"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/07/2021

Jurisprudência 2021 (16)


Valor da causa;
despacho; trânsito em julgado


1. O sumário de STJ 26/1/2021 (202/14.2TBBAO-A.P2.S1) é o seguinte:

I - Existindo um despacho no processo a fixar o valor da causa sem que tenha havido qualquer impugnação, mostra-se o mesmo transitado em julgado, tendo assim sido dado cumprimento ao disposto no art. 306.º, n.º 1, do CPC «Compete ao juiz fixar o valor da causa (…)», não podendo tal valor ser alterado pelas partes por sua própria vontade.

II - O valor oportunamente fixado, em € 30 000, obsta à recorribilidade encetada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos nos arts. 629.º, n.º 1, do CPC e 44.º, n.º 1, da LOSJ.

III - Para além deste óbice decorrente do valor, a dupla conformidade que se verifica entre as duas decisões em confronto constituiria sempre uma outra circunstância impeditiva do conhecimento do objecto do recurso, caso aqueloutra se não verificasse.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No despacho preliminar a Relatora ordenou a audição das partes, nos termos do artigo 655º, nº 1 do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º do mesmo diploma, uma vez que «Como decorre dos autos, foi fixado o valor de 30.000 Euros à presente acção, acção para efeitos processuais e de custas, cfr despacho de fls 1534, o que significa que do Acórdão nela proferido não cabe qualquer impugnação recursiva para este Supremo Tribunal de Justiça, face ao preceituado nos artigos 629º, nº 1 do CPCivil e 44º, nº 1 da LOSJ. A questão do valor da acção é prévia à análise da fundamentação recursória, sustentada na aplicabilidade da excepção consignada no preceituado no artigo 671º, nº 3 do CPCivil.».

Os Recorrentes pronunciaram-se no sentido de terem atribuído ao recurso de Revista o valor de 30.000,01 Euros, o mesmo que já haviam atribuído ao recurso de Apelação, o qual não foi impugnado por qualquer das partes, nem alterado pelo Tribunal recorrido, motivo pelo qual entendem estar fixado definitivamente.

Vejamos.

O valor da presente acção mostra-se há muito fixado em 30.000 Euros, como deflui inequivocamente do despacho produzido a fls 1534.

Mesmo que assim se não entendesse, salvo qualquer lapso da nossa parte que não se lobriga existir, nunca os Recorrentes indicaram qualquer valor em sede de recurso de Apelação, nem em sede de recurso e motivação para este Supremo Tribunal de Justiça, [...], que pudesse suportar a sua tese, a qual, mesmo assim, seria sempre votada ao insucesso.

Se não.

O valor da causa, nos presentes autos deveria ter sido fixado no despacho saneador, de harmonia com o preceituado no artigo 306º, nº 2 do CPCivil, o que todavia não foi feito [...], mostrando-se, contudo atribuído à acção o valor de 30.000 Euros, pelo despacho produzido a fls 1534 onde se lê «Fixo o valor da acção em 30 000,00 euros – artigo 301º, nº 1, in fine e 15º, ambos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa».

Este despacho não foi impugnado pelas partes, mostrando-se transitado em julgado, tendo assim sido dado cumprimento ao disposto no artigo 306º, nº 1 do CPCivil «Compete ao juiz fixar o valor da causa (…)», o que foi feito, não podendo tal valor ser alterado pelas partes por sua própria vontade.

Daqui se extrai, que o valor oportunamente fixado obsta à recorribilidade encetada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos nos artigos 629º, nº 1 do CPCivil e 44º, nº 1 da LOSJ.

Mas, para além deste óbice decorrente do valor, sempre existiria uma outra circunstância impeditiva do conhecimento do objecto do recurso, a qual reside na dupla conformidade que se verifica entre as duas decisões em confronto, o que adiantamos como obiter dictum.

Ao contrário do enunciado pelos Recorrentes, quer o primeiro grau, quer o segundo, alinharam as mesmas razões, pois em ambas se concluiu de forma expressa e indubitável que mesmo que se tratasse de um erro de julgamento quanto à graduação dos créditos reconhecidos o mesmo não poderia ser invocado após o trânsito em julgado da decisão, de onde não poder ser revertida a situação, o que afasta qualquer pretensão tendente a concluir que daí resultaria uma fundamentação essencialmente diferente que pudesse fazer funcionar a excepção consignada no nº 3 do artigo 671º do CPCivil.

Destarte, julga-se findo o recurso, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b), aplicável por força do disposto no artigo 679º, este como aquele do do CPCivil, por se verificar uma circunstância obstativa ao seu conhecimento."

[MTS]