"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/07/2021

Jurisprudência 2021 (24)


Divórcio judicial;
processo de inventário; competência


1. O sumário de RC 23/2/2021 (435/20.2T8PBL-A.C1é o seguinte:

I – A Lei nº 117/2019, de 13.9, que entrou em vigor em 1.1.2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5.3, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts. 1082º a 1135º) o inventário judicial.

II - Sem prejuízo do regime transitório previsto nos arts. 12º e 13º da referida Lei nº 117/2019, estabelece a mesma a repartição de competências para a tramitação do inventário entre os tribunais judiciais e os cartórios notariais, delimitando o art. 1083º do C.P.C. os casos em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos primeiros.

III - Resulta da alínea b) do n.º 1 do art.º 1083.º do C.P.C. que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

IV - Por outro lado, resulta do n.º 1 do art.º 1133º do mesmo diploma que: “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”.

V - O inventário para separação de meações é dependente do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.

VI - Da leitura destes preceitos e da sua conjugação com o disposto no n.º 2 do art.º 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), onde se refere que: “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”, temos para nós que o inventário tem de correr nos tribunais judiciais (juízos de família e menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A Lei nº 117/2019, de 13.9, que entrou em vigor em 1.1.2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei nº 23/2013, de 5.3, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts. 1082º a 1135º) o inventário judicial.

Assim, e sem prejuízo do regime transitório previsto nos arts. 12º e 13º da referida Lei nº 117/2019, estabelece a mesma a repartição de competências para a tramitação do inventário entre os tribunais judiciais e os cartórios notariais, delimitando o art. 1083º do C.P.C. os casos em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos primeiros.

Resulta da alínea b) do n.º 1 do art.º 1083.º do C.P.C. que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

Por outro lado resulta do n.º 1 do art.º 1133º do mesmo diploma que:

“Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”

O inventário em causa é dependente do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.

Da leitura destes preceitos e da sua conjugação com o disposto no n.º 2 do art.º 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), onde se refere que: “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”, temos para nós que o inventário tem de correr nos tribunais judiciais (juízos de família e menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial (cfr. neste sentido Ac. Rel. de Lisboa de Lisboa de 14.7.2020 – 6, proc.º n.º 99/16.6T8CSC-D.L1-7, relatado por Maria da Conceição Saavedra).

É verdade que o art.º 133.º [1133.º] do C.P.C., como se refere na decisão recorrida, sustentada na opinião de Tomé D’ Almeida Ramião, não prevê, de forma expressa, que o inventário requerido na sequência de divórcio seja tramitado por apenso ao processo judicial onde este foi decretado, ao contrário do que sucedia com o nº 3 do art. 1404º do C.P.C. que lhe correspondia na versão do DL nº 329-A/95, de 12.12.

Contudo, temos para nós que é a dependência e a conexão entre ambos os processos que justificará a competência exclusiva dos tribunais judiciais para tramitar tais inventários (cfr. neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa supra citado), pois só assim, quanto a nós, se compreende a conjugação dos art.ºs 1133.º do C.P.C. e art.º 122 da LOSJ.

Por outro lado, o nº 2 do art. 206º do C.P.C. refere que: “As causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam.”

Assim, como refere Pedro Pinheiro Torres in Cadernos do CEJ “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pág. 31: “(…) Será, porventura. relevante fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; (…).”

Também António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa vão nesse sentido, ao referirem in “Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2020, Vol. II, pág. 527” que: “(…) Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206º, nº 2.(…).”.

Referem ainda os mesmos autores, in ob. cit., págs. 527 e 629, que “a mesma relação de dependência justifica a instauração por apenso na prestação de contas pelo cabeça de casal (art. 947º), na atribuição da casa de morada de família por dependência da ação de divórcio pendente ou finda (art. 990º, nº 4), na autorização para a prática de atos por dependência de processo de inventário ou de maiores acompanhados (art. 1014º, nº 4), na nomeação judicial de titulares de órgãos sociais para efeito de representação da pessoa coletiva em causa pendente (art. 1054º, nº 2) ou ainda nos casos previstos nos arts. 881º, nº 3, 915º, 924º e 959º).

Pelo exposto e por concordar com o segmento do referido no Ac. da Rel. de Lisboa supra citado, aqui o transcrevemos “Cremos, com o devido respeito, que a regra da apensação, justificada pela relação de dependência e conexão entre ambos os processos é a que melhor se coaduna com a competência exclusiva dos tribunais judiciais para tramitar, nomeadamente, o inventário requerido na sequência de divórcio judicial, sendo ainda a mais conforme com o princípio da economia processual, já que do processo de divórcio poderão constar elementos relevantes para a decisão da partilha (cfr. art. 1789º do C.C., com a epígrafe “Data em que se produzem os efeitos do divórcio”).

Pelo que, tendo em conta o disposto no art. 206º, nº 2 do C.P.C., não podemos retirar do confronto entre o atual art. 1133º do C.P.C. e o correspondente art. 1404º do C.P.C. de 1961 que o inventário será tramitado de forma autónoma e independente nos tribunais de família e menores ainda que aí tenha corrido termos a ação que lhe deu origem e que com ele é conexa.

Em suma, concluímos que cabendo aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos arts. 122, nº 2, da LOSJ, e 206, nº 2, do C.P.C..”.

Face ao exposto, tem de proceder a pretensão do recorrente, devendo ser o inventário tramitado por apenso ao processo de divórcio judicial dos interessados.


[MTS]