"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/07/2021

Jurisprudência 2021 (12)


Processos de jurisdição voluntária;
responsabilidades parentais; regulação


1. O sumário de RL 14/1/2021 (3263/14.0T8LSB-B.L1-2) é o seguinte:

I) Tendo sido requerida pretensão de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, não constitui decisão surpresa a apreciação no respetivo processo sobre os alimentos fixados a favor da criança, nem a mesma viola os princípios da imediação (na medida em que as provas que determinaram a decisão tiveram lugar perante o juiz que proferiu a decisão) e do contraditório (na medida em que o conflito foi resolvido na sequência de impulso e audição de requerente e requerida).

II) Os alimentos devidos a menores integram-se no instituto das responsabilidades parentais, pelo que, na definição da regulação do seu exercício, ou no processo da respetiva alteração de regulação, caberá, via de regra (o que não sucederá nos casos previstos no artigo 1879.º do CC), estabelecer a sua medida, de acordo com as necessidades do alimentado e as possibilidades do alimentante, em conformidade com o regime previsto no artigo 2004.º e ss. do CC.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"No caso em apreço, mostra-se evidente o objeto da ação em apreço – alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais – sendo a essa luz que deve ser apreciada a pretensão deduzida pelo autor/requerente.

Mas, será que o conhecimento da questão atinente à fixação de alimentos se encontrava vedado ao Tribunal recorrido, como parece entender o recorrente? E o referido conhecimento foi feito com violação dos princípios da imediação e do contraditório?

Adianta-se que a resposta a ambas as questões é negativa.

Neste ponto, são inteiramente válidas as considerações expendidas pelo Ministério Público, em sede de resposta à alegação do recorrente e que ora se reproduzem:

“I.- DA ALEGADA NULIDADE:

O recorrente requereu a alteração das responsabilidades parentais quanto à criança K…, pedindo que a mesma fosse entregue à sua guarda e cuidado exclusivo.

A douta sentença ora recorrida não deu acolhimento a tal pedido pelos fundamentos aí expandidos, tendo a criança ficado à guarda e cuidado da mãe.

O recorrente entende que a manutenção da prestação de alimentos a favor da criança constitui uma nulidade da douta sentença ora recorrida uma vez que tal questão não foi discutida durante a audiência de julgamento nem se encontra fundamentada.

Discordamos.

Importa referir que estamos no âmbito de um processo tutelar cível, já que a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, atento o artigo 12º da Lei nº 141/2015, é qualificado como processo de jurisdição voluntária.

Essa qualificação envolve a aplicação das regras definidas para a jurisdição voluntária, que se afastam em pontos muito relevantes do regime em regra aplicável aos processos cíveis, e que constam do artigo 986º e seguintes do Código de Processo Civil.

Entre esses preceitos, figura o artigo 987º do Código de Processo Civil o qual estabelece que “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.

A atribuição do poder de decidir segundo critérios de conveniência e oportunidade, no âmbito da jurisdição voluntária, tem o objectivo de permitir ao tribunal adoptar as medidas que melhor prossigam o interesse que, no processo em causa, a lei lhe determine que tutele: no caso, o interesse da criança, que prevalece sobre interesses contraditórios que os seus progenitores eventualmente tenham, quanto à forma concreta de exercício das responsabilidades parentais, conforme artigo 40º da Lei nº141/2015 e artigo 4º, al. a) da Lei nº 147/99, de 1 de setembro.

Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram.

Da leitura atenta da sentença recorrida resulta com toda a segurança que os critérios utilizados para disciplinar o regime de guarda e residência da menor, bem como os direitos de visita, e da fixação da prestação de alimentos foram os da solução mais conveniente à prossecução do interesse da criança.

Na realidade, depois de ter discutido o pedido de alteração ora apresentado, o Tribunal decidiu, quanto à guarda e residência da criança, e passamos a transcrever que “a preservada estabilidade do crescimento e desenvolvimento da criança K… assenta na própria inexistência de laivo factual fulcral a consubstanciar relevância superveniente que concite a uma alteração de guarda tal qual propugnada pelo progenitor (dita “guarda exclusiva”).”

E continua escrevendo “De todo o modo, cumpre vincar que, não sendo a filha de apenas um dos progenitores mas de ambos, a continuação do seu desenvolvimento integral carece das proposituras parentais de ambos, de modo a enriquecê-la no seu percurso formativo enquanto pessoa, não devendo, por isso, ser desprezado qualquer contributo positivo dos progenitores. Por conseguinte, elevando-se a residência da progenitora ainda virtuosa, inexiste realidade nova a convocar alteração a tal status quo, tudo assim sem prejuízo de se conceber que o convívio do progenitor possa ocorrer em modo mais alargado e, bem assim, vincar que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança devem ser exercidas, efectivamente e em comum por ambos os progenitores - salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. Assim, a criança K… continuará com a residência fixada junto da progenitora com o qual vive, competindo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente.”

E quanto aos alimentos a prestar pelo recorrente, nenhuma censura se poderá fazer à douta sentença recorrida, onde se pode ler que “importa ter presente que o acordo vigente contempla: “O pai encarrega-se de dar um montante mensal fixo de 150 € para as ajudas de alimentação. Os pais se responsabilizam a 100% pelas despesas escolares e de saúde, na proporção de 50% cada um.” O pai contribui e contribuirá com tudo o que for necessário, na pensão de alimentos, despesas escolares e de saúde (médicas e medicamentosas.”

A situação descrita não envolve mais do que a apreciação de factos que foram carreados para o processo, relativamente aos quais o recorrente sempre teve a oportunidade de exercer o contraditório ao longo daquele.

O recorrente sabia da existência da fixação da prestação de alimentos a favor da menor, e que a mesma faz parte das matérias que devem ser apreciadas quando se trata de alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais. E, por conseguinte, é evidente que o Tribunal não estava inibido de conhecer de todas as questões relacionadas com o referido pedido de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

E a verdade é que o Tribunal apreciou o pedido de alteração de regulação das responsabilidades parentais, de acordo com a factualidade que lhe foi apresentada, sendo que, no tocante ao destino da menor e da sua residência, entendeu que os factos exibidos impunham que a guarda se mantivesse com a progenitora, alargando, sim, o direito de visita do progenitor.

Mas não decidiu, de forma alguma, que a guarda fosse partilhada e que a residência fosse alternada. E nem se diga que a guarda alternada também existe em caso em que a divisão de dias não seja totalmente coincidente.

Na verdade, o que o Tribunal decidiu foi um aumento do direito de visita por parte do pai.

E a ser assim, é evidente que há lugar a pagamento de prestação de alimentos por parte do progenitor que não tem a guarda.

Entende que tal deveria ter sido discutido aquando a audiência de julgamento, sob pena de violação dos princípios do contraditório e de imediação.

Discordamos.

Nos termos do artigo 615º, nº 1 al. d) do CPC a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento”, nos termos do artigo 608º, nº 2 do CPC.

Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”

Ora, no caso em apreço, a fixação da prestação de alimentos é uma das questões que o Tribunal tinha de conhecer e de decidir já que decidiu fixar a residência da criança com a mãe.

E como já se acha referido, importa ter presente que nos encontramos face a um processo de jurisdição voluntária, em que os critérios de legalidade estrita cedem o passo à equidade, sendo de não olvidar o que se refere nos artigos 986.º, n.º 2 do CPC, o qual prescreve que “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes” e o artigo 988º n.º 1 do CPC no qual se estabelece que “Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”

Como se disse, nos processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus” ou seja um caso julgado com efeitos temporalmente limitados.

Mas desta especificidade da alterabilidade das resoluções nos processos de jurisdição voluntária, não decorre, porém, um menor valor, uma menor força ou menor eficácia da decisão.

Na verdade, enquanto não for alterada nos termos e pela forma processualmente adequada, pelo Tribunal competente, a decisão impõe-se tanto às partes, como a terceiros afectados pela mesma e até ao próprio Tribunal, na medida em que proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional, só podendo ser alterada nos termos prescritos na lei.

Enquanto isso não suceder a decisão tem a plena força do caso julgado material.

Ora a alteração não é oficiosa. Pressupõe um pedido de quem tem legitimidade processual, a que se segue uma avaliação dos factos e circunstâncias, apurados através do incidente próprio.

E a verdade é que, no caso em apreço, não se pode dizer que o Tribunal tenha conhecido questão que o recorrente ignorava que aquele pudesse conhecer. Com efeito, tinha conhecimento do acordo anteriormente alcançado quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do qual o mesmo se obrigava a pagar a quantia de EUR:150,00, a título de prestação de alimentos.

E, também sabia que o Tribunal ter-se-ia de se pronunciar sobre esta questão, qualquer que fosse a sua decisão. Pelo que, competia-lhe carrear para os autos a prova que entendesse fazer quanto a este aspecto.

Porém, a verdade é que nenhum elemento fáctico relevante foi carreado para o processo a propósito dos valores a praticar. E perante a ausência de prova para decidir de forma diferente ao que já havia sido acordado entre os progenitores, consegue-se perceber o “iter ratio” do Tribunal para que fosse mantida o pagamento da prestação de alimentos devida à criança.

E assim sendo, por razões de prudência, cuidado e segurança, bem andou o Tribunal ao decidir manter o que nessa matéria estava acordado antes da propositura desta acção, não se verificando, deste modo, qualquer violação quer do contraditório quer de imediação, já que nenhuma matéria foi excluída da discussão aqui em causa, nem o poderia ser atento as particularidades deste processo.”.

De facto, conforme decorre do disposto no artigo 3.º, al. c), do RGPTC, constitui providência tutelar cível, para efeitos desse regime jurídico, a “regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes”.

No âmbito das questões respeitantes à regulação do exercício das responsabilidades parentais encontra-se a providência tutelar para alteração do regime das responsabilidades parentais, regulada, em particular, pelo artigo 42.º do RGPTC.

Dispõe o n.º 1 deste artigo 42.º que, “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”.

E, bem se compreende que assim seja, se tivermos em linha de conta qual a função e natureza dos autos de alteração das responsabilidades parentais: repensar a regulação antes estabelecida, na perspetiva do interesse da criança (independentemente do alegado por cada um dos seus progenitores), perante uma situação de incumprimento da regulação antes fixada ou quando circunstâncias ulteriores determinem a alteração do antes estabelecido.

Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2016 (proc.7623/15.1T8LSB-B, rel. PEDRO MARTINS): “Este processo de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais é um processo com natureza de jurisdição voluntária (art. 12 do RGPTC), o que quer dizer que não há um litígio de interesses a decidir, mas sim uma controvérsia, ou diferença de opiniões, entre requerente e requerida sobre a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha tendo em conta o interesse desta (e também, mas só secundariamente, o interesse dos progenitores).

E essa regulação (a que melhor serve o interesse da menor – segundo o art. 40 do RGPTC o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança”, em coerência com o disposto no art. 1906 do CC, especialmente no seu n.º 7) vai ser decidida pelo tribunal, não no exercício de uma função jurisdicional, mas sim de administração pública de interesses privados, tendo em conta aquilo que os progenitores tiverem dito nas suas alegações e tudo aquilo que tiver sido apurado no decorrer do processo, mesmo que não introduzido pelos progenitores (art. 986 do CPC).

(no que antecede teve-se em conta: Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 3.ª edição, 2013, págs. 17/18, e Introdução ao processo civil, 3.ª edição, 2013, págs. 58 a 64; Castro Mendes, Direito Processual Civil, AAFDL, I, 1980, págs. 79 a 101; Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao processo civil, Lex, 2ª edição, 2000, págs. 38/39; Alberto dos Reis, Processos especiais, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, 1982, págs. 397 a 417, lembrando na pág. 414, que não estamos na presença de uma acção proposta por um dos pais contra o outro; trata-se [as alegações] de peças postas à disposição dos pais para marcarem a sua posição quanto ao objecto da causa; Antunes Varela/Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, Coimbra Editora, págs. 69 a 73; Manuel de Andrade/Antunes Varela/Herculano Esteves, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 71/72; Remédio Marques, Acção declarativa à luz do código revisto, Coimbra Editora, 2007, págs. 75/80; Paulo Pimenta, processo civil declarativo, 2015, Almedina, págs. 59/60, que diz que na acção de regulação das responsabilidades parentais o que está em causa é o superior interesse dos menores, interesse que ambos os progenitores querem ver tutelado – e, por isso, lhes é comum -, mas sobre o qual têm perspectivas e posições distintas; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, 1981, págs. 146 a 157, mas com várias divergências em relação aos anteriores; Rosa Andreia Simões Cândido Martins, Processos de jurisdição voluntária. Acções de regulação do poder paternal. Audição do menor, BFDUC, 2001, págs. 720 e segs, especialmente até 738, sendo que na pág. 736 lembra: “a solução encontrada pelo julgador poderá não coincidir com aquela que foi proposta pelos progenitores, porque o interesse cujo promoção e realização se persegue é o interesse da criança, que apresenta ‘existência própria e autónoma’ em relação aos interesses próprios de cada um dos progenitores e poderá até não lhes corresponder”; Maria Clara Sottomayor, Exercício do poder paternal, Porto, PUC, 2003, págs. 92, nota 99, e 170/171, e Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio, 1997, págs. 30/31; e Maria de Fátima Abrantes Duarte, O poder paternal. Contributo para o estudo do seu actual regime, AAFDL 1989, págs. 150/151).

Quer-se com isto dizer que o objecto do processo é a necessidade da alteração da regulação, na perspetiva do interesse (principal) que está em causa, que é o da menor, e não no do interesse de um ou de outro dos progenitores, pelo que o que se trata é de saber se se demonstra a necessidade da alteração da regulação e não se se demonstra a necessidade da alteração proposta pelo requerente ou pela requerida e, no caso de se demonstrar a necessidade, qual é a melhor forma da nova regulação, independentemente do que tiver sido proposto por um ou por outro dos progenitores”.

Assim, a necessidade de alteração da regulação é aferida na perspetiva da criança e, não, na do requerente, pelo que, sempre o Tribunal poderá apreciar, legitimamente, qualquer questão relevante para a regulação do exercício das responsabilidades parentais que considere não satisfazerem integralmente os superiores interesses da criança.

Mas, para além disso, o processo de alteração de regulação é, em conformidade com o disposto no artigo 12.º do RGPTC, um processo que tem a natureza de jurisdição voluntária.
Nessa medida, “ao assumir a natureza de jurisdição voluntária (livre investigação dos factos e da prova; critério de julgamento de conveniência e oportunidade; alteração superveniente das resoluções judiciais) visa uma preponderância de tramitação e de decisão que não é de natureza estritamente legal, conferindo uma ampla margem de iniciativa jurisdicional ao tribunal, mas que continua a ter princípios e regras específicas, nomeadamente a observância de um processo justo e equitativo, afastando-se de uma jurisdição arbitrária” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2020, Pº 497/17.0T8OBR.P1, rel. JOAQUIM CORREIA GOMES).

É que, conforme decorre do disposto nos artigos 987.º e 988.º do CPC, nas providências a tomar no âmbito de processos de jurisdição voluntária, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna, podendo as resoluções ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos. Tal alteração pode fundar-se em circunstâncias supervenientes que a justifiquem, tanto ocorridas posteriormente à decisão, como anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.

Pode dizer-se que, “nos processos de jurisdição voluntária (como é o caso dos autos, de Alteração das Responsabilidades Parentais) o princípio do dispositivo cede perante o princípio do inquisitório” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2014, Pº 191/08.2TMMTS-D.P1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS).

Em total e fiel observância com os princípios que subjazem à natureza de jurisdição voluntária – antes assinalados – do processo em apreço e sem olvidar os cânones que determinam a observância de um processo justo e equitativo, o Tribunal recorrido, não deixou de considerar os factos apurados, com inteira contraditoriedade e escrutínio das partes, e sobre eles ponderou, reponderando as várias facetas da regulação antes estabelecida, decidindo em conformidade.

Aliás, nos artigos 2.º e 13.º do requerimento inicial, não deixou o requerente de se referir aos aspetos alimentícios da regulação existente, sobre a qual, aliás, não deixou de pretender alteração (cfr. artigos 16.º e 17.º do requerimento inicial), o que sempre legitimaria o conhecimento levado a efeito pelo Tribunal recorrido.

Não pode, pois, concluir-se no sentido de que tenha constituído alguma surpresa a apreciação levada a efeito pelo Tribunal também sobre o aspeto dos alimentos fixados a favor da criança, nem se antevê que a dita apreciação tenha sido efetuada em desrespeito dos princípios da imediação e do contraditório.

O recorrente sabia da existência da fixação da prestação de alimentos a favor da criança e que a mesma se integra no leque de questões que devem ser apreciadas pelo Tribunal quando se debruça sobre a necessidade de manter/alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais antes fixada e, tendo o Tribunal recorrido, decidido manter o regime de guarda/residência da criança com a progenitora, fixando um regime de visitas por parte do progenitor não guardião, seria também evidente que lhe incumbiria – factualidade que o recorrente não poderá olvidar – conhecer da fixação de alimentos.

É que, conforme decorre do disposto no artigo 42.º, n.ºs. 4 a 6, do RGPTC, a respeito da tramitação da ação para alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, deduzida a pretensão de alteração e ouvido o outro progenitor e junta a alegação deste ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente, sendo que, no caso contrário, ordena o prosseguimento dos autos, “observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º”, sem prejuízo de “determinar a realização das diligências que considere necessárias”.

E, de harmonia com o previsto nos artigos 37.º a 40.º do RGPTC, a regulação – assim como a sua alteração – incide sobre o “exercício das responsabilidades parentais”, sendo que estas compreendem, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” (cfr. n.º 1 do artigo 1878.º do CC).

Verifica-se, pois, que o Tribunal recorrido tinha como uma das tarefas a apreciar na decisão que proferisse sobre a pretensão de alteração da regulação antes fixada, a ponderação sobre a manutenção/alteração relativamente aos alimentos arbitrados.

E, nesse âmbito, o recorrente poderia, se o entendesse, ter aportado para os autos a factualidade que considerasse pertinente para a decisão de tal questão, não advindo do conhecimento efetuado pelo Tribunal recorrido, na sequência do impulso nesse sentido do requerente – determinando a potencial alteração dos aspetos atinentes à regulação antes fixada - alguma postergação do princípio do contraditório tal como o mesmo se acha expresso, desde logo, pelo artigo 3.º do CPC.

Por seu turno, o princípio da imediação preconiza que “o julgador deve ter, por um lado, o contacto mais próximo e direto possível com as pessoas ou com as coisas que servem de meios de prova; e, por outro, as pessoas (in casu, as testemunhas, as partes e os peritos) devem situar-se na relação mais direta possível com os factos a provar, uma vez que são os veículos ou os instrumentos entre o julgador e a fonte da prova (a pessoa ou a coisa).” (assim, Remédio Marques; Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, pp. 392-393 e, também, Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, p. 155).

Como refere Luís Filipe Pires de Sousa (“O sentido útil do princípio da imediação – Notas a propósito do artigo 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3, aditado pela Lei n.º 16/2020, de 29.5 (Audiências de Julgamento em tempo de pandemia)”; Junho 2020, p. 7, texto consultado em: https://blogippc.blogspot.com/2020/06/o-sentido-util-do-principio-da-imediacao.html), “a imediação pode ser concebida num sentido amplo e num sentido restrito. No primeiro, a imediação exige a presença judicial nos atos em que se desenvolve o processo; no segundo, que é o mais comum e que também poderá ser designado por imediação em sentido subjetivo, a imediação exige que o juiz que dite a sentença esteja presente nos atos processuais atinentes à produção da prova no propósito de o colocar nas melhores condições para conhecer o objeto do processo e apreciar a prova”.

Assim, como afirma Mouraz Lopes (Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português: Legitimar, Diferenciar, Simplificar, Almedina, 2011, p. 251), “a oralidade e a mediação traduzem-se essencialmente numa técnica para a formação das provas e não num método de convencimento do juiz. Após a obtenção do conjunto de informação decorrente da produção da prova com imediação, termina nesse momento a tarefa da imediação e começa a elaboração racional do juiz”.

O que significa que apenas será colocada em questão a imediação, se as provas forem incorretamente formadas, em contravenção do previsto na lei.

Ora, no caso em apreço, por qualquer dos sentidos ou prismas em que se olhe o aludido princípio da imediação, não se mostra violado o mesmo pela decisão recorrida não se apurando qualquer circunstância que demonstre uma indevida formação das provas produzidas.

Ao invés, da decisão recorrida infere-se, com clareza, que o julgador, em termos de facto, apreendeu das provas produzidas os elementos factuais que selecionou na decisão, apurando os factos provados e não provados e enunciando a respetiva motivação crítica para tal proceder, mais se aferindo, inelutavelmente, que o respetivo julgador foi quem presidiu ao julgamento de facto e foi perante quem foram produzidas as provas constituendas, tendo analisado as constituídas nos autos (cfr. artigos 605.º, 607.º e 608.º do CPC).

Em suma: Tendo sido requerida pretensão de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, não constitui decisão surpresa a apreciação no respetivo processo sobre os alimentos fixados a favor da criança, nem a mesma viola os princípios da imediação (na medida em que as provas que determinaram a decisão tiveram lugar perante o juiz que proferiu a decisão) e do contraditório (na medida em que o conflito foi resolvido na sequência de impulso e audição de requerente e requerida).

Assim, indemonstrado algum excesso de pronúncia por parte do julgador, sem ter sido beliscado o princípio do contraditório e da imediação, conclui-se não se verificar a nulidade da decisão recorrida, também face ao disposto na alínea d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

A nulidade arguida é, pois, improcedente."

[MTS]