Litigância de má fé;
uso reprovável dos meios processuais
Em STJ 28/1/2021 (2117/18.6T8VRL.G1.S1) (não sumariado) decidiu-se o seguinte:
1. Notificada do acórdão que, com voto de vencido, julgou procedente o recurso de revista, veio a R. requerer a sua reforma no sentido de o referido acórdão ser substituído por outro que dê procedência à sua pretensão, mantendo-se, assim, o acórdão da Relação que foi objeto de recurso de revista.
A A. pronunciou-se no sentido de ser indeferida a pretensão.
A fim de aquilatar os motivos da iniciativa da R., foi proferido pelo ora relator o seguinte despacho:
“A fim de avaliar o comportamento processual da reclamante, explicará em que segmento do acórdão encontra algum "manifesto lapso ... na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos" que, nos termos do art. 616º, nº 2, al. a), do CPC, que cita, lhe permita deduzir o incidente de reforma.Para o efeito não ignora seguramente a distinção entre essa situação típica, que a lei adjetiva acolhe, e uma mera manifestação de natural discordância quanto ao que foi decidido, mas que, até melhor prova, nenhuma norma sustenta.Supõe-se ainda que estará bem ciente de que, correspondendo o recurso de revista ao terceiro grau de jurisdição, não está consagrado nem um putativo quarto grau de jurisdição, nem a possibilidade de reabrir qualquer discussão ou de reverter a decisão proferida, depois de com a subscrição e publicação do acórdão se ter esgotado o poder jurisdicional, nos termos do art. 613º, nº 1, do CPC.Tudo isto parece claro. Ainda assim, o exercício do contraditório impõe-se antes de assumir qualquer posição sobre o requerimento apresentado”.
A R. requerente, contudo, nada veio adiantar.
2. Resulta manifesto que não se verifica qualquer motivo para proceder à reforma do acórdão, tendo em conta os exigentes requisitos que constam do art. 616º, nº 2, al. a), do CPC.
Na realidade, no requerimento que foi formulado, a requerente mais não fez do que manifestar a sua discordância quanto ao resultado com que foi confrontada, pretendendo retomar a discussão que já ocorreu no âmbito do recurso de revista, com o resultado que ficou bem visível no acórdão no qual foi inserido voto de vencido.
Não se concebe, aliás, que perante um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça seja deduzido um tal incidente sem a mais ligeira sustentação legal, como se, num movimento perpétuo, fosse admissível questionar indefinidamente o que foi decidido só pelo simples facto de se discordar do resultado ou da fundamentação.
Tudo isto é evidenciado não apenas pela manifesta falta de sustentação do requerimento em alguma das hipóteses previstas no art. 616º, nº 2, do CPC, como ainda pelo facto de, em regra, proferida qualquer decisão, se esgotar o poder jurisdicional, como decorre do art. 613º, nº 1, do CPC.
3. Apesar de manifestamente improcedente, o requerimento apresentado, repita-se, sem a menor sustentação legal, revela, sem qualquer espécie de dúvida, um comportamento processual que não pode ser admitido e que deve ser sancionado.
A dedução de tal incidente anómalo foi, ademais, a causa da dilação que ocorreu quanto à data do trânsito em julgado do acórdão, de modo que o facto de o acórdão deste Supremo ser questionado por essa via anormal constitui uma circunstância que torna ainda mais grave a postura processual da R.
Não está em causa apenas alguma imprudência ou falta de diligência, antes a violação clara das regras da boa fé processual que, nos termos do art. 542º, nº 2, do CPC, impede que se faça de instrumentos processuais, como o incidente de reforma, um uso manifestamente reprovável.
Justifica-se, pois, aplicação de penalidade correspondente a uma atuação em litigância de má fé.
4. Por conseguinte:
a) Julga-se improcedente o incidente de reforma;
b) Condena-se a R. requerente como litigante de má fé no pagamento da multa correspondente a 10 UC.
Custas do incidente a cargo da requerente, com taxa de justiça de 3 UC."