Embargos de terceiro;
competência internacional*
I– Nos embargos de terceiro, não está em causa a reapreciação dos fundamentos da decisão de decretar o arresto preventivo emanada da Justiça de um Estado Soberano com o qual o Estado Português, igualmente Soberano, tem uma Convenção. O que verdadeiramente se trata é a apreciação da questão de saber se o EMBARGANTE tem a posse efectiva e real dos bens arrestados, ou seja, se existe uma relação material entre o detentor e a coisa detida que possibilite a sua fruição –, em consequência de garantias reais legalmente constituídas, e se tem o animus. Essa questão é co-existente com a primeira, e até pode obstar à concretização da decisão emanada da Justiça da República Popular de Angola, mas não é a mesma, pois o objecto do processo de embargos não é o de sindicar aquela decisão e os seus fundamentos, antes o de saber se o Estado Português pode cumprir com o que foi pedido, ou se há questões prévias, designadamente, a existência de garantias reais previamente constituídas sobre os bens cujo arresto preventivo é pedido, que obstem à manutenção, e cumprimento do pedido, e no caso dos autos a pré- existência de um penhor financeiro sobre os bens que incidem o arresto preventivo pedido por Estado terceiro.
II–Ora, tendo o Estado Português na sua disponibilidade a decisão sobre o destino a dar aos bens arrestados, nos termos do disposto no artº 16º, nº 3 alínea b) da Convenção CPLP, tem o Tribunal Português competência para conhecer dos embargos opostos àquela decisão sobre o pedido de arresto formulado pelo Estado Angolano por terceiro credor pignoratício com garantias reais com existência prévia àquele arresto. Aliás, se o Estado Português é competente para executar o pedido formulado de acordo com a legislação nacional, tal como foi decidido por este Tribunal da Relação, implicitamente, ao revogar a decisão do Mmo Juiz do Tribunal “a quo” que não determinou o arresto pedido, tem igualmente competência para conhecer dos incidentes que se suscitem nesse processo de execução do pedido formulado, mormente, competência para conhecer do incidente de oposição de terceiro por meio de embargos, de harmonia aliás, com o disposto no artº 78º do CPC, subsidiariamente aplicável.
III–Assim o Tribunal Português é competente internacionalmente para conhecer da oposição de terceiro por meio de embargos devendo ser aceite esta oposição, deduzida nos termos da legislação nacional, seguindo assim os autos os demais trâmites legais, até decisão final.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Fundamenta CEMG, SA a sua oposição ao arresto preventivo através de embargos de terceiro no facto de ser detentor de um penhor financeiro de primeiro grau efectuado nos termos do disposto no nº 2 do artº 6º do DL 105/2004, e, bem assim, o depósito das acções tituladas junto do Banco agente dos mutuantes, o que confere ao credor pignoratício a posse ou controlo das acções. (vidé ainda o disposto no artº 668º, nº 2 e seguintes do Código Civil)
A constituição desse penhor abrange os direitos inerentes às participações sociais tais como eventuais direitos de crédito decorrentes de prestações acessórias e/ou suplementares, direitos de incorporação, direitos de subscrição ou quaisquer outros direitos que permitam a subscrição ou aquisição a qualquer título de participações sociais, direito aos dividendos e distribuição, e direito de informação, convocação, participação e voto em assembleias gerais, ou seja, os direitos inerentes às acções empenhadas.
As garantias reais constituídas ao abrigo dos contratos celebrados foram adquiridos em momento prévio ao arresto, e foram violadas pelo arresto preventivo decretado, a que a embargante veio deduzir oposição por embargos de terceiro.
Logo, o CEMG, SA tem legitimidade e interesse em agir porquanto está carecido de processo.
A questão prévia da falta parcial de legitimidade e da falta de interesse em agir do embargante de terceiro, suscitada pelo MºPº recorrido, em sede de resposta à motivação de recurso improcederá, pois.
Cumpre apreciar, e decidir, da questão suscitada pelo recorrente que é a de saber se os Tribunais Portugueses são competentes para apreciar a matéria dos embargos de terceiros deduzidos pelo recorrente ao arresto preventivo decretado em resposta ao pedido formulado pela República Popular de Angola através de carta rogatória.
O Mmo Juiz do Tribunal “a quo” entendeu que não, aderindo à promoção do MºPº. [...]
No caso vertente, a única questão suscitada pelo recorrente que levou a formular pedido, após as conclusões, é a que se prende com a competência, ou não, dos Tribunais Portugueses para conhecer dos embargos de terceiro, deduzidos pelo BCP. – competência internacional já que o arresto preventivo sobre os bens resultou de pedido formulado pela República Popular de Angola ao abrigo de cooperação internacional.
Como bem refere o MºPº, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP não determinou uma transferência de soberania jurisdicional dos Estados requerentes para os Estados requeridos, mas também não determinou o contrário, ou seja, não determinou que os Estados requeridos perdessem a sua soberania.
Mas já não assiste razão ao MºPº quando afirma que a apreciação, e decisão, dos embargos de terceiro deduzidos em reacção ao arresto preventivo rogado … implica uma apreciação dos pressupostos do decretamento do arresto preventivo pelo Estado requerente e, nessa medida, não poderá ser efectuada pelo Estado requerido.
Não implica qualquer reapreciação do decretamento do arresto preventivo decretado, dos seus fundamentos, ou sequer da sua justeza, qualquer desconsideração pela Justiça Soberana da República Popular de Angola.
Implica, isso sim, de acordo com o preceito que regulamenta a possibilidade de dedução de embargos, a apreciação de uma questão que é colocada por terceiro com garantias reais sobre os bens arrestados cuja existência podia, até, ser do desconhecimento da Justiça daquele Estado Soberano.
Como se pode ler em anotação ao antigo 1037º do CPC de 1961 …” quando … qualquer diligência ordenada judicialmente que não seja a apreensão de bens em processo de falência ou de insolvência ofenda a posse de terceiro, pode o lesado fazer-se restituir à sua posse por meio de embargos…
Considera-se terceiro aquele que não tenha intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigou…
Como ensinava A.Reis, RLJ 87º, 180 e Procs Esp. 1º, 404 …” a posse susceptivel de fundamentar os embargos de terceiro é a posse real e efectiva, … que é o caso dos autos.
A oposição mediante embargos de terceiro está agora prevista na subsecção III do Livro II do CPC, e, em consequência, deixou a acção declarativa de embargos de terceiro de ser tratada entre os processos especiais para ser regulada como se fosse um incidente da instância.
E passou a entender-se que só a posse ou direito incompatível com a realização da diligência ordenada é que legitima os embargos, e que são direitos incompatíveis os … direitos reais de garantia que como o penhor e o direito de retenção impliquem a posse dos bens…” CPC da autoria de Lebre de Freitas
O que está em causa, nos embargos de terceiro, não é, de modo algum, a reapreciação dos fundamentos da decisão de decretar o arresto preventivo emanada da Justiça de um Estado Soberano com o qual o Estado Português, igualmente Soberano, tem uma Convenção.
O que está em causa é a apreciação da questão de saber se CEMG,SA tem (tinha) a posse efectiva e real dos bens arrestados, ou seja, se existe uma relação material entre o detentor e a coisa detida que possibilite a sua fruição –, em consequência de garantias reais legalmente constituídas, e se tem o animus.
Essa questão é co-existente com a primeira, e até pode obstar à concretização da decisão emanada da Justiça da República Popular de Angola, mas não é a mesma, pois o objecto do processo de embargos não é o de sindicar aquela decisão e os seus fundamentos, antes o de saber se o Estado Português pode cumprir com o que foi pedido, ou se há questões prévias, designadamente, a existência de garantias reais previamente constituídas sobre os bens cujo arresto preventivo é pedido, que obstem à manutenção, e cumprimento do pedido.
Aqui chegados, cumpre analisar se o Estado Português é internacionalmente competente para o efeito.
Dispõe o artº 6º do Código do Processo Penal que …” a lei processual penal é aplicável em todo o território português, e, bem assim, em território estrangeiro nos limites definidos pelos tratados, convenções e regras de direito internacional.
Pode ler-se na anotação 2 da autoria do Exmo Conselheiro Henriques Gaspar que …” a lei processual nacional é também aplicável a acto, diligência ou solicitação de uma entidade estrangeira formulada no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal: os actos de cooperação solicitada ou a praticar no âmbito da cooperação são levados a cabo de acordo com a lei nacional…
O princípio admite excepções … podem decorrer em conformidade com a legislação do Estado que requer o auxílio desde que esse Estado o solicite expressamente ou em resultado de acordo, tratado ou convenção internacional. …”
No caso vertente, resulta da Convenção CPLP que a cooperação é levada a cabo nos termos da legislação nacional – artº 4º, nº 1 da Convenção e não foi formulado pedido expresso em sentido contrário.
Do mesmo modo, resulta quer da Convenção CPLP quer da LCJIMP que …o Estado requerido adoptará em conformidade com a sua legislação -artº 16º, nºs 2 e 3 da Convenção CPLP e artº 145º, nº 1 e 146º, nº 1 da LCJIMP.
Ora, tendo o Estado Português na sua disponibilidade a decisão sobre o destino a dar aos bens arrestados, nos termos do disposto no artº 16º, nº 3 alínea b) da Convenção CPLP, tem o Tribunal Português competência para conhecer dos embargos opostos àquela decisão sobre o pedido de arresto formulado pelo Estado Angolano por terceiro credor pignoratício com garantias reais com existência prévia àquele arresto.
Aliás, se o Estado Português é competente para executar o pedido formulado de acordo com a legislação nacional, tal como foi decidido por este Tribunal da Relação, implicitamente, ao revogar a decisão do Mmo Juiz do Tribunal “a quo” que não determinou o arresto pedido, tem igualmente competência para conhecer dos incidentes que se suscitem nesse processo de execução do pedido formulado, mormente, competência para conhecer do incidente de oposição de terceiro por meio de embargos, de harmonia aliás, com o disposto no artº 78º do CPC, subsidiariamente aplicável.
O Tribunal Português é competente internacionalmente para conhecer da oposição de terceiro por meio de embargos deduzida pela CEMG,SA, SA, pelo que o recurso interposto merecerá provimento, com consequente revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que aceitando a atribuição da referida competência, aceite a oposição de terceiro mediante embargos, deduzida nos termos da legislação nacional, e demais trâmites, até decisão final."
*3. [Nota] O artigo 16.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa estabelece o seguinte:
Artigo 16.º
Objectos, produtos e instrumentos do crime
1 - O Estado requerido, se tal lhe for pedido, deverá diligenciar no sentido de averiguar se quaisquer objectos ou produtos do crime se encontram no seu território e informará o Estado requerente dos resultados dessas diligências. Na formulação do pedido, o Estado requerente informará o Estado requerido das razões pelas quais entende que esses objectos ou produtos se encontram no seu território.
2 - Quando os objectos ou produtos do crime forem localizados, o Estado requerido adoptará, em conformidade com a sua legislação, os procedimentos adequados a prevenir a sua alienação ou qualquer outra transacção a eles respeitantes ou concederá todo o auxílio no que concerne a esses procedimentos até que uma decisão final seja tomada por um tribunal do Estado requerente ou do Estado requerido.
3 - O Estado requerido, na medida em que a sua lei o permita, deve:
a) Dar cumprimento à decisão ou adoptar os procedimentos adequados relativos à perda, apreensão ou congelamento dos objectos ou produtos do crime ou a qualquer outra medida com efeito similar decretada por uma autoridade competente do Estado requerente;b) Decidir sobre o destino a dar aos objectos ou produtos do crime e, se tal lhe for solicitado, considerar a sua restituição ao Estado requerente, para que este último possa indemnizar as vítimas ou restituí-los aos seus legítimos proprietários.
4 - Na aplicação do presente artigo serão respeitados os direitos de terceiros de boa fé
.
5 - As disposições do presente artigo são também aplicáveis aos instrumentos do crime.
MTS