1. Na Alemanha encontram-se pendentes vários processos em que, no âmbito do chamado Dieselgate, compradores de automóveis, cujo software de controlo de emissões de gases de escape foi manipulado, pedem a restituição do preço pago contra a devolução do automóvel ao fabricante.
Num recente acórdão, o BGH (BGH 11/5/2021 (VI ZR 154/20)) reconheceu que sobre a parte demandada recai um "ónus de alegação secundário" quanto a saber de quem partiu a iniciativa da manipulação do software e se a administração da VW tinha conhecimento dessa manipulação.
2. No referido acórdão, o BGH diz, em concreto, o seguinte:
"13. a) É verdade que, em princípio, recai sobre aquele que faz valer uma pretensão baseada no § 826 BGB a totalidade do ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos. [...]
14. Este princípio sofre, no entanto, uma restrição quando a parte primariamente onerada com o ónus de alegação não tem nenhum conhecimento próximo das circunstâncias relevantes e também não tem nenhuma possibilidade de qualquer outra investigação, enquanto a parte contrária conhece todos os factos essenciais e lhe é facilmente possível e exigível trazer informações mais próximas. Neste caso, recai sobre a parte contrária um ónus de alegação secundário (sekundäre Darlegungslast), no quadro do qual também lhe pertence realizar as investigações exigíveis. Se ela não cumprir o seu ónus de alegação secundário, a afirmação do demandante considera-se, segundo o § 138 par. 3 ZPO, confessada [...]
15. b) Segundo estes princípios, recai sobre a demandada o ónus de alegação secundário quanto às questões de saber quem nela tomou a decisão sobre a utilização do dispositivo de desactivação [para manipulação da emissão de gases de escape] e sobre se a sua administração tinha disso conhecimento."
3. O acórdão do BGH nada tem de inovatório no panorama jurisprudencial alemão (e, por isso, nem se encontra seleccionado para ser publicado na colecção oficial (BGHZ)). O acórdão serve, no entanto, como um excelente exemplo do muito útil "ónus de alegação secundário", dado que mostra, com bastante clareza, que, em certas situações, a mera negação pelo demandado dos factos alegados pelo demandante não chega para que se possa considerar cumprido o ónus de impugnação que recai sobre aquele demandado.
A imposição ao demandado de um ónus secundário de alegação permite evitar toda a discussão sobre a chamada distribuição dinâmica do ónus da prova. O problema não está em saber quem deve provar o quê, mas antes em saber o que é necessário que o demandado alegue para que se dê como cumprido o ónus de impugnação e para que os factos invocados pelo autor não fiquem admitidos por acordo pelo não cumprimento desse ónus (art. 574.º, n.º 2, CPC).
MTS