"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/07/2021

Jurisprudência 2021 (7)


Embargos de executado;
compensação; requisitos*


1. O sumário de RG 21/1/2021 (144/09.3TBMCD-A.G1) é o seguinte:

I. Na oposição à execução mediante embargos, só podem ser compensados créditos em relação aos quais o embargante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação.

II. Na interpretação do clausulado pelas partes numa transacção obtida é aplicável o regime geral dos arts. 236.º a 239º do Código Civil.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1.4. Do direito.

Os embargos de executado têm sido entendidos, quer na doutrina quer na jurisprudência, como uma acção declarativa enxertada no processo de execução, sendo que o requerimento de embargos equivale a uma petição inicial para acção declarativa – e tal posição tem-se mantido ao longo das diversas reformas registadas no âmbito da acção executiva (cfr., entre outros, Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, Vol. 2º, 48; Anselmo de Castro, “Acção Executiva singular”, 2ª ed., 276; Lopes Cardoso, “Manual da Acção Executiva”, 3ª ed., 250; Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum”, 150 e 151).

Como refere Lebre de Freitas in “A Acção Executiva”, 4ª ed., 188, ao contrário do que sucede com a contestação na acção declarativa, os embargos de executado surgem como algo extrínseco à acção executiva, assumindo uma natureza de contra-acção que pretende obstar a que se produzam os efeitos do título executivo em que aquela se baseia.

Assim, a oposição à execução mediante embargos de executado é o meio de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais - que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação (Cfr. Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 73), seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução (J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150).

Na sua petição inicial de oposição à execução, o embargante/apelante invocou a compensação de créditos, como facto extintivo do crédito exequendo.

A compensação é uma de entre várias causas de extinção das obrigações. Na definição do Prof. Antunes Varela, é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor (Das Obrigações em Geral, volume II, 5.ª edição, página 195).

Em termos práticos, a compensação traduz-se num encontro de contas, com vista a evitar às partes um duplo acto de cumprimento.

Mas, como esclarece o Prof. Almeida Costa, é, também, o princípio da equidade a dar o seu contributo, já que não seria justo obrigar a cumprir quem seja credor do seu credor, até pelo risco de vir a perder a garantia de pagamento do respectivo crédito, como sucederia, por exemplo, em caso de insolvência da contraparte (Direito das Obrigações, página 797).

Os requisitos da compensação vêm enunciados no artigo 847.º do Código Civil, nos seguintes termos:

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

Segundo o Prof. Antunes Varela, são quatro os pressupostos que emergem do preceito: a) a reciprocidade de créditos; b) a validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito; c) a fungibilidade do objecto das obrigações; d) a existência e validade do crédito principal (obra citada, páginas 198 a 206).

Mas mesmo que se verifiquem todos estes requisitos, há casos em que a compensação não opera; assim acontece em relação aos créditos provenientes de factos ilícitos dolosos, aos créditos impenhoráveis (a menos que ambos sejam da mesma natureza), aos créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas e, ainda, quando haja prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou quando o devedor tenha renunciado à compensação (artigo 853.º do Código Civil).

Seguindo a fundamentação explanada nos Acs. do STJ de 14/03/2013 e de 02/06/2015, ambos disponíveis in www.dgsi.pt., que tende a ser maioritária, entendemos que para efeitos de apresentação de compensação em sede de oposição à execução, o contracrédito do executado só é exigível quando está reconhecido judicialmente.

Com efeito, tem sido entendido que no âmbito de um processo executivo, um crédito do executado só se torna exigível, para efeitos de compensação com o crédito exequendo, quando a sua realização coactiva não depende de reconhecimento judicial em processo declarativo, ou seja, quando já está reconhecido judicialmente ou pelo menos quando esse crédito se mostra corporizado em título executivo.

“A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (Ac. do STJ de 14/12/2006, in www.dgsi.pt.).

Pois, “só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que “estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.

Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (Cfr. Ac. do STJ de 29/03/2007, in www.dgsi.pt).

Assim, a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo, de todo, admissível que o reconhecimento judicial do contra crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução.

No caso dos autos, temos que a embargante/apelante invoca um direito de crédito que já se encontra reconhecido judicialmente, pois que resulta de uma transacção efectuada no âmbito de um outro processo judicial (procedimento cautelar nº 403/13.0TBMCD), homologada por sentença, transitada em julgado, processo no qual a ora embargante/apelante era requerente e a embargada/apelada era requerida.

Ora, tal direito já tem a consistência de um crédito em sentido estrito, uma vez que, já impende sobre a exequente a obrigação de efectuar o pagamento dos trabalhos já suportados pela embargante, nos termos acordados na transacção em causa.

Nesta medida, a compensação pretendida está em condições de ser exercida nesta acção executiva, através da presente oposição mediante embargos.

De facto “A significância da expressão «judicialmente exigível», não passa por uma mera eventualidade e/ou possibilidade de o titular do pretenso crédito poder ou não suscitar a intervenção do Tribunal para efectivar a sua pretensão, implicando, antes, que tal pretensão já se mostre devidamente efectivada e o crédito efectivamente reconhecido”. (cfr. Ac STJ de 04/07/2019, disponível in www.dgsi.pt)).

Ou seja, o direito que a embargante/apelante quer fazer valer é desde já exequível. [...]"


*3. [Comentário] A RG segue uma orientação bastante comum, que, contudo, não deixa de ser muito discutível.

Quando o executado invoca a compensação nos embargos de executado, não pretende executar o contracrédito, mas tão só extinguir o crédito exequendo. Nesta óptica. é mais do que discutível que se deva exigir mais do que o disposto no art. 847.º, n.º 1, al. a), CPC faz: o contracrédito tem de ser judicialmente exigível. Isto é, naturalmente, completamente diferente de o contracrédito ter de ser exequível, que pressupõe a existência de um título executivo relativo a a esse crédito.

No sentido que se considera desejável, cf. RP 18/1/2021 (324/14.0TTVNG-D.P1).


MTS