proc. n.º 582/15.2T8PRT.P1:

I - Com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou ativo supervenientes.
II - Em consequência da extinção, deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem.
III - Nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, a questão do passivo e do ativo supervenientes foi solucionada no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em determinados termos, para os sócios por sucessão.
IV - A existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova.
V - Não pode a execução intentada contra a sociedade prosseguir contra os sócios, quando não foram alegados, ao menos no requerimento inicial executivo, os pressupostos da sua responsabilização, isto é, que aqueles receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.

10. Acórdão do STJ de 25-10-2018 (que confirmou o anterior ac. da RP de 05-02-2018), no proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2: Em acção pendente contra a sociedade que veio a ser liquidada e extinta, compete ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha da sociedade executada para efeitos de prosseguimento da acção contra os mesmos sócios nos termos do artigo 163º, nº 1, do CSC.

11. Acórdão do STJ de 01-10-2019, no proc. n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1:

1. Sendo extinta uma sociedade no decurso de acção judicial contra ela interposta, esta poderá prosseguir contra os antigos sócios, desde que estes tenham recebido bens na partilha, ficando a responsabilidade desses sócios pelo passivo social limitada pelo montante que receberam na partilha;
2. Não tendo ficado provado que qualquer dos sócios da R. tenha recebido em partilha algum bem da sociedade, não existe fundamento à luz dos arts. 162º e 163º nº1 do C.S.C. para que a acção prossiga contra esses sócios liquidatários;
3. Na situação indicada deve julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do C.P.C.), já que a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais está limitada ao valor do património social de que beneficiaram (indevidamente), quando o mesmo devia ter sido destinado a solver dívidas da sociedade; (…)
 
Em sentido contrário, veja-se, a título exemplificativo, a declaração de voto vencido no aludido acórdão do STJ de 23-04-2008, em que se considerou que: “não competia à autora alegar e provar que a sociedade comercial empregadora tinha bens quando foi extinta e que tais bens foram partilhados pelos seus sócios, nem que os sócios tivessem realizado as respectivas quotas, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, considerando a conexão desses factos com o direito de reparação invocado, cabia antes aos sócios réus provar a não existência desses bens, a não verificação da sua partilha entre eles e a realização das respectivas quotas, já que revestem a natureza de factos impeditivos da pretensão formulada.”

E também os seguintes acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):

- da Relação de Lisboa 09-03-2010, no proc. n.º 4777/06.1TVLSB.L1-1:

I - A extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação e a responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha;
II - Os sócios só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta se houver partilha dos bens desta e na medida dessa mesma partilha;
III - Trata-se pois dum facto impeditivo do exercício do direito da A., matéria de excepção cujo ónus recai sobre os sócios da primeira R. e agora recorrentes.
IV - Ora, como se demonstrou, os RR. não conseguiram fazer essa prova, mas apenas que os próprios declararam não terem partilhado quaisquer bens da primeira R. na sequência da sua dissolução.
V - Face ao referido non liquet há que decidir contra quem tem o respectivo ónus.

- da Relação de Lisboa de 12-06-2014, no proc. n.º 20802/07.6YYLSB.L1:

I - Quando numa execução pendente se extinga a sociedade executada por dissolução e liquidação, não há que suspender a instância para potenciar a habilitação pelo exequente da generalidade dos sócios representados pelos liquidatários (ou, no caso da dissolução ter resultado do procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL, a habilitação dos membros do anterior orgão de administração), antes devendo aqueles, ou estes, substituírem-se automaticamente à sociedade executada.
II - Demandados pelos credores ao abrigo do art 163º CSCom para pagamento do passivo superveniente, cabe a uns ou aos outros, provar, através de outros meios que não a declaração referente à inexistência de activo e de passivo, que nada receberem na partilha.

- e da Relação de Lisboa de 12-02-2020 (com um voto de vencido), no proc. n.º 3/05.9TTALM-B.L1-4:

I - Os sócios-gerentes da Executada originária assumiram, por acordo judicial e em nome e representação da dita sociedade uma dívida no montante de 15.000,00 € para com o seu trabalhador e aqui Exequente e, não obstante nunca a haverem satisfeito, foram deliberar a dissolução e liquidação imediatas daquele ente coletivo e aí declarar (falsamente) que este último não tinha passivo, passando assim uma esponja por de cima do dito crédito laboral e também que não possuía ativo, não obstante terem inscrito em nome daquela três viaturas automóveis e terem vendido no dia 22/6/2006 e pelo preço de € 190.000,00 o imóvel onde aquele funcionava e liquidado apenas com tal importância dívidas ao Fisco e à Segurança Social no valor global de € 71.825,47, verificando-se assim uma diferença positiva para a aludida quantia de € 190.000,00 de € 118.174,53.
II - A Oponente deveria não somente ter alegado de forma circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, como depois demonstrado em termos objetivos, fidedignos e fiáveis, conforme lhe exigia o correspondente ónus de alegação e prova que a referida verba de € 118.174,53 havia efetivamente sido consumida na liquidação de dívidas do ente societário e que, nessa medida, não tinha sobrado nada do referido montante, que pudesse ter sido partilhado pelos dois sócios-gerentes.
III - Não foi isso que aconteceu nesta Oposição à Execução, tendo ficado por saber o que aconteceu efetivamente ao valor de € 118.174,53, dúvida essa quanto à realidade desses factos que, nos termos do art.º 414.º do NCPC, se resolve contra quem aproveitaria ou beneficiária com os mesmos, ou seja, a Apelada.
IV - Sendo assim, não é possível concluir, como pretende a Apelada, que a sociedade não tinha qualquer ativo, na data da sua dissolução e liquidação e de que não foi partilhado entre ambos quaisquer bens ou quantias pecuniárias, pois, no mínimo – e dando de barato os três veículos automóveis da empresa extinta e a muito prolongada e significativa impossibilidade da sua apreensão efetiva por parte do solicitador de execução - existia aquela importância sobrante de € 118.174,53, cujo destino ficou por apurar.
V - A extinção jurídica de tal ente societário e devedor originário do crédito laboral de € 15.000,00 assentou em falsas declarações, quer no respeita à inexistência de ativo, como no que concerne à liquidação oportuna de todo o passivo, declarações essas feitas pelos seus únicos dois sócios e gerentes, o que os faz incorrer, desde logo, na responsabilidade pela liquidação da quantia exequente em causa nos autos, quer por força da aplicação direta artigos 162.º e 163.º, número 1 do CSC, quer em função da aplicação analógica do disposto no artigo 158.º do mesmo diploma legal, para quem não aceite aquela aplicação direta.

Este último acórdão mereceu, aliás, um post de MTS no Blog, com o seguinte teor:

"O direito positivo fornece os seguintes dados:

-- No requerimento executivo, incumbe ao exequente alegar os factos constitutivos da sucessão na titularidade da dívida (art. 54.º, n.º 1, CPC); a falta de alegação destes factos constitui o requerimento executivo como inepto (art. 186.º, n.º 2, al. a), CPC);

-- A partir do momento que o sócio executado deduz oposição à execução, é claro que, independentemente da qualificação do facto relativo ao montante recebido por esse sócio, o ónus da prova do fundamento da oposição pertence a este sócio executado.

Nesta hipótese, vale o lugar paralelo dos bens penhoráveis na execução instaurada contra o herdeiro: se a herança tiver sido aceita pura e simplesmente e se o exequente se opuser ao levantamento da penhora, cabe ao executado alegar e provar que os bens não provieram da herança (art. 744.º, n.º 3, al. a), CPC)."

A doutrina tem procurado chamar a atenção do legislador e da jurisprudência para esta problemática, como se vê pelas linhas finais, que não resistimos a citar, da tese “Dissolução e liquidação societária: a (des)Proteção dos credores sociais”, de Joana Alexandra Carvalho Maia, sob a orientação do Professor Doutor Paulo de Tarso Domingues, disponível online:

Ademais, apelamos que se ultrapasse a questão do ónus da prova quando se defende que, para que os sócios possam ser responsabilizados, cabe aos credores provarem que aqueles partilharam entre si bens sociais que poderiam ter respondido parcial ou totalmente pelo respetivo passivo. Cremos que o julgador deverá olhar para o artigo 163.º do CSC entendendo que, o facto de não ter existido (aparentemente) qualquer ativo que pudesse ser partilhado pelos sócios, é um facto impeditivo do direito dos credores sociais (342.º n.º 2 do CC), não havendo outra hipótese se não a de exigir aos sócios a prova da inexistência de qualquer ativo ou partilha oculta. Portanto, na nossa opinião, aos credores caberá apenas provar o facto constitutivo do seu direito, ou seja, o crédito que tem sobre a sociedade.

Defendemos também que, em sede judicial, se o credor solicitar os “livros, documentos e demais elementos da escrituração da sociedade” (artigo 157.º n.º 4 do CSC aplicado analogicamente ao procedimento especial de extinção imediata das sociedades e ao processo ad hoc de dissolução sem liquidação) e, estando dentro dos 5 anos de obrigação de depósito, os sócios não apresentarem o solicitado, deverá inverte-se o ónus da prova, quando se considere que sobre os credores está o ónus de provar que os sócios partilharam ativo que poderia responder pelos seus créditos. Assim, em razão dos sócios terem culposamente tornado impossível a prova ao credor (344.º n.º 2 do CC), inverte-se o ónus da prova, pesando sobre aqueles a prova que não partilharam qualquer haver social que pudesse acautelar os direitos do credor.

Balanceando os diferentes interesses acreditamos que impor aos credores a prova de que os sócios partilharam entre si haveres sociais é colocá-los numa situação extremamente desigual e desproporcional: a parte que terá mais facilidade de aceder à prova necessária serão os antigos sócios por terem sido partes integrantes da pessoa coletiva que constituiu a dívida.

Em suma, os credores sociais, até certo ponto, são protegidos pelo ordenamento jurídico português aquando da dissolução, liquidação e extinção dos seus devedores, no entanto, na prática, essa proteção é abafada pelas características dos diferentes processos e pela exigência provatória que congela a relação comercial e creditícia que nasceu ainda no auge da personalidade jurídica e da capacidade de gozo da sociedade comercial.”

A propósito dos citados artigos 269.º e 354.º do CPC, Salvador da Costa, na sua obra “Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, 2020, Almedina, págs. 215-217, refere o seguinte [...]:

“Na situação em análise, todavia, apenas releva o disposto no artigo 163º, nºs 1 e 2, e no artigo 164º, nºs 1 e 2, do referido Código.

(…) Conjugando o disposto na primeira parte do normativo em análise – for parte sociedade que se extinga – com as normas do CSC acima referidas, propendemos a considerar ser a seguinte a solução nesta matéria relativa às sociedades comerciais:

No caso de a extinção das sociedades comerciais ocorrer durante a pendência de ações, independentemente de figurarem do lado ativo ou do lado passivo, são substituídas pelos liquidatários a título de representantes legais da generalidade dos ex-sócios.

(…) Extinta a sociedade na pendência da ação em que figure como ré, o credor-autor, no requerimento para a ação prosseguir com os ex-sócios, representados pelos liquidatários, deve alegar e indicar a prova de que os mesmos receberam bens em partilha, condição do seu prosseguimento nos termos do nº 1 do artigo 163º do CSC.

Com efeito incumbe ao credor respetivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da sociedade receberam em partilha bens da titularidade da sociedade em causa. Assim, a execução intentada contra a sociedade comercial extinta não pode prosseguir contra os ex-sócios se ao menos no requerimento executivo não foram invocados os pressupostos da sua responsabilidade, ou seja, que receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.

Mas o requerente tem o ónus de justificar, no respetivo requerimento, os factos reveladores de que, aquando do encerramento da liquidação da sociedade, esta era titular de bens ou valores e que foram distribuídos pelos ex-sócios.

Tendo a sociedade, antes da sua extinção, sido condenada em ação declarativa a pagar a um seu credor determinada quantia em dinheiro, na ação executiva por ele instaurada pendente aquando da sua referida extinção, o seu prosseguimento contra os ex-sócios depende da sua alegação e prova dos factos justificativos da sua responsabilidade pelo pagamento, nos termos acima referidos.”

Carolina Cunha, no “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume II (Artigos 85º a 174º), Coord. por Coutinho de Abreu, Almedina, explica que (cf. págs. 682-691; [...]):

«A ressalva que o art. 160º, 2 efetua do disposto nos arts. 162º a 164º não significa que a sociedade se não considere extinta para efeitos dessas normas. Trata-se, apenas, de uma chamada de atenção para a circunstância de as relações jurídicas, até então encabeçadas na sociedade, que hajam de continuar (art. 162º) ou que venham a ser posteriormente detectadas (arts. 163º e 164º), se tornarem alvo de um regime particular. A extinção da sociedade não acarreta a cessação dessas relações; permanecerão, embora encabeçadas na generalidade dos sócios.

(…) Extinta a sociedade, coloca-se o problema de saber qual a sorte das diversas situações ou relações jurídicas que nela se encabeçavam. O passivo e o activo, em princípio, estarão liquidados, mas pode vir a ser “descoberta”, após a extinção, alguma relação jurídica que haja escapado ao procedimento de liquidação e partilha – hipótese a que os arts. 163º e 164º dão solução. Questão diversa é a que respeita à acções pendentes à data da extinção da sociedade se extingue – e é justamente aquela à qual o art. 162º dá resposta.

O legislador rejeita, pelos óbvios inconvenientes, a solução da perpetuatio iurisdictionis, que manteria até à sentença a personalidade jurídica da sociedade. Contudo, a solução da extinção da sociedade não acarreta a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte: tais acções continuam, considerando-se a sociedade substituída pela generalidade dos sócios.

De referir que, nos termos do n.º 2 do art. 162.º, a instância não só não se suspende, como não se torna, sequer, necessária habilitação dos sócios na posição da extinta sociedade.

Por força da remissão legal para os arts. 163º e 164º, os liquidatários (que até à extinção funcionavam no processo como representantes da sociedade) assumirão doravante, em juízo, a posição de representantes legais da generalidade dos sócios.

Alguma doutrina exprime dúvidas de que este regime geral seja de aplicação automática para lá do universo das acções de cobrança de dívidas da sociedade, alertando para as soluções específicas que podem merecer hipóteses como a acção respeitar a um bem social que ficou cabendo em partilha a determinado sócio (caso em que defendem que a lide deve continuar só contra este, nos termos gerais); ou as hipóteses em que a natureza da relação controvertida torna inútil ou impossível a continuação da lide (caso em que a instância se extingue – art. 276.º, n.º 3, do CPCiv.).

(…) O fundamento da solução legalmente consagrada radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Como explica Raúl Ventura, os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que o que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa dos bens que receberam.

(…) O art. 163º, 2 vem estabelecer, com vantagens para credores e sócios, um mecanismo de representação processual encabeçado no liquidatário. Na verdade, se o credor superveniente pode, desde logo, optar por demandar apenas um ou alguns dos sócios (como decorre directamente do n.º 1), o n.º 2 vem conceder-lhe a faculdade de propor a acção contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário. As vantagens desta opção disponibilizada aos credores são manifestas ao poupar-lhes os incómodos e as contingências de terem de propor uma acção contra vários réus; assim, basta-lhes consultar o registo comercial para identificar contra quem devem propor a acção; mas também para os antigos sócios há benefício nesta representação global pelo liquidatário (…)

Em termos dogmáticos, considera Raúl Ventura que a “generalidade dos sócios” é dotada, para estes efeitos, de personalidade judiciária. O Autor confirma esta asserção com o disposto na parte final do art. 163º, 2: se a qualquer sócio é dado intervir no processo como assistente (de modo a poder, eventualmente, esgrimir razões e argumentos que o liquidatário porventura omita), a implicação dogmática é que os liquidatários não estão a actuar como representantes de cada sócio, individualmente considerado.»

Finalmente, já na anotação ao art. 164.º, refere-se ainda nesta obra: «Desaparecido o ente societário, a solução vigente passa por atribuir a titularidade dessas situações jurídicas activas aos antigos sócios, em termos que sejam compatíveis com o estado de indivisão (contitularidade para os direitos de crédito; compropriedade para o direito de propriedade).»

Volvendo ao caso dos autos, importa não confundir as situações, lembrando que a presente execução teve início em 25-09-2016 e que sociedade comercial Executada se extinguiu na pendência da ação, tendo sido registada a decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação mediante apresentação n.º 234, datada de 23-11-2016. Assim, trata-se de situação abrangida pela previsão do art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos art.ºs 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC.

De sublinhar que este preceito não remete também para o n.º 1 do art.º 163.º, o que significa, a nosso ver, que o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”. Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012, no processo n.º 5799/09.6TBOER.L1-7, disponível em www.dgsi.pt:

“I - O registo do encerramento da liquidação da sociedade executada impede o prosseguimento da execução contra a sociedade extinta, por falta de personalidade jurídica.
II - A extinção da sociedade executada, não importará, automaticamente, a extinção da instância nas execuções em que esta seja parte.
III - Tratando-se de execução em que se mostram penhorados bens à sociedade, e apurando-se que a mesma se extinguiu em data anterior à propositura da execução, a mesma deverá prosseguir contra a generalidade dos sócios, representada pelo liquidatário, procedendo-se à citação daqueles na pessoa deste”.

Veja-se ainda, pelo seu interesse, o acórdão da Relação de Lisboa de 11-07-2019, no processo n.º 9148/10.2YIPRT-C.L1-2, relatado pelo ora 2.º Adjunto, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança pelas seguintes passagens do respetivo sumário:

“- As acções judiciais em que uma sociedade seja parte – activa ou passiva - continuam, mesmo após a sua extinção, sendo a mesma substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, o que se opera de forma automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso a incidente de habilitação – cf., artº. 162º, do Cód. das Sociedades Comerciais;
(…) - a representação da generalidade dos sócios, nessas acções, é garantida pelos liquidatários, que agem como seus representantes legais, passando a figurar, nomeadamente do lado passivo, em substituição da primitiva Ré sociedade, para todos os efeitos, incluindo a citação – cf., artº. 163º, nº. 2, ex vi do nº. 1, do artº. 162º, ambos do Cód. das Sociedades Comerciais;
- e, só assim não será nas situações em que os liquidatários estejam impossibilitados de exercício das funções, o que sucede, de forma mais concludente, com a sua morte, sendo então substituídos pelos últimos gerentes, administradores ou directores da sociedade”.

Portanto, o legislador optou por facultar ao credor/autor/exequente a possibilidade de ver dirimido o litígio judicial que se encontra pendente, já não contra a sociedade que foi ab initio demandada (porque extinta, desprovida de personalidade jurídica e de personalidade judiciária), nem sequer (pelo menos não necessariamente) contra os próprios “sócios habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, numa especial extensão da personalidade judiciária a este “coletivo dos sócios”.

Com efeito, conforme se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012 (proc. n.º 5799/09.6TBOER.L1-7), acima referido e que aqui citamos pelo seu interesse e clareza (sem menção às notas de rodapé), «Em tal caso, como refere Raul Ventura, o nº2 do art. 162º dispõe que a instância não se suspende nem é necessária a habilitação, à semelhança do que o nº2 do art. 276º do CPC determina para o caso da transformação ou fusão de pessoa colectiva ou sociedade: “o liquidatário já funcionava no processo como representante da sociedade e passará a ser considerado representante legal da generalidade dos sócios”.

A lei comete aos liquidatários o encargo de defender interesses alheios, em continuação de uma função que, relativamente à sociedade, já vinham exercendo.

Já no caso de passivo superveniente ou de débitos sociais insatisfeitos depois da partilha entre os sócios, o art. 163º veio a consagrar expressamente a responsabilidade dos sócios, embora limitada ao que receberam na partilha, pela via da sucessão – os créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios –, como defende Raul Ventura.

De qualquer modo, note-se que os antigos sócios apenas responderão até ao montante do que hajam recebido na partilha, mantendo-se a distinção entre património social e patrimónios individuais dos sócios, pelo que os credores sociais apenas podem fazer valer o seu direito de preferência sobre os bens que tenham pertencido à sociedade, desde que provem que estes bens passaram para o património do sócio, em execução de partilha.

E como se opera a substituição processual da sociedade pelos antigos sócios?

Em conformidade com o já citado art. 162º, se a extinção da sociedade ocorrer no decurso da acção, a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação – art. 162º do CSC.

No caso de acções propostas depois de extinta a sociedade, no entender de Raul Ventura, o art. 163º oferece aos credores sociais duas alternativas: a) propositura de acção contra os sócios responsáveis na medida em que o forem (nº1 do art. 163º); ou, b) propositura da acção contra a “generalidade dos sócios”, na pessoa dos liquidatários (nº2 do art. 163º).

A solução alternativa consagrada no nº2 do art. 162º, “consiste em despersonalizar os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a “generalidade” deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas na falta deles), a representação processual dessa generalidade”.

“A intenção deste preceito consiste em estabelecer um mecanismo que coloque os credores sociais na situação, relativamente a litígios judiciais, tanto quanto possível idêntica àquela que eles deparariam se a sociedade não se tivesse extinguido, mas sem, contudo, esquecer essa extinção”.

E, no entender de tal autor, “a acção será proposta contra a generalidade ou totalidade dos sócios da extinta sociedade, que o credor pode logo identificar, não sendo obrigado a fazê-lo. Para essa acção, a generalidade dos sócios tem representante legal necessário: os liquidatários da extinta sociedade, os quais devem ser identificados na petição, o que o credor não tem dificuldade em fazer, bastando-lhe consultar o registo comercial”.» [...]

No caso dos autos, a extinção da sociedade Executada teve lugar em procedimento administrativo conforme previsto no regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais que se encontra consagrado no ANEXO III a que se refere o n.º 3 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03 (que, em termos sumários, veio atualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas, adotar medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos notariais e registrais e aprovar o novo regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais). Trata-se de mais uma forma de desjudicialização adotada pelo legislador, que apesar da atenção que mereceu da parte da doutrina e de já estar em vigor há mais de uma década, continua a surpreender, como refere Carlos Vidigal, em “Algumas notas e reflexões sobre o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC) (aprovado pelo artigo 1.º, n.º 3, do DL n.º 76-A/2006, de 20.03) a prática judiciária”, no e-book CEJ Direito Registal - 2.ª edição (disponível em www.cej.mj.pt). [...]

Se porventura tivesse existido procedimento administrativo de liquidação (ainda que liquidação parcial) com partilha dos bens, e uma vez que o prosseguimento das ações, após a extinção da sociedade, contra os antigos sócios apenas pode ter lugar quando estes tenham recebido bens na partilha (e até ao montante que receberam na mesma), já que os sócios (de responsabilidade limitada) só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta na medida dessa partilha, então sempre teria de ser ouvido o credor, para que pudesse, querendo, apresentar requerimento nesse sentido (ou seja, do prosseguimento da ação contra os próprios sócios), situação que é distinta da dos autos, pelo que acaba por ser aqui irrelevante a questão de saber se o credor tinha (ou não) o ónus da alegação e prova do recebimento pelos sócios de bens na partilha.

Com efeito, não obstante o disposto no n.º 1 do art. 163.º (“até ao montante que receberam na partilha”) e toda a controvérsia jurisprudencial de que acima deixámos nota, é precisamente porque a Exequente não tomou a iniciativa de requerer “o prosseguimento da ação executiva contra os próprios sócios” (aliás, nem chegou a ser ouvida para requerer fosse o que fosse, no seguimento da comunicação feita pela Sr.ª AE em que deu conta da extinção da sociedade Executada) que não cumpre discutir os pressupostos do prosseguimento da execução nesses moldes, nem sobre quem recai o ónus da prova do recebimento de bens pelos próprios sócios, parecendo-nos, pois, deslocadas as considerações feitas pelo Tribunal a quo no despacho em que procurou esclarecer a razão de ser da decisão recorrida.

Aliás, em situações como a dos autos, em que os sócios comprovadamente não receberam, em partilha, os bens da sociedade que estão penhorados (porque a partilha não existiu ou não os abrangeu), nem parece fazer sentido enverar por esse caminho. Na verdade, mantendo-se inalterada no registo predial a inscrição de aquisição dos bens (penhorados) a favor da extinta sociedade Executada, os sócios sucedem, de facto, mas “em comum e sem determinação de parte ou direito”, na titularidade do direito de propriedade, não se justificando exigir ao credor Exequente a alegação e prova de outros factos em ordem a que possa continuar a fazer valer em juízo a sua pretensão (de pagamento coercivo pelo património existente) contra a “generalidade dos sócios”, cuja habilitação é inclusivamente dispensada.

Portanto, quando não existiu partilha (pelo menos da totalidade dos bens da extinta sociedade), estando inclusivamente comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, como a Exequente-Apelante defende na sua alegação de recurso, não constituindo a extinção da Executada uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide. [...]

Em conclusão, o recurso merece provimento, devendo a execução prosseguir, como pretende a Exequente-Apelante, contra a “generalidade dos sócios”, ouvindo-se aquela, nos termos dos artigos 3.º e 7.º do CPC, a respeito da identificação dos respetivos representantes legais, os liquidatários, sem prejuízo de outras diligências que o Tribunal recorrido, ao abrigo do dever de gestão processual (cf. art. 6.º do CPC), considere úteis, mormente a que foi sugerida pela Sr.ª Agente de Execução."


[MTS]


28/07/2021

Jurisprudência 2021 (22)


Custas;
causalidade; proveito


1. O sumário de RL 11/2/2021 (1194/14.3TVLSB.L2-2) é o seguinte:

I) Da conjugação do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, com o n.º 6 do artigo 607.º e com o n.° 2 do artigo 663.º, todos do CPC, conclui-se que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas, tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respetivo impulso processual.

II) De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.

III) Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.

IV) Havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, não funciona o critério da causalidade, atuando o princípio do proveito.

VI Não havendo isenção tributária, o recurso está sujeito a tributação, aspeto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas, pelo que, não tem fundamento legal uma decisão que se expresse “sem custas”.

VI) Inexistindo lugar à isenção de tributação e não sendo prestável o critério do vencimento, atuará o critério do proveito.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"3. Fundamentação de facto:

Mostra-se relevante para a decisão da questão enunciada a seguinte factualidade:

1) Em 19-11-2020 foi proferido, por esta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão que julgou procedentes as apelações e, em consequência, determinou a revogação da decisão recorrida, “proferida em 21-04-2020, que se substitui pela presente, determinando-se a reforma das contas de custas da autora, das rés recorrentes e das aderentes aos recursos destas, em conformidade com o exposto, ou seja:

a) Considerando no cálculo da base tributável do processo, as transações precedentemente homologadas nos autos, referenciando para aquele o valor de € 9.300.932,54; e

b) Atendendo ao litisconsórcio existente entre os réus, aplicando relativamente aos mesmos, o disposto no artigo 530.º, n.º 3, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos”.

2) No referido acórdão fixou-se a responsabilidade tributária na instância de recurso nos seguintes termos: “Custas pelos recorrentes”;
 
3) Na fundamentação do acórdão, relativamente à motivação da decisão quanto à responsabilidade tributária enunciou-se o seguinte:
 
“A responsabilidade tributária inerente, nesta instância, incidirá sobre os apelantes, atento o proveito obtido – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.”.

4. Fundamentação de Direito:

Cumpre apreciar e decidir.

[...] Com a prolação do acórdão (ou decisão individual do relator), esgota-se o poder jurisdicional – cfr. artigo 613.º do CPC - sem prejuízo das excepções atinentes à correcção de erros materiais e arguição de nulidades, nos termos dos artigos 666º, n.º 1, 615.º e 616.º do Código de Processo Civil.

Uma das situações de desvio à regra do esgotamento do poder jurisdicional ocorre, precisamente, quando se verifique erro decisório em matéria de custas.

E, nos termos do n.º 1 do artigo 616.º do CPC, a parte pode requerer, no tribunal que proferiu a decisão, a sua reforma quanto a custas e multa, sendo que, se de tal decisão couber recurso, o pedido de reforma deve ser feito com a alegação (n.º 3).

Decorre do artigo 607.º, n.º 6 do CPC – aplicável aos recursos, em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º 2 do CPC – que o acórdão condena nas custas do processo a parte (ou as partes) que lhe tenham dado causa, de acordo com as regras dos artigos 527.º a 541.º do CPC.

No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.

As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).

As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2°, 3.ª ed., p. 418).

A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.

As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – cf. art. 529°, n.° 1 do CPC –, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.° 2 do art. 529°), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.° a 7.°, 11.°,13.° a 15.° e das tabelas I e II anexas.

Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).

Nos termos do artigo 529.°, n.° 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.° a 20.°, 23.° e 24.° do aludido Regulamento.

E, de acordo com o disposto no art.° 530.°, n.° 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.°, 26.° e 30.° a 33.° e da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de Abril.

A conjugação do disposto no art.° 527.°, n.°s. 1 e 2, com o n.° 6 do art.° 607.° e com o n.° 2 do artigo 663.°, todos do CPC, permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas, tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.

De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.

Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359).

Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).

Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.

O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).

Nos casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no princípio da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.

Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.

“"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).

Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão.

Conforme se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA), “existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.° 1 do art. 527°, n.° 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.

Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso) (…).

Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução.

Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas”.

No caso dos autos, como se viu, os recorrentes são autora e rés dos presentes autos.

A ora ré, recorrente/apelante obteve “ganho de causa”, relativamente à pretensão recursória que trouxe a juízo, ou seja, logrou obter a revogação do despacho.

Contudo, a contraparte dos autos principais, a autora/recorrente, não deu causa ao recurso, não tendo, como se viu, tido vencimento.

Assim, de acordo com o exposto, o critério da causalidade, não se mostra operante relativamente a qualquer das partes.

Mas, então, dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?

Salvador da Costa, aponta um caminho (no texto “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018, no texto “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo - Acórdão da Relação de Évora de 14.03.2019 (Jurisprudência 2019 (56))”, disponíveis no Blog do Instituto Português do Processo Civil – IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/), relativamente a situação semelhante, embora no âmbito de procedimento cautelar de arresto – decidido sem audiência da parte contrária – em que a requerida não teve intervenção nem no procedimento, nem no recurso do despacho que indeferiu liminarmente a petição cautelar, concluiu o seguinte:

“(…) recebido pela secretaria o requerimento da sociedade A para a implementação do procedimento cautelar de arresto contra B, a instância iniciou-se, mas não produziu efeitos em relação à última, porque para aquele procedimento não foi citada, visto que a pretensão da primeira foi liminarmente indeferida, a que logo se seguiu o processado do recurso.

Em consequência, a sociedade B não pôde intervir no procedimento cautelar de arresto, nem antes ou depois da prolação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, nem na face do recurso de apelação daquele despacho.

Os critérios de fixação da responsabilidade das partes e dos sujeitos processuais pelo pagamento das custas processuais constam essencialmente do disposto no artigo 527.º do mencionado Código.

O seu n.º 1 estabelece, além do mais que aqui não releva, que na decisão que julgue o recurso deve condenar-se no pagamento das custas a parte que lhes tiver dado causa ou, não havendo vencimento, a parte que dela tirou proveito.

Em conexão face ao disposto no n.º 1 daquele artigo, estabelece o seu n.º 2, em jeito de presunção, dever entender-se ter dado causa às custas processuais a parte vencida, na respetiva proporção.

Decorre destas normas que a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais assenta em dois princípios fundamentais: o da causalidade, que é o principal, e o do proveito, este de função subsidiária.

As referidas normas de responsabilidade pelo pagamento de custas estão conexionadas com o disposto no n.º 6 do artigo 607.º do mesmo Código, do qual decorre que, no final do acórdão, o coletivo de juízes do tribunal ad quem deve condenar os responsáveis no pagamento das custas processuais, estabelecendo a proporção da concernente responsabilidade, naturalmente se for caso disso.

Uma vez que a sociedade B não interveio na instância do procedimento cautelar, incluindo a fase de recurso, neste não podia ser considerada parte vencida, pelo que nele não podia ser condenada no pagamento das custas.

Com efeito, como a sociedade A teve êxito no recurso da decisão de indeferimento liminar do requerimento de implementação do procedimento cautelar de arresto, não pode funcionar o princípio da causalidade, pressuposto da condenação da parte vencida no pagamento de custas, a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º daquele Código.

Temos, pois, que, no recurso ajuizado não há parte vencida, seja do lado ativo, seja do lado passivo, mas há uma parte, a sociedade A, que do recurso tirou proveito, na medida em que, por virtude da sua procedência, logrou o prosseguimento dos termos normais do procedimento cautelar de arresto.

Em consequência, ex vi do referido princípio do proveito, a que se reporta o n.º 1 do artigo 527.º daquele Código, a responsabilidade pelo pagamento de custas do recurso impende sobre a sociedade A, se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.

Reitera-se que o conceito de custas em sentido amplo envolve as vertentes da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, conforme decorre do n.º 1 do artigo 529.º do aludido Código.

Mas a sociedade A procedeu ao pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso aquando da apresentação em juízo do requerimento para a sua implementação, com as respetivas alegações, nos termos dos artigos 529.º, n.º 2, 530.º, n.º 1, daquele Código, e 7.º, n.º 2, e 14.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.

Isso significa que a sociedade A já cumpriu a sua obrigação de pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso, pelo que não há fundamento legal para a condenar no seu pagamento nessa sede.

Quanto aos encargos, segunda vertente do conceito de custas lato sensu, resulta do n.º 3 do artigo 529.º do referido Código que os do processo envolvem as despesas atinentes a diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, ou pelo coletivo de juízes, conforme os casos.

Ora, decorre da fase processual do recurso em causa que neste não foram realizadas diligências que tivessem implicado a realização de alguma despesa suscetível de qualificação como encargo processual.

Em consequência, inexiste fundamento legal para a condenação da sociedade A, no recurso, no pagamento de qualquer quantia a título de encargos.

Resta a análise da terceira vertente do conceito de custas lato sensu, ou seja, as custas de parte que, nos termos do n.º 4 do artigo 529.º daquele Código, compreendem o que cada parte tenha despendido com o processo e tenha direito a ser compensada nos termos dos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais.

Conforme resulta do disposto nos artigos 533.º, n.º 2, daquele Código, e 26.º, n.º 3, do mencionado Regulamento, as custas de parte, a crédito da parte vencedora na ação e ou no recurso, e a débito da parte vencida, na respetiva proporção, abrangem as taxas de justiça, os encargos suportados pelas partes e o dispêndio com honorários pagos a mandatário judicial e as despesas por este realizadas.

Como a sociedade B não interveio no recurso, não é credora de custas de parte em relação à sociedade A, pelo que esta não é responsável por qualquer pagamento a esse título.
 
(…) Com base no exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – O segmento “sem custas”, constante da parte final do acórdão da Relação, está afetado de nulidade por falta absoluta de fundamentação;

2.ª – A responsabilidade das partes pelo pagamento das custas processuais em geral assenta no critério principal da causalidade e, não havendo vencimento, no critério subsidiário do proveito;

3.ª – Como se trata de um recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial relativa ao procedimento cautelar de arresto, em que a requerida B não pôde intervir, só a recorrente A, com base no critério do proveito, podia ser condenada no pagamento das custas, se a tal nada obstasse.

4.ª – Uma vez que a recorrente A pagou previamente a taxa de justiça relativa ao recurso, e este não envolveu encargos, e a requerida B nele não interveio, a primeira não é responsável pelo pagamento de custas.

5.ª – O segmento do acórdão da Relação “sem custas” corresponde ao derivado dos factos e da lei”.

Em textos ulteriores, o mesmo Autor desenvolve semelhante posição (vejam-se, por exemplo, no mesmo local, os textos intitulados “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final - Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018 -(publicado em Jurisprudência 2018 (160))”, “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018”, “Custas a final pela parte vencida - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018”, “Custas pela parte vencida a final face aos princípios da causalidade e do proveito - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.1.2019 (Publicado em Jurisprudência 2019 (3))” e “Custas do recurso conforme for devido a final - Acórdão da Relação do Porto de 10.1.2019 (publicado em Jurisprudência 2019 (38))”.

Considera o referido Autor que o critério do proveito será operante se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.

Ora, não nos parece que a fixação de responsabilidade decorrente do disposto no artigo 527.º do CPC, exigida por via do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, possa resumir-se a uma decisão que verifique uma ausência de responsabilidade (“sem custas”).

Se, por exemplo, os autos de recurso tivessem originado, nesta fase – ainda que sem intervenção de contraparte – encargos, por hipótese, decorrentes de uma perícia oficiosamente determinada pelo Tribunal (v.g. perícia com vista a determinar os elementos que foram submetidos no requerimento inicial, etc.) – a decisão “sem custas” seria incompreensível.

Não se pode, de facto, olvidar a prescrição geral de tributação processual – não afastada por qualquer norma de isenção tributária – constante do artigo 1.º, n.º 1, do RCP e do seguinte teor: “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 579, nota 4) “salvo quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art. 1.º do RCP)”.

Seria ilegal a decisão que reconhecesse uma isenção tributária não prevista na lei.

Na realidade, não havendo isenção tributária, o recurso em questão está sujeito a tributação, aspecto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas.

Daí que os recorrentes, para que o recurso tivesse seguimento, tenham tido de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida.

Assim, parece-nos claro que, inexistindo norma que dispense tributação, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.

Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso (que, no caso, não se compreenderia) – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável.

Funciona, pois, o critério do proveito, que foi o assinalado no acórdão prolatado.

Assim, mostrando-se correta a decisão proferida, não procede a pretensão de reforma deduzida, que assim deverá ser indeferida."


[MTS]